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19 DE ABRIL DE 1952 781

Significa isto que se encontra ameaçada toda a produção ultramarina, e que pode bastar uma alta de cotações internacionais, ou uma subida aparente dos lucros comerciais dos produtores, ou uma simples penada burocrática, para que grande parcela do produto das vendas constitua receita definitiva do Estado, e outra parcela ainda maior fique à ordem do mesmo Estado, congelada, imóvel, paralisada, apodrecida ou inutilizada, sem que a iniciativa particular possa aproveitá-la rápida e oportunamente.

E os industriais, os agricultores, os mineiros, os comerciantes serão forçados a aguardar que Sua Majestade o Estado omnisciente lhes ensine como se faz indústria, como se faz agricultura, como se exploram minas ou se realiza comércio.

Nunca, na ferra livre de Portugal, se foi tão longe em matéria de intervencionismo. E agora, não em nome de Angola, mas no de todos os industriais, comerciantes e agricultores da nossa pátria, daqui declaro aos burocratas que não lhes reconheço competência para nos ensinarem a exercer, no pormenor, as nossas profissões.

Quero abrir excepção muito honrosa relativa a grande número de funcionários de Angola, directamente em contacto com o meio, que, em cartas expressivas que tenho lido, mostram conhecer as realidades.

Salazar, que tanto tem condenado a hipertrofia do Estado, escreveu um dia algumas palavras no livro de honra de uma instituição privada que inesperada e demoradamente visitou.

Tenho-as de cor. Nunca as esquecerei:

O Estado deve aproveitar os ensinamentos da competência particular.

Esta declaração do grande Chefe fez terminar um período de incompreensão de certo departamento do Estado acerca duma iniciativa privada de utilidade geral. E a partir dela, graças à intervenção de Salazar, tudo começou a correr bem. Os dois serviços, oficial e particular, passaram a entender-se, a auxiliar-se e a colaborar com prontidão e eficácia.

O Estado procurara dominar, sem ter razão para isso. Salazar acudiu em defesa da iniciativa privada, depois de examinar cuidadosamente a questão.

Precisamos corrigir o nosso complexo de desconfiança em relação ao Estado. Mas também é indispensável que a administração pública nos ajude a isso e não se confine à burocracia. Procure a colaboração dos técnicos particulares, ouça-os - e, depois de ouvi-los, não os despreze como inúteis.

Assistimos há pouco, em grande país da Europa latina, ao milagre de um industrial, elevado à Presidência do Conselho, ter posto ordem financeira e económica no governo do seu pais, dilacerado pelos dissídios dos políticos. A voz da realidade conseguiu fazer-se ouvir - mas só depois de quantos prejuízos irremediáveis! Vemos, correntemente, nos Estados Unidos, que os dirigentes mais experimentados da administração particular são chamados ao exercício dos altos cargos públicos.

Portugal diz-se país corporativo. Entretanto, à agricultura, ao comércio e à indústria nem sequer se lhes deixa a oportunidade de administrarem os seus próprios bens! Os organismos corporativos estilo pejados de comissões administrativas, e os homens mais representativos e mais experimentados das actividades económicas nada valem em comparação com jovens teóricos e burocratas.

Chama-se a isto fomentar a iniciativa privada? Ou não será antes caminhar cada vez mais velozmente para o socialismo de Estado, isto é, para vida parasitária?

Sr. Presidente: expressas estas generalidades, vamos à especialidade.

Visa o Decreto-Lei n.º 38:704, segundo o preâmbulo respectivo:

1.º Evitar perturbações que possam resultar de imperfeitas aplicações de ganhos inesperados;

2.º Empregar para fins estáveis uma parte dos lucros presentes.

Quanto ao primeiro número, afirmam os colonos de Angola que não se registam ali quaisquer indícios de perturbação, o que pode ser confirmado pelos relatórios do respectivo Banco emissor.

Por minha parte acrescentarei que a inflação que se temia, a imperfeita aplicação de ganhos inesperados, foi substituída, nas províncias ultramarinas e na metrópole, por outras perturbações muito mais graves:

A simples publicação do Decreto-Lei n.º 38:704, ainda antes de entrar em execução, já está dando os resultados seguintes:

a) Queda acentuada e continuada de valores na Bolsa de Lisboa, sem exclusão dos próprios fundos do Estado-porque a economia particular se assustou;

b) Suspensão quase completa de encomendas das províncias ultramarinas na metrópole. (Estavam comprando aqui anualmente 1.700:000 contos de mercadorias. O sen poder de compra diminuiu, em prejuízo da indústria metropolitana) ;

c) Paralisação de todos os novos investimentos de capital em empresas ultramarinas, quer por não ser possível realizá-los a partir do momento em que o Estado congela forçadamente grande parte do produto das vendas, quer por se ignorar a aplicação que o Estado vai dar aos capitais que obriga a imobilizar;

d) Paralisação das transacções das mercadorias abrangidas pelo decreto-lei e retraimento da produção ou de compras nas que podem vir a sê-lo. Baixa de preços consequente no mercado interno ultramarino. Veja-se o que já aconteceu em Angola à cotação do café, segundo telegrama publicado no Jornal do Comércio e das Colónias.

Não abordo aqui as perturbações de ordem política - porque já ninguém as ignora hoje. No que respeita a tempestades económicas futuras, falarei a seguir.

Quanto ao n.º 2.º (emprego para fins estáveis de uma parte dos lucros presentes), esses fins, muitos dos quais são de estabilidade duvidosa, acham-se definidos no artigo 4.º, que cria o Fundo de Fomento e Povoamento, no artigo 7.º, que fixa as condições de emprego dos capitais particulares imobilizados à ordem do Estado, e no artigo 8.º, que declara quais são as obras de fomento e povoamento.

Desde que Daudet descreveu a tentativa memorável de colonização maciça realizada por Tartarin em Port-Tarascon, e desde que verifiquei os resultados da experiência romana de Calígula - sinto-me cheio de medo quando ouço falar em grandes obras reprodutivas de fomento e povoamento.

Ainda recentemente, segundo ouvi dizer, a tentativa efectuada pelo Caminho de Ferro de Benguela se malogrou, apesar de impulsionada com alma e seriedade.

O Sr. Carlos Mantero: - Nem todos os colonos que para lá foram estão independentes e florescentes ...

O Orador: - Fiz justiça à iniciativa do Caminho de Ferro de Benguela afirmando que se realizou com alma e seriedade. Talvez por isso, alguns dos novos colonos conseguissem ter subsistido.