900 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 160
primeiras letras. E, numa carta escrita a D. João de Castro, manda-lhe abrir escolas em todas as ilhas de Goa.
É na verdade estranho que, depois de andarmos a ensinar a ler os pretos do Congo, as gentes da Abissínia e os índios de Goa e de Cochim, das Molucas, da China e do Japão, fundando por todo o Oriente centenas de escolas e uma universidade florescentíssima, chegássemos a tanta escuridão nos séculos chamados das luzes!
Se bem que na verdade o analfabetismo tenha vindo a decrescer, devido a, tenacidade dos esforços realizados neste sentido pelo Estado Novo, é certo que nunca o problema foi, como neste diploma, enfrentado por forma tão ampla e decisiva. Nunca será demais louvar os Exmo. Ministros e (Subsecretário de Estado da Educação Nacional, que ao problema do ensino primário têm dedicado tão notavelmente a sua constante atenção.
O decreto da Presidência do Conselho sobre a frequência de menores aos espectáculos públicos resolve outro aspecto do problema, não menos importante: o da educação moral dos jovens portugueses e da remoção de condições prejudiciais ao trabalho intelectual dos jovens escolares.
Este decreto-lei tem, pois, um duplo alcance moral e mental, pondo as crianças, desde pequeninas, ao abrigo de um elemento notavelmente maléfico para a saúde da célula nervosa e protegendo o escolar preventivamente, desde a infância e puerícia, tanto sob o ponto de vista moral como efectivo e neurológico.
Efectivamente a psicologia experimental verificou a exactidão das conclusões a que todos os neurologistas e muitos psicólogos haviam chegado, em face das suas observações e da análise subjectiva do problema.
A Motion Picture Research Council promoveu o estudo experimental feito por médicos e psicólogos, tendo em vista principalmente a saúde física dos estudantes. A. comissão utilizou um aparelho eléctrico adrede inventado, o hipnógrafo, por meio do qual foram registadas as reacções nervosas e a duração do seu prolongamento durante o sono, após as sessões de animatógrafo. Verificaram o seguinte: que tais excitações eram mais violentas e prolongadas do que as causadas pela leitura ou narrativas (antes dos 11 anos as perturbações são causadas sobretudo por inquietação ou medo: desejo de dormir com luz, inspecção cuidadosa do quarto, do guarda-vestidos, debaixo das camas, pesadelos, agitações, sonos falados); que o erotismo se excitava principalmente a partir dos 11 anos, atingindo o máximo aos 16; que a impressão suscitada pelas tragédias ou fitas com situações perigosas começava mais cedo, atingindo a sua acuidade aos 12; que era um activador intenso de diversas psicoses.
Verificaram ainda a existência de grandes e prolongadas perturbações da tensão arterial.
Tudo isto se refere a transtornos de ordem psicológica. Porém, independentemente deste aspecto e logo desde a primeira infância, quando a criança ainda não tem o desenvolvimento mental necessário para seguir um entrecho de cinema, as moving pictures, quer dizer: a simples visão das cenas, a agitação do movimento, com suas alternativas de luminosidade, produzem, através da excitação do nervo óptico, uma série de excitações nocivas à célula nervosa.
O Dr. Cruz Neves, no seu trabalho sobre cinema e cultura, chama a atenção para o facto de vários psiquiatras admitirem a existência de uma nova psicose com carácter nosológico, denominada «psicose do cinematógrafo v, caracterizada por um síndroma mental em que predominam numerosas perturbações psicossensoriais, ideias delirantes, sobretudo eróticas e fantasistas, estados de ansiedade, agitação psicomotora mais ou menos violenta, tendência para a fuga e estados catatónicos ou convulsivos (Strasbourg Médicai, XC ano, Novembro de 1930).
As próprias fitas infantis não são de aconselhar na maior parte das vezes. Na exibição da lindíssima fita «Branca de Neve» vi sempre os adultos encantados e as crianças atemorizadas, mesmo crianças de 6 e 7 anos, algumas das quais choravam ou estremeciam com o aparecimento da bruxa. E parecem-me desaconselháveis, sobretudo, as de bonecos animados, cujo desconcertante entrecho os próprios adultos são muitas vezes incapazes de acompanhar.
Bonecos caricaturais pretendem representar animais por vezes irreconhecíveis. Todas as cenas são fragmentárias e desarticuladas. As explosões, as quedas e os embates sucedem-se, independentemente de qualquer nexo. O assistente ri do pitoresco de certos quadros, sem já pensar na sequência lógica da acção. E habituar a criança a desarticular o pensamento lógico é, necessariamente, concorrer para a superficialidade e desconexão da inteligência.
Estas fitas são para pôr à prova a capacidade de desintegração intelectual dos adultos e para dizer à criança que não existe ligação entre causa e efeito e que o destrambelhamento é uma coisa que os grandes acham perfeitamente natural.
Por outro lado, as cenas de carácter erótico, embora incompreendidas no momento, decantam-se sub-repticiamente no inconsciente, e ali ficam a levedar, mais ou menos demoradamente, até surgirem, mais ou menos confusamente, acordadas por impressões supervenientes, dando à criança uma precocidade libidinosa, de tão funestas consequências morais e mentais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O problema, Sr. Presidente, tem interessado vários médicos escolares, tendo sido realizados importantes inquéritos, sobretudo por dois médicos escolares da minha área, os Srs. Drs. Armindo Crespo e Cruz Neves, em Viseu, e outro, em Lisboa, pelo Sr. Dr. José de Paiva Boléu.
Segundo tiveram ocasião de observar, as perturbações oculares, mais ou menos passageiras, mas podendo influir no trabalho de estudo, vão de 34 a 30 por cento; as cefaleias, com o mesmo rebate escolar, 10 a 12 por cento; torpor, diminuição da memória, com nervosismo e impossibilidade total de assimilação intelectual, 5 por cento; impressões vivas e insistentes, 77 por cento. No inquérito de Viseu 51,6 por cento dos próprios rapazes reconhecem a influência nefasta que a cinema sobre eles exerce. Em Lisboa queixaram-se de perturbações (físicas (olhos, cefaleias, etc.), e do sistema nervoso 52,5 por cento dos alunos. Como VV. Exmo. vêem, as percentagens são praticamente iguais. Tem aluno do Sr. Dr. Paiva Boléu escreve, em resposta ao inquérito: e As fitas amorosas deviam ser proibidas antes dos 14 anos, porque nos incitam a vícios originados pelo amor». Em Viseu um rapaz de 19 anos de idade escreve: «Infelizmente, o cinema, que devia ser um poderoso auxiliar para o progresso, é-o apenas para o retrocesso, isto é, um meio de perverter a moral das raparigas dos nossos dias».
Não se julgue, porém, que estes exemplos constituem excepções. Muito pelo contrário: em ambos os inquéritos se contam numerosas apreciações neste sentido feitas por rapazes desde os 12 anos de idade.
Quanto ao reflexo da vida escolar, Paiva Boléu averiguou que o maior número de reprovações do liceu se verifica entre os que frequentam o cinema com maior frequência. Também em França a notável pedagogista M.elle Rabut afirma: uma criança que vai todas as semanas ao cinema não pode trabalhar.