892 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 159
Na organização geral mantém-se o princípio da unidade orgânica para todo o território nacional, conforme se acha estabelecido no § único do artigo 53.º da Constituição Política, que diz: «A organização militar é mm para todo o território».
No recrutamento e no serviço militar também a proposta de lei mantém o preceito constitucional estabelecido no artigo 54.º, visto que nela se propõe que o serviço militar nas províncias ultramarinas seja considerado geral e obrigatório.
E a solidariedade que deve existir entre as províncias ultramarinas e a metrópole para assegurar a integridade e defesa de toda a Nação, e que é preceito constitucional consignado no artigo 130.º, encontra-se igualmente mantido na proposta de lei.
Assim como as forças metropolitanas podem ser deslocadas para o ultramar, do mesmo modo as forças ultramarinas poderão ser deslocadas para a metrópole ou para qualquer província ultramarina.
O princípio português por nós mantido através de séculos durante toda a nossa vida ultramarina de atrair e nacionalizar os naturais, afastando todos os preconceitos raciais, está também incluído nas bases da proposta de lei.
«Nas escolas metropolitanas de formação de quadros poderão ser admitidos quaisquer naturais das províncias ultramarinas que satisfaçam às condições de admissão previstas na lei».
E no ultramar «os sargentos europeus poderão ser substituídos, em proporção a determinar, no enquadramento das tropas ultramarinas, por sargentos naturais do ultramar especialmente preparados para o efeito».
É da nossa tradição não estabelecer diferenciações raciais. E por isso mesmo é que em Portugal não há nem nunca existiu o problema da discriminação racial.
Foi a religião cristã que professamos desde a origem da nossa nacionalidade que maior influência exerceu sobre nós para tratarmos não só humanamente os povos de outras raças e civilizações atrasadas mas para irmos até ao ponto de os irmanarmos connosco.
Esta característica essencial dos Portugueses que contribuiu para que eles dilatassem a f é e o império, realizando no ultramar a obra que causa admiração no mundo inteiro, está nitidamente vincada na proposta de lei em discussão.
Por esta e outras razões fundamentais a proposta é merecedora da nossa inteira concordância.
Se há alterações aceitáveis introduzidas pela Câmara Corporativa e pelas nossas Comissões de Defesa e do Ultramar, essas alterações são apenas de pormenor, e em muitos casos são somente de simples redacção, para melhor traduzir a ideia.
É evidente que podemos discordar do número de unidades militares a estabelecer em cada província ultramarina e até da natureza e composição dessas unidades, por motivo de considerações de vária ordem, a que não deverá ser estranha a redução de despesas, para não ficarem sobrecarregados os orçamentos daquelas províncias; mas onde todos certamente estamos de acordo é na disseminação, que for julgada atendivel, das unidades militares por todo o território das províncias ultramarinas.
A presença destas unidades marca uma posição de soberania, de autoridade e disciplina que tem imediata influência na população civil. E, além disso, contribui muito para animar o movimento da vida comercial e o desenvolvimento progressivo das localidades. E justo será reconhecer que o estacionamento de militares metropolitanos nas províncias ultramarinas vai concorrer para a obra de povoamento europeu.
Onde também somente haverá motivo para uma concordância com a proposta de lei é na homogeneidade
que nela se estabelece entre as forças da metrópole e do ultramar, segundo o princípio constitucional, porque é idêntica a formação de quadros, uniforme o material distribuído às unidades e suo comuns as bases para a instrução e emprego das tropas em campanha.
Não há, pois, dúvida alguma que a proposta de lei segue o nosso rumo tradicional e atende ao preceituado na lei fundamental do País.
Porém, entre nós, muitas objecções se poderão formular relativamente à proposta de lei em discussão. E no meu espírito algumas surgiram quando tive ocasião do ler a proposta pela primeira vez.
No desejo de prestar o meu depoimento à Assembleia Nacional para que de algum modo possa esclarecer tais objecções, começarei por formular a seguinte pergunta:
A que propósito virá o Governo apresentar a proposta de lei sobre a organizarão geral, recrutamento e serviço militar das forças do Exército nas províncias ultramarinas?
É uma pergunta que ocorre imediatamente e que necessita de uma resposta, sobretudo para quem tiver de decidir, votando, ou quiser subir a esta tribuna para se pronunciar sobre a proposta de lei.
Eu vou responder por mim, dizendo apenas aquilo que se me afigura ser natural.
Entendo que a apresentação da proposta de lei ó unia lógica sequência da orientação que vem sendo seguida pelo Governo na preparação da defesa militar do nosso país.
Não será preciso mais do que indicar alguma legislação referente ao assunto para se reconhecer imediatamente que o Governo do Estado Novo continua no seu louvável propósito e até dever de preparar a defesa militar da Nação.
E assim limitar-me-ei a indicar os seguintes diplomas :
Lei n.º 2 024, de 31 de Maio de 1947, que indica as bases da defesa nacional;
Decreto n.º 37 542, de 2 de Setembro de 1949, que, pelo seu artigo 2.º, determina a passagem dos serviços militares do ultramar para a dependência do Ministério do Exército;
Decreto-Lei n.º 37 999, de 1 de Agosto de 1950, pelo qual é criado o Ministério da Defesa Nacional e o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica;
Decreto-Lei n.º 37 955, de 9 de Setembro de 1950, que organiza o Secretariado-Geral da Defesa Nacional;
Lei n.º 2 051, de 15 de Janeiro de 1952, que promulga as bases da organização da defesa nacional;
Decreto n.º 38 732, de 28 de Abril de 1952, que criou a Direcção dos Serviços do Ultramar no Ministério do Exército.
Pela enumeração destes seis diplomas se vê claramente qual tem sido o caminho percorrido pelo Governo de Salazar até à data presente, em que foi apresentada a proposta de lei sobre as bases nas quais deverá assentar a organização das forças do Exército nas províncias ultramarinas.
O Governo prossegue nu política que traçou, o que lhe compete, de orientar superiormente a preparação da defesa nacional do País em todo o seu território continental, insular e ultramarino.
A proposta de lei não surgiu, pois, inopinadamente. Tem os seus antecedentes e procura atingir altos objectivos nacionais.
A Câmara Corporativa levanta um problema sério, que diz respeito às relações entre as autoridades militares e civis e particularmente entre o comando militar e o governador-geral.