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1006 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 164

repugnava-me acreditar que alguém pensasse em picar na pedra essas palavras magníficas com que o bispo nobremente traduzira as aspirações e o sentir de uma geração ansiosa de liberdade e de justiça, Repugnava-me acreditar, repito, nessa intolerância crassa, cujas reflexas políticas iriam atingir precisamente no seu prestígio e no seu aprumo aquelas instituições que pretendemos dignificar. E então procurei informar-me por todos os meios ao meu alcance e consegui, ao fim de várias diligências, recolher dados precisos, que me habilitam a pronunciar-me.
Procedi desta forma mais por conveniência política do que por devaneio oratório. Preocupou-me, sobretudo, ver que a emoção alastrava, irradiando de O Século, tribuna insuspeitíssima, baluarte da Situação no 7 de Fevereiro, para a imprensa nortenha, onde o Jornal de Notícias, do Porto, órgão independente e apolítico, portanto com todas as condições de imparcialidade, se fez eco da mesma objurgatória.
Entretanto, o Jornal da Beira, semanário católico, que há muito preconizava a ablação daqueles dísticos, rompe fogo num contra-ataque imprevisto, com uma decisão, com uma valentia que surpreende e desconcerta em homens investidos e treinados na mais alta de todas as virtudes - a humildade. Como se vê, o debate ia tomando calor e ressonância.

O Sr. Santos Carreto: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu desejava que V. Ex.ª tivesse a bondade de concretizar as pretensões que aos católicos de Viseu são atribuídas no que respeita ao monumento naquela cidade erigido, muito justamente, ao grande bispo Alves Martins.
O que posso assegurar a V. Ex.ª é que os católicos de Viseu, como os de todo o País, só pretendem e reclamam que do pedestal do monumento sejam riscadas afirmações que o grande bispo jamais pronunciara. E, portanto, um acto de justiça e de fidelidade à verdade histórica o que se pede.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ouvi com prazer a observação de V. Ex.ª, que será esclarecida no decorrer do meu discurso.
Creio, contudo, que o clero de Viseu se limita a pedir, a solicitar das instâncias competentes a satisfação das sua aspirações, procurando apenas fundamentar as suas razões - e algumas tem, com efeito -, sobretudo de ordem específica. O poder espiritual não executa, não manda executar; não tem - suponho eu - a capacidade e o direito de executar ou mandar executar; e é essa a sua maior força, porque é a força moral. Saltar por cima disto é descair na contumácia e na prepotência, que desfiguram todo o sacerdócio, cuja missão na terra não pode deixar de ser humana e compreensiva.
E convém não esquecer que é com essa força precisamente que a Igreja se constitui o mais sólido, o mais poderoso reduto anticomunista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Conta-se - e vem a propósito - que Estaline, ao ouvir do embaixador americano qualquer afirmação deste género, perguntou secamente: «Quantas divisões tem o Papa?» Mais tarde, no Vaticano, o mesmo diplomata reproduziu a frase, citando a sua origem; e então Pio XII, com a sua bonomia evangélica, respondeu-lhe: «Podia ter dito ao meu filho Estaline que encontrará as minhas divisões na Eternidade».
No que respeita aos órgãos eomjpeten.tes do Executivo, devo dizer que o melhor informador que encontrei foi o meu antigo condiscípulo engenheiro Tristão Ferreira de Almeida, presidente da Câmara Municipal de Viseu, que, além de me fornecer as provas necessárias, é uma pessoa que considero insuspeita. Ora a Câmara Municipal de Viseu garante, pela boca do seu mais alto magistrado, que «não teve qualquer interferência no caso, absolutamente nenhuma; não ordenou portanto, nem sequer pensou, que fossem picadas as inscrições em causa». Transcrevo fielmente a garantia, que também me foi dada por escrito.
Parece-me, no entanto, evidente que um caso desta transcendência supera, de facto, como diz o articulista, «as atribuições do Senado Municipal», não podendo assim ser resolvido sem determinação governamental.
O que não há dúvida alguma é que o Sr. Aquilino Ribeiro conseguiu apaixonar a opinião, o que plenamente se justifica, dada a forma que ele emprestou ao conceito do bispo. Infelizmente não é isso que está gravado no plinto da estátua; e digo infelizmente porque perco assim uma excelente oportunidade de o apoiar e aplaudir. Ora vejamos: na versão do Sr. Aquilino Ribeiro o conceito é este: «Na minha diocese gosto de ver padres que amem a Deus na pessoa do próximo, e não padres que vivam de explorar o próximo em nome de Deus». Perfeito! E não há espírito bem formado que o não reconheça. Mas houve, de certo, um lapso de memória; a amnésia é uma epidemia que anda muito em voga; o pior é que lavra por toda a parte e já tem causado muitas vítimas.
Infelizmente, repito, o que gravaram na pedra é muito diferente; é isto: «Na minha diocese não quero jesuítas que vivam de explorar o próximo em nome de Deus».
E assim se atinge em cheio, com o mesmo ultraje colectivo, uma agremiação em cujo escol fulguram preclaros nomes de heróis e santos!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Poderá provar-se que esta frase é apócrifa? Nesse caso tudo leva a supor que se trata de uma fraude insidiosa do sectarismo coetâneo, e então que se apague imediatamente, como se arranca da esquina de uma rua o nome de um assassino ou de um traidor. E não é a primeira vez que isso acontece. Os erros e as injustiças da História podem arquivar-se nos códices, mas não se estadeiam nas praças públicas.
Se a frase porém não é apócrifa, que se corrija ou se esclareça a forma, sem lhe falsear a intenção, que num prelado do seu quilate não é de crer ultrajante.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A título de confronto entre duas correntes sectárias, afirma mais adiante o Sr. Aquilino Ribeiro: «Aqui na Beira, em Sernancelhe, há cerca de uma meia dúzia de anos, o presidente da Câmara mandou insculpir em todo o edifício público do concelho, quer religioso, quer civil, igreja, capela, escola, ponte, chafariz, esta legenda: «Viva Cristo-Rei». Que se saiba, não houve republicano agnóstico, livre-pensador, judeu, anabaptista, que lhe fosse à mão». E porque haviam de ir? - pergunto eu, que sou republicano e livre-pensador como o Sr. Aquilino Ribeiro, embora o seja de maneira diferente. Sim, porque lhe havíamos de ir à mão, se a realeza de Cristo nào contende com o nosso republicanismo?
Não se perdeu ainda o vício de citar a cada passo a intolerância religiosa. E contudo não a vejo, não a sinto. Ora eu não sou positivamente um familiar da Igreja; há mesmo quem me considere um incrédulo, o que não me preocupa absolutamente nada. Apesar disso nunca os padres me fizeram mal, não me tolheram a li-