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6 DE NOVEMBRO DE 1952 901

Entretanto, todos estes investigadores reconhecem que o cinema é a grande paixão da juventude.
Um ponto curioso é o que diz respeito ao seu reflexo sobre a disciplina familiar. Foi esta uma das verificações do inquérito da American Child Health Association, dos Estados Unidos da América: enfraquecimento da autoridade paterna, desenvolvimento da delinquência, exasperamento do sensualismo e, nas raparigas, alastramento da prostituição clandestina precoce.
O Prof. Théodor, da École des Hautes Études Sociales, de Paris, chama a atenção dos psicólogos para factos da mesma natureza, afirmando a existência de uma verdadeira «psicose de cinema».
De tudo se conclui quanto é forte a influência sobre a memória e a imaginação, o critério moral e a filosofia da vida na organização da personalidade, que se deve realizar desde a infância.
Outro aspecto do problema é o que diz respeito à cultura do espectador. Um dos campos mais explorados neste sentido é o da História. Porém quem vê uma fita histórica reconhece quanto ela é a cada momento falseada, umas vezes por mera conveniência da realização, outras com intenção de deprimir ou de elevar as personagens, segundo a paixão social ou política do autor. E tudo isto quase sempre misturado com uma incultura confrangedora. Pode dizer-se que a maior parte, a grande maioria destas fitas, não faz cultura, desfá-la.
Pelo que respeita a outros géneros de cultura, mesmo quando não falseada por interesse ou ignorância, o seu valor é tão insignificante quanto é potente o seu valor na desorganização moral.
Este aspecto da questão, que a priori se apresenta com grande poder de atracção, revela-se afinal de fraquíssimo valor. E que na verdade no cinema se agrava o que já por vezes constitui defeito na leccionação do professor. A velocidade mental do aluno não se ajusta à do professor. O bom mestre, porém, procura adaptar-se ao aluno, repetindo, voltando atrás, procurando tanto possível, conforme as reacções que observa, ajustar-se às diversas cronaxias mentais dos diferentes alunos.
Pois bem: o cinema não se ajusta a qualquer cronaxia, e por isso p próprio cinema educativo carece de valor pedagógico. Philippe Rotschild considera que tais fitas realizam ensinos esquemáticos superficiais, facultados em desordem a um público que não vem preparado senão para se divertir, e que tudo isto é contrário às possibilidades de assimilação.
Efectivamente a cultura do espírito .exige uma meditação atenta que a velocidade da sucessão cinemática não permite, de forma que tudo se baralha no cérebro sem deixar cultura, que é, na frase admirável de Bouget, «aquilo que fica no conhecimento quando nos esquecemos do que aprendemos». E a desconexão entre as cronaxias mentais e a velocidade do cinema é tão constante que Paul Valéry reconhece que só com um público devidamente preparado, e por isso restrito, seria possível realizar cultura.
O Dr. Cruz Neves expõe com magnífica clareza este problema. Transcrevemos:

«Suprimindo o esforço e acelerando demasiadamente o ritmo das imagens e das ideias, por sobre a retina e a consciência, as faculdades intelectuais do entendimento e do raciocínio não poderão nunca desenvolver-se e aperfeiçoar-se como seria mister. O homem pode, é certo, acelerar o ritmo exterior e mecânico da vida; o que não poderá nunca é modificar o ritmo fisiológico e psíquico do próprio cérebro, é libertar-se da lei do tempo, da sujeição, aquela cadência interior e cronáxica que comanda toda a sua actividade, desde a marcha ao pensamento, e que está inscrita de forma definitiva e irrevogável em cada célula do seu próprio corpo».
Sr. Presidente: sei que, em meio do coro geral de louvores que me tem sido dado ouvir por motivo da aplicação da lei1, algumas vezes, excepcionalmente, se levantam os protestos. O argumento é o de que é coarctado aos pais o direito de dispor dos filhos: «Pois se eu quero levar o meu filho, o que tem o Estado com isso?».
Ainda há pouco nas Semanas .Sociais, que acabam de findar em Braga, o Prof. Pacheco de Amorim, com o brilho da sua inteligência e da sua magnífica cultura, analisou este problema, pondo em foco a necessidade da intervenção do Estado, dado, a incapacidade de muitos pais. Sempre que tal se impõe, o Estado tem iniludivelmente o direito e o dever de se sobrepor à família, quando esta se manifesta inepta para educar as gerações que dia a dia vão sucedendo, e que hão-de trazer a Portugal a energia da sua força ou a debilidade moral do seu espírito. Ao Estado, que é por sua natureza uma elite, compete, e é sua principal função, girar e orientar superiormente o futuro da Nação através da influência exercida pelos seus organismos e pelo seu legítimo poder de corrigir a sociedade do presente para melhorar a sociedade do futuro. Ora o argumento da autoridade paternal que se manifesta contra este cerceamento do seu poder apenas serve para manifestar com inteira evidência a necessidade da presente legislação.
Em matéria de espectáculos desejo apontar um exemplo: um dos nossos empresários teatrais montou ao mesmo tempo em dois teatros duas peças de carácter inteiramente diferente.
Uma delas, obra de Shakespeare, foi montada com a maior dignidade, reproduzindo os últimos cenários com que a Inglaterra montou a peça nas comemorações shakespearianas. O guarda-roupa, magnífico, dá-nos uma nota do real esplendor da indumentária masculina e feminina da época. Tanto o desempenho como a montagem foram realizados com alto espírito de cultura e dignidade profissional.
O mesmo empresário montou noutro teatro, ao mesmo tempo, uma revista daquelas em que não existe sequer a menor altitude artística: apenas o interesse de servir às sociedades de cultura deficiente para as manifestações do espírito o gosto pêlos ditos dúbios, de sentido mais ou menos obsceno, que não se coíbem senão na linha sinuosa para além da qual se cai na alçada da polícia de costumes.
Pois bem! Há noites em que esta revista, funcionando, aliás, em casa de menor lotação, tem um rendimento de bilheteira quatro vezes superior. A esse espectáculo assistem famílias inteiras com meninos e meninas.
O que se aponta no teatro é agravado pela maior frequência do animatógrafo, cujos espectáculos são naturalmente de preços inferiores. E no cinema é constante a frequência de crianças até de colo.
Exemplos como estes é que levam os altos poderes do Estado à elaboração de diplomas legislativos tendentes a corrigir as deficiências educativas de alguns pais, como o fez o decreto-lei a que nos referimos, e pelo qual endereçamos os nossos agradecimentos a SS. Exas. o Presidente do Conselho e o Ministro da Presidência, a quem o assunto tem merecido tão particular e valioso interesse.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a organização geral, recrutamento e serviço militar das forças ultramarinas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.