6 DE NOVEMBRO DE 1952 905
Convida, contudo, a fazer algumas considerações de pormenor e acerca do papel que este projecto de proposta de lei pode desempenhar como instrumento de colonização.
Sob o ponto de vista militar, lia que prever e estabelecer, com fundamento nas suas bases, directivas de' diversa ordem, para dar unidade onde existe natural diversidade.
A instrução, muito embora se possa basear nos regulamentos em uso no Exército metropolitano, tem, contudo, de ser ministrada obedecendo a normas pedagógicas adequadas ao grau de conhecimentos, de civilização e índole dos instruendos.
A administração tem de respeitar, sem dúvida, as regras rígidas da contabilidade, mas tem de ser regulamentada e humanizada, não fazendo letra morta das necessidades e dos hábitos dos homens a quem tem de servir.
Vencimentos, alimentação, fardamento e aquartelamentos são problemas que não podem ter como padrão o que existe na metrópole, onde a» circunstâncias são diferentes e onde tudo isto se encontra desactualizado, excepto no que se refere a alguns aquartelamentos.
A economia das províncias ultramarinas também é factor importante a considerar na prática administrativa. Deve ser estudada cuidadosamente, não só com a preocupação de servir as necessidades de tempo de paz, mas também as da guerra na sua aplicação regional e no contributo que pode prestar à economia no plano nacional da defesa.
A disciplina tem de se inspirar em princípios morais e coercivos diferentes para poder ser entendida e respeitada.
As operações de recrutamento devem girar em volta de regras justas, para -incutir no ânimo dos recrutados que se trata do cumprimento de um honroso dever, e não duma violência da autoridade.
A missão dos quadros terá de ser mais absorvente e delicada que aquela que lhes cabe dentro do Exército metropolitano, para instruir e educar homens de diferentes raças, religiões e línguas e torná-los bons soldados e melhores, cidadãos.
Grande, nobre e difícil missão é esta.
Para bem a desempenhar, Sr. Presidente, não se pode contar apenas com o grau de conhecimentos profissionais dos homens que terão de enquadrar as massas.
E indispensável prepará-los para a missão educadora a desenvolver, porventura ti mais difícil e de maior projecção no futuro, e seleccionar aqueles a quem tenham de ser entregues funções superiores de comando ou de direcção, de modo a torná-los aptos para os cargos do chefia e em condições de poderem aplicar a doutrina às realidades do meio e das circunstâncias, explorando as reacções que tomarem o caminho do bem e contrariando as que enveredarem pêlos atalhos do mal, sempre 'com bom senso, espírito de justiça e oportunidade.
Como certo pode contar-se, desde já, com a dedicação e espírito de sacrifício revelados pêlos quadros das forças armadas em todas as circunstâncias em que a Pátria exige deles esforço e sacrifício.
Outro motivo de confiança reside nas qualidades natas e na predisposição especial dos homens da nossa roça para assimiladores de povos. É com sentido compreensivo que encaramos sempre as tradições, costumes e crenças estranhos e actuamos sobre eles com expressão paternal, não excluindo a coerciva quando aconselhável.
Para modificar e melhorar o conceito da vida dos povos que procuramos trazer ao nível da nossa civilização praticamos uma política de cooperação racial na intenção de fortificar a unidade nacional, transmitindo-lhes as nossas qualidades e até os nossos defeitos, para que em tudo sejam portugueses, cruzando mesmo o nosso sangue, no desejo instintivo de os aproximar, tanto quanto possível, da nossa própria cor.
Sr. Presidente, este projecto de proposta de lei obriga a determinadas regulamentações, que o hão-de guiar na sua execução, para que os meios a empregar, embora sejam impulsionados para os fins militares que se propõe atingir, possam criar um clima de feição colonizadora.
As instituições militares ultramarinas, agora em evolução, podem ser um meio capaz para fazer colonização em grande escala, continuando as tradições do nosso exército, que ao seu serviço tem posto sempre o melhor da sua dedicação e patriotismo.
A nossa expansão colonizadora tem sido, sem dúvida, obra da colaboração de todos os portugueses. Nela tomaram parte activa: reis, fidalgos, clérigos, soldados e povo, conduzidos por assinalados pensadores, governantes, heróis e mártires.
Mas - não é demais dizê-lo- na vanguarda da conquista, da ocupação e da acção colonizadora marcharam sempre as instituições militares, seguidas de perto pela Igreja, quando não era lado a lado.
Aos militares e aos missionários se devem os mais arriscados e gloriosos empreendimentos que se contam na história da nossa acção colonizadora no Mundo. Acção que tomou aspecto organizador e finalidade imperial com o infante D. Henrique, povoando a Madeira, com D. Afonso V, os Açores, com D. João II e D. Manuel, as ilhas do Atlântico Central, com D. João III, o Brasil, e com D. Sebastião, Angola e Moçambique. Estendeu-se depois ao Oriente e foi-se sempre consolidando e alargando, mesmo no período da usurpação, durante as crises de depressão nacional.
Veio até aos nossos dias numa afirmação insofismável da nossa vitalícia de criadora e realizadora. Estamos a mostrar, com o construir o presente, que somos um povo que não quer viver apenas embalado na exaltação do seu passado histórico, mas sim na plena consciência das suas responsabilidades de momento e do seu destino futuro.
Estamos a gerar nas nossas províncias ultramarinas, através de grandes obras de fomento, poderosas fontes de riqueza e de trabalho que serão novos certificados da nossa capacidade colonizadora.
Mas a par e passo com o erguer dos edifícios temos de cuidar do homem que o deve habitar, e tanto mais de cuidar quanto mais atrasado e diferente ele for nas suas origens e civilização. Neste alargar das instituições militares no vasto e complexo território ultramarino, sem dúvida verão elas os seus naturais em maior número.
Não é demais assinalar o grau de responsabilidade que os quadros assumem como garantes da sua boa execução em funções que transcendem o âmbito da preparação exclusivamente militar para atingir outros gloriosos objectivos que se encontram nos domínios do universal. A condução de homens atrasados, pouco mais que coisas, aos benefícios da civilização para os transformar em verdadeiros seres humanos, solicita, além das altas qualidades que têm de ter os condutores de homens, a evangélica visão e inspiração dos modeladores de almas.
E da boa formação das almas brota naturalmente o primado do espiritual que humaniza os homens e transforma por coacção moral os seus depressivos instintos egoístas em gestos de bem compreendida solidariedade.