21 DE NOVEMBRO DE 1902 1151
18. Outro problema que se afigura dever merecer menção especial é o da beneficiação dos campos do Mondego.
Já em pareceres anteriores -entre eles os relativos ao Plano de Estudos e Obras de Hidráulica Agrícola (1938) e ao projecto de lei da electrificação nacional (1944)- a Câmara Corporativa se referiu à importância deste empreendimento.
Do ponto de vista hidroagrícola, que não é o único aspecto notável da obra, torna-se cada vez mais premente a necessidade de dar remédio eficaz à situação actual, sucessivamente agravada, de uma extensa área de terrenos marginais a jusante de Coimbra, tornados improdutivos pela invasão indisciplinada das águas do rio, e impedir o progresso alarmante deste processo de esterilização de terrenos de grande fertilidade.
O projecto inicial, previsto no Plano de Estudos e Obras de Hidráulica. Agrícola, de 1938, foi orientado pelo propósito da pluralidade dos objectivos das obras a realizar, compreendendo essencialmente a protecção das encostas contra a erosão pelo povoamento florestal e a regularização dos caudais do rio pela construção de quatro grandes albufeiras nas cabeceiras dos principais afluentes, com aproveitamento sucessivo das águas armazenadas para a produção de energia eléctrica e para a rega.
Beneficiavam-se pelas obras de rega e de enxugo 18 000 ha de terrenos no vale do Mondego e produziam--se cerca de 130 x 10 6 kWh de energia eléctrica, temporária e permanente.
Posteriormente (1940) o projecto foi ampliado consideràvelmente, passando a incluía- a beneficiação dos campos de Cantanhede ao Vouga, além dos campos do Mondego, num total de 50 000 ha, e a produção de cerca de 290 x 10 6 kWh de energia hidroeléctrica.
A envergadura deste empreendimento, de longe o mais importante no duplo aspecto de área beneficiada e de energia produzida, pode medir-se por estes números s ainda pelo seu custo, orçamentado em 700:000 contos em 1940. Esta será, provavelmente, a razão mais importante do adiamento da sua execução, que não logrou ainda ser considerada no Plano de Fomento.
Todavia, o problema da beneficiação das margens do troço inferior do Mondego persiste em toda a sua importância; melhor dizendo, torna-se cada vez mais premente e de mais dispendiosa resolução.
Desde que se entenda, como parece de admitir, que não deverá diminuir-se a envergadura do programa de conjunto para que possam ser colhidos os benefícios inerentes à multiplicidade dos seus fins, a solução estará talvez na sua decomposição em fases sucessivas, dando-se natural primazia às obras que mais directamente interessem ao problema fundamental. Em qualquer caso pensa, a secção que é conveniente encarar a questão logo que possível.
19. Parece à secção oportuno fazer ainda uma referência à importância económica e social da valorização agrícola da vasta região do Algarve. A questão não está de forma alguma descurada e basta para o confirmar a inclusão no plano de estudo e obras de 1938 de três obras distintas de interesse directo para esta região, tendo por objectivo a beneficiação da campina de Silves, Portimão e Lagoa, da campina de Faro e dos campos de Tavira e Vila Real de Santo António. Destes empreendimentos tem o primeiro a sua realização assegurada pelo Plano de Fomento, estando já em franco curso as respectivas obras.
Quanto às restantes, estão ainda por elaborar os respectivos projectos de execução, de que são já conhecidos através do plano de 1938 as suas características essenciais e o seu alcance prático.
É fora de dúvida que estas realizações correspondem a um avanço sensível no caminho da resolução do problema, que, todavia, merece ser considerado em maior escala, assegurando-se-lhe ao mesmo tempo lugar entre os mais importantes a resolver no prosseguimento da obra nacional de fomento hidroagrícola.
O povoamento florestal das áreas montanhosas do Norte do Algarve, com o fim de obstar ao progresso de uniu erosão muito activa, constituirá uma medida de grande importância no plano de conjunto de recuperação e valorização pela hidráulica agrícola de áreas muito extensas de terrenos eminentemente próprios para a agricultura e cuja fertilidade natural está comprometida pelos assoreamentos.
Uma parte importante das áreas a beneficiar é constituída pelos característicos sapais que se estendem por todo o litoral algarvio, perfazendo cerca de 8 000 ha de terrenos hoje livremente invadidos pelas marés.
Só os sapais de Faro, Olhão e Tavira atingem uma área de cerca de 5 000 ha. A eles se refere especialmente uma circunstanciada exposição dirigida à Câmara Corporativa pelo Governo Civil de Faro e que foi objecto de atento exame na preparação deste parecer. O que nesta exposição se diz em demonstração da importância e premência da beneficiação daqueles terrenos equivale a uma recomendação insistente no sentido da resolução de um problema que na realidade à secção se afigura caber entre os mais dignos de consideração no quadro dos interesses económicos e sociais do País.
20. No plano destas considerações sumárias sobre futuros empreendimentos hidroagrícolas de nítido interesse poderia ainda fazer-se referência a outras obras que, embora de menor vulto, oferecem manifesto interesse.
Entre estas obras está, por exemplo, a irrigação da Cova da Beira, zona de cerca de 7 000 ha de terrenos férteis de aluvião, já hoje em regime de regadio, embora nas condições precárias resultantes da sujeição ao regime de chuvas. Este empreendimento não figurou explicitamente no programa de 1938. Mas já nessa época estava claramente reconhecido o seu interesse e decidido o seu estudo, como foi registado no parecer da Câmara Corporativa sobre aquele programa.
Associava-se o problema, com o da irrigação do Ribatejo, utilizando as águas armazenadas na barragem de Valhelhas. A evolução do assunto nos quinze anos decorridos desde a sua primeira consideração poderá exigir uma revisão das soluções encaradas, porventura no sentido da sua inserção num plano mais vasto de aproveitamento para fins de rega e de energia das águas do Alto Zêzere e Alto Mondego.
Em qualquer caso haverá que reconhecer que o longo período decorrido não diminuiu o interesse do assunto.
Outro exemplo de aplicação aparentemente prometedora das actividades de fomento hidroagrícola está na beneficiação pela rega de unia extensa área litoral muito povoada, de cerca de 5 000 ha, que se estende pêlos concelhos de Póvoa de Varzim, Esposende e Barcelos, hoje explorada em difíceis condições, que podem, servir de exemplificação do entranhado amor à terra da gente portuguesa e da sua perseverança e engenho na defesa das terras contra os desfavores da natureza.
Sobre o assunto foi presente à Câmara Corporativa uma representação do Grémio da Lavoura da Póvoa de Varzim, na qual são invocados argumentos muito compreensíveis e que não podem deixar de ser acolhidos com profunda atenção, para demonstrar a premência do problema.