14 DE NOVEMBRO DE 1952 1005
Julgo da maior conveniência e maior urgência que seja posto termo a tal situação.
Em que consiste o problema?
O domínio público marítimo, que é um bem da Nação e constitui servidão pública, é inalienável e imprescritível e é administrado pelo Estado.
Acha-se estabelecido que no estuário da ria de Aveiro o domínio público marítimo compreende, além das águas e seus leitos, as faixas marginais com a largura de 50 m a contar do ponto onde alcança o colo da máxima preia-mar de águas vivas; mas está reconhecida, como facto incontroverso, a existência de propriedades particulares em zonas dessa área.
Esta propriedade particular na ria de Aveiro é um facto histórico e juridicamente incontestável; mas para a compreensão da posse legítima do terreno é preciso que o proprietário faça prova de que está na sua posse pacífica e contínua, garantida por instrumento legal, desde Março de 1868, data em que começou a vigorar o Código Civil.
O douto parecer da Comissão do Domínio Público Marítimo n.º 810, de 2 de Julho de 1943, homologado por despacho ministerial de a do mesmo mês, preceitua: «quando se trate de obras a executar em terrenos particulares marginais, sujeitos à jurisdição marítima, ou de terrenos particulares confinantes com o domínio público marítimo, deve fazer parte do processo requerendo a obra documento ou documentos que provem a posse legítima anteriormente ao ano de 1864, não constituindo documento bastante a certidão que prove apenas o registo da propriedade na conservatória do registo predial, a qual unicamente constitui presunção de propriedade».
Do mesmo modo, quando, para obter qualquer licença, haja que comprovar a posse particular na área do domínio público marítimo, é preciso apresentar comprovação por aquela forma.
É evidente que é impossível em muitos casos o proprietário obter documento de posse referido a data tão remota. Nenhuma dúvida pode haver em admitir que muitas das transferências de propriedade em tal data teriam sido feitas por meio de simples títulos de venda, ou outros documentos avulsos, e que uns se terão perdido, outros se terão aniquilado pelo decorrer do tempo.
Isto dificulta ao máximo em muitos casos, e inutiliza em muitos outros, a possibilidade de os particulares poderem comprovar a posse legítima pela forma como é exigida, e então torna-se impossível o particular obter licença para quaisquer obras e até, segundo sou informado, para cortar moliço à gadanha nas praias particulares e viveiros.
Julgo que não se poderá deixar de reconhecer que este assunto é da maior gravidade, tanto mais que afecta no vasto estuário da ria de Aveiro muitas centenas, senão milhares, de pequenos proprietários, uma grande parte de fraca resistência económica, que não têm possibilidades, por motivos óbvios, de fazer em arquivos buscas difíceis que lhes permitisse, porventura, obter a documentação necessária para comprovar a posse legítima de propriedade que, no entanto, porém, lhe é reconhecida, em muitíssimos casos, para cobrança da respectiva contribuição predial.
Este problema da propriedade particular da ria de Aveiro tem merecido, através do tempo, cuidadosa atenção de muitas entidades para procurar-lhe solução.
Assim, e só como exemplo:
O Congresso Regional das Beiras, realizado em Aveiro em 1928, apreciou uma tese apresentada pelo ex-Deputado e ilustre advogado Dr. Querubim Guimarães sobre «o regime da propriedade privada na ria de Aveiro» e, por unanimidade, aprovou a conclusão de que é indispensável promover, em globo, a delimitação,
ali, do domínio público e privado, e o douto parecer da Comissão do Domínio Público Marítimo n.º 936, de 10 de Dezembro do 1944, homologado por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Marinha em 22 de Dezembro de 1944 e por S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas em 7 de Fevereiro de 1945, terminava «recomendando a necessidade, aliás reconhecida de longa data, de fazer com urgência a delimitação de todo o domínio público, comum e privado, que concorrem na ria de Aveiro» e opinando «que, para tanto, fosse nomeada uma comissão em que entrassem representantes dos três domínios, presididos por um juiz, que teria poderes para funcionar como tribunal de l.ª instância, com apelação única para os tribunais superiores, como já em tempos fora proposto pela Capitania do Porto de Aveiro».
No entanto, naturalmente por dificuldades que não me repugna admitir plenamente justificadas, o problema continua sem resolução definitiva e as dificuldades dos proprietários particulares sem equitativo alívio.
Afigura-se-me de boa equidade que, enquanto não se fizer aquela delimitação, que aliás se torna urgente, dadas as circunstâncias expostas, sejam tomadas, desde já, disposições benévolas pelas quais não seja imperativa para comprovação de posse legítima da propriedade particular na área do domínio público marítimo apresentação de documento que prove essa posse anteriormente ao ano de 1864.
O estudo objectivo das possibilidades da maior parte dos proprietários leva-me a supor que, nu maioria dos casos, não é razoavelmente exigível, para comprovação da legitimidade da posse, documento de data anterior à de cinquenta anos.
Tenho confiança em que ao assunto, será dada, por quem de direito, a solução urgente mais adequada, pois ela interessa a centenas de proprietários ribeirinhos, que, pela ocupação agrícola de terrenos marginais, criaram riqueza, tornando-se obreiros de uma das principais riquezas da região.
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: sei muito bem que vou meter-me num vespeiro. Mas quando as intenções são claras e construtivas, não há vespas que nos façam recuar.
Além disso parece-me, Sr. Presidente, que é precisamente nos vespeiros que os representantes da Nação tem de intervir, sob pena de não se tomar a sério o seu mandato.
Foi publicado em O Século há poucos dias um artigo de fundo, assinado pelo escritor Aquilino Ribeiro, que, por se prestar a especulações políticas, não pode ser votado à indiferença. Nesse artigo, intitulado «Iconoclastias contraproducentes», são citados, de memória, alguns conceitos atribuídos ao bispo Alves Martins, inscritos há mais de quarenta anos no plinto da sua estátua em Viseu. Um desses conceitos, que, segundo consta ao jornalista, se pretende agora eliminar do mármore, aparece transcrito nestes termos: «Na minha diocese gosto de ver padres que amem a Deus na pessoa do próximo, e não padres que vivam de explorar o próximo em nome de Deus».
Insurge-se o Sr. Aquilino Ribeiro contra a injustificável prepotência dos iconoclastas e, no seu estilo incisivo e vigoroso, forja uma diatribe inflamada, conseguindo emocionar as turbas com o seu sursum corda. Eu próprio, confesso, também me deixei impressionar e, como defensor da Situação e da Igreja - porque me prezo de o ser, sem precisar do abono de ninguém -,