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888 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 159

de futuro assentaria portanto na transformação da inteligência portuguesa. Para que a obra se mantenha é indispensável que se apoie sobre o homem novo. Daí vem a importância do problema da educação no domínio político.
Enquanto, pois, não houver reais progressos no domínio da educação continua o risco de tantas obras boas, tantas obras belas, terem o destino ligado ao da areia movediça sobre que foram edificadas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Presidente, sem que, por forma sensível, suba o nível de educação da generalidade do nosso povo, o próprio progresso económico e social e ainda mais o progresso das instituições novas, por maiores virtualidade» que em si contenham - como se contém, por exemplo, a organização corporativa -, não podem deixar de deter-se e de se nos depararem decepções onde cuidávamos colher triunfos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nunca é dado realizar tudo, ainda às mais perfeitas minorias governantes. O próprio Plano de Fomento, rasgando horizontes tão vastos no domínio económico, põe também, por forma aguda, o mesmo problema. Requer-se, como um dos factores decisivos, o aumento da capacidade técnica do nosso povo. Como poderemos obter, porém, em grau satisfatório as técnicas da indústria moderna, conhecida embora natural habilidade do nosso operário, se tão importante parte dos portugueses na força da vida (33 a 52 por cento), de quem há-de depender muito do êxito das tarefas de engrandecimento económico a que nos lançamos, carece ainda da instrução elementar?
Isto mostra quanto é premente, até só no mero aspecto utilitarista, o problema para que o Governo vem solicitar toda a Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o combate ao analfabetismo, que é apenas um dos aspectos do mais vasto problema da educação, foi. para a maioria dos países de cultura ocidental, um problema característico do século XIX. Nós atrasámo-nos desoladoramente e deixámo-lo sobreviver, em face aguda, até esta vertente de cá do nosso século. Este atraso faz com que o problema nos apareça hoje coberto de muita poeira novecentista, que não seduz, antes enfastia alguns dos espíritos mais a par com a vida mental e com os temas do nosso tempo.
Assim é que, Sr. Presidente, não raro se encontra certo aristocratismo intelectual desdenhando das preocupações e até da angústia com que outros espíritos, por certo mais avisados, encaram o atraso nesta matéria, que até há pouco se não tinha procurado recuperar, no ritmo necessário. Já tem chegado a dizer-se e até a escrever-se, entre nós e em Espanha, que os povos peninsulares, dada a sua exuberância intuitiva e a densa espiritualidade católica que lhes ficou da era de esplendor, têm reservas de educação que dispensam a instrução abecedária ... E até se ouve acrescentar que convém manter o povo numa santa ignorância que o conserva mais feliz ...
Esta atitude será, em alguns, fruto daquele opaco conservadorismo que também leva a classificar de perigosas (para o pobre povo! ...) as conquistas da justiça social; em outros não passará de pirueta mental, e nos responsáveis a quem também tal se ouve creio, Sr. Presidente, que se tratará sobretudo daquele velho desdém da raposa que passa por baixo da latada demasiado alta ...
Trago isto, Sr. Presidente, para frisar que o Governo, ao propor ao País a tarefa de encarar finalmente de frente o problema do analfabetismo, de mele empenhar esforços e verbas que não podem ser pequenas, deu, além do mais, prova de coragem, de desinteresse e de nobre independência de espírito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É bastante de descorçoar lançarmo-nos à carreira para uma meta onde os outros chegaram há muito. Saber de antemão que ao fim de penoso esforço, que tem de levar anos, já não há uma HO palma de louro para colher, mas apenas a humilde violeta do dever que sempre se chegou a cumprir!
Trago isto também para desta bancada parlamentar afirmar bem alto que só por deformado entendimento do problema, ou então por seco egoísmo, podemos recusar a colaboração activa que o Governo vem pedir a todos os portugueses, de todas as condições e de todas as alturas mentais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também o atraso a que me referia na resolução do problema do analfabetismo tem gerado no aspecto polémico da política certas confusões e ilegítimas apropriações, que, embora ao de leve, desejaria ajudar a esclarecer.
Algumas pessoas habituaram-se a ligar à campanha contra o analfabetismo a imagem do libertário fim de século, de gravata à La Valière, e a verem essa campanha muito emaranhada entre ligas dos direitos do homem, associações do registo civil e outras espécies gremiais da propaganda maçónica. Do lado destas, até pela velha táctica de aproveitar as confissões úteis, houve a tendência para se apropriarem do lema e fazerem dele bandeira especialmente contra a Igreja. Ainda está na memória de todos a petulância retórica com que se anunciava irem derrubar-se igrejas para construir escolas.
Talvez precisamente por matéria tão séria ter sido subalternizada até aos comícios não chegaram a construir escolas, embora derrubassem algumas igrejas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que importa, porém, é destacar a grave confusão que há nisto tudo: o combate ao analfabetismo nos países que, pelo século XIX fora, o levaram a mais completo êxito jamais foi conduzido contra o sentimento religioso ou contra as Igrejas, quer católica, quer protestante. Na Prússia, o país que mais cedo colheu frutos da instrução primária e que, como é conhecido nesta matéria, o grande Renan invejava, o programa incluía, a par da leitura, da escrita e dos rudimentos do cálculo, o ensino religioso e moral.
Outro tanto na Suíça, na Áustria - católica, na Dinamarca. Quanto à França, é interessante anotar, de passagem, recuando embora dois séculos, que o ensino primário, na sua forma moderna, quer dizer, como instrução primeira e as mais das vezes última do povo, à margem da escolaridade eclesiástica e da pretensão a graus superiores, teve origem na fundação, em 1684, da Ordem dos Irmãos das Escolas Cristãs por S. João Baptista de La Salle. Ele foi o fundador daquilo que, com orgulho, se havia de vir a inscrever em vários textos constitucionais dos séculos XIX e XX: o ensino obrigatório e gratuito. E curioso ler até um passo da sua conduite dada aos Irmãos, porque ilustra e estabelece