3 DE DEZEMBRO DE 1952 101
a sua situação geográfica, a sua pequena população e os sentimentos desta farão com que o arquipélago sempre faça parte da aglomerado nacional.
Esta seria uma ocasião única e excepcional para que nela se exercesse uma acção intensa, duradoura e inteligente que a pusesse a coberto de novas hecatombes. A ser, porém, aprovada a proposta tal qual lhe diz respeito, o seu martírio não terá fim. Entendo, pois, que se lhe deve atribuir uma dotação muito maior para o desenvolvimento do regadio, para a resolução do problema do porto de S. Vicente de uma forma muito mais ampla, para fomentar o desenvolvimento industrial, e diminuindo ao mesmo tempo os seus encargos com tal empréstimo, tal qual se fez para Timor.
A ideia mestra do plano é a do povoamento e fixação da mão-de-obra. Também a julgamos acertada. S. Tomé ainda há cinquenta anos tinha, através da sua exportação de 40 000 t de cacau, uma influência enorme na balança comercial da metrópole, contribuindo de uma forma muito importante para diminuir o desequilíbrio desta. E tal resultado conseguia-o ela mercê de uma intensiva exploração agrícola, levada a efeito por poderosas empresas capitalistas que ainda hoje dominam a vida económica da província. Mas, como os 25 000 habitantes das ilhas não podiam fornecer os 30 000 trabalhadores necessários as roças, recorria-se normalmente a Angola e Moçambique, que ali tinham permanentemente aquele número.
O problema fundamental da província era então, como ainda o é hoje, apesar da queda da produção, o angariamento de trabalhadores, e a situação chegou ùltimamente a ter um aspecto delicado, pois os governos daquelas duas províncias punham-lhe toda a espécie de dificuldades, devido à inviabilidade do recrutamento voluntário e às suas necessidades de mão-de-obra.
Era preciso, por motivos de ordem vária, acabar com a ideia de que quem ia para S. Tomé não voltava às suas terras, o que dificultava o recrutamento, e por isso, em três anos, se repatriaram 20 000, isto é, todos aqueles que tinham terminado os seus contratos. A luta a travar para conseguir a sua substituição foi dura, mas conseguiu-se organizar o regime de recrutamentos e repatriações em termos que permitem afirmar-se, com segurança, que hoje em dia ninguém está em S. Tomé depois de expirado o prazo do contrato.
Mas este era um dos aspectos da candente questão da mão-de-obra, e mão o principal, pois, enquanto S. Tomé estivesse dependente das entradas de trabalhadores estranhos, a situação não se resolvia de uma forma definitiva.
Havia que caminhar no sentido de a província se bastar a si própria, e por isso a solução era a fixação, a título definitivo, mas voluntário, do número de trabalhadores importados temporàriamente que bastassem às necessidades de S. Tomé. Mas isso só se resolveria, se se resolvesse, modificando estruturalmente tudo quanto até então regulava o regime de vida dos serviçais.
Estes odiavam a vida de S. Tomé, não porque tivessem uma alimentação pior que nas suas terras, porque as suas cubatas fossem menos confortáveis, que a indumentária deixasse a desejar, que a assistência clínica fosse deficiente, etc. Não; pois nesse capítulo tudo era melhor, mas o facto de deixarem lá longe mulheres, filhos e todos os parentes, de passarem a viver num regime de caserna, chamemos-lhe assim, com a sua vida regulada nos mínimos pormenores, de acabarem enfim de perder a esperança de voltarem a ver os seus e a sua terra, tudo isso explicava o ódio atrás mencionado. E assim se criou uma atmosfera a respeito de S. Tomé que era explorada contra nós até na imprensa estrangeira.
Na intenção de remover as causas atrás mencionadas publicou-se o decreto a que alude o parecer da Câmara Corporativa, no qual se encarava a fórmula, não do recrutamento individual que era o corrente, mas sim de famílias e até de povoações inteiras das regiões insalubres de Cabo Verde, de Angola e de Moçambique, a sua instalação em aldeias junto das propriedades, de modo a poderem os trabalhadores regressar diàriamente, terminadas as suas tarefas, ao seio da família, a instituição de um regime de trabalho livre, no género do seguido nas nossas explorações agrícolas daqui, a criação, mesmo, de explorações de conta própria, para os trabalhadores mais hábeis.
Dois aldeamentos foram construídos pelo Governo, uns dez pelos roceiros mais compreensivos, e pretende-se agora, neste projecto, dar uma grande amplitude àquilo que se iniciou com grandes cautelas e cuidados.
Só tenho de louvar tal orientação, e ouso afirmar que tudo quanto se tem feito ou venha a fazer em trabalhos públicos de outra natureza não terá na vida económica da província a projecção daqueles que visem a resolver o momentoso problema da fixação da mão-de-obra.
Este é o problema número um de S. Tomé, e a uma enorme distância de todos os outros, e, por isso, louvores são devidos agora ao Ministério em o ter encarado de frente e com uma grande largueza de vistas.
Parto do pressuposto, bem entendido, de que os trabalhos em projecto visam principalmente, e desde já, a resolver o caso da mão-de-obra dos plantadores, pois esta é a questão mais urgente e importante, e que a instalação de trabalhadores de conta própria em zonas afastadas das roças ficará para uma segunda parte. É que pretender explorar incultos mediante a instalação, sempre cara, de núcleos populacionais, demais a mais desconhecedores das culturas de S. Tomé, sem ter acudido às necessidades prementes de plantações em pleno desenvolvimento e com os seus serviços montados, não me parece razoável.
Eu preferia que o maior número de aldeamentos fosse feito directamente pelos roceiros, como preceitua o decreto, mas não deixo de concordar que a fórmula deste projecto é talvez a mais eficaz para combater resistências passivas que sempre surgem contra ousadas inovações como é esta.
Todos os outros trabalhos, e em especial os do porto, são de perfilhar, e se não fosse a necessidade imperiosa mencionada ao tratar de Cabo Verde de sacrificar as dotações destinadas às províncias em situações mais desafogadas como esta, Angola e Moçambique, em favor daquela desgraçada sua irmã, eu não ousaria lembrar a supressão da dotação de 80:000 contos consignados à estrada de cintura, e que não reputo de uma urgência tão flagrante como os trabalhos que se mencionaram para Cabo Verde.
De resto, é preciso entrar em linha de conta com os encargos futuros a criar para uma província que amanhã se poderá encontrar numa difícil situação financeira no género da de 1931, em que o Governo se viu obrigado a adoptar medidas tão draconianas que não sei se agora se poderiam repetir, sem nos trazerem complicações de ordem externa.
Guiné. - Nesta província considera-se o problema das comunicações marítimas e fluviais o fundamental.
Dou-lhe igualmente o meu acordo. Ela é o grande fornecedor de oleaginosas da metrópole; e, enquanto que a todas as outras províncias de África têm sido fixados contingentes que lhes permitem dispor de uma parte importante da sua produção para colocar no estrangeiro a preços que nos últimos anos eram muito superiores aos que a metrópole paga, a ela tem-se imposto a canalização quase integral da mesma para aqui,