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96 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 171

indirecta, isto é, da feita pelo Estado, como a proposta pretende fazer, ou da que é deixada ao livre jogo dos interesses particulares, como se tem feito nos últimos anos. Limitar-me-ei a fornecer-lhes uns tópicos de natureza histórica respeitantes a uns e outros, para concluir pela superioridade dos processos que caracterizaram a nossa actuação durante séculos. A história é uma grande mestra.
Comecemos, pelos processos directos.
Sá da Bandeira, Pinheiro Chagas, Júlio de Vilhena, Rebelo da Silva e Eduardo Vilaça, homens do liberalismo monárquico, e Azevedo Gomes, Freitas Ribeiro, José Barbosa e Norton de Matos, seus confrades do republicanismo, legislaram abundantemente sobre o magno problema e encararam-no sob as formas mais diversas, excepto sob a da tradição histórica.
Colonização de camponeses, a quem se promete pagar passagens, dar terras, habitação, sementes, alfaias agrícolas e sustento durante um ano; colonização de soldados europeus, que, depois de cumprido o seu tempo de serviço na colónia, gozam de idênticas regalias, eles e as suas famílias transportados pelo Estado; colonização penal, visando à selecção dos degredados, de modo a diminuir-lhes gradualmente as penas e a operar a transformação do trabalhador forçado em colono livre; colonização realizada, embora a título subsidiário, por grandes companhias coloniais, que, em troca de regalias e poderes mais ou menos majestáticos, se comprometiam também à fixação de europeus; todas essas fórmulas tão diversas e variadas, mas impregnadas sempre de um acentuado espírito estatista, foram previstas e regulamentadas por aqueles políticos.
Em sequência de tal actividade legislativa, numerosos foram os núcleos recrutados entre emigrantes transportados do Brasil para Moçâmedes, de soldados e civis para a Huíla, de degredados para Malanje, Caconda, Pungo Andungo, de poveiros para o litoral angolano, etc. Pois bem. Apesar dos milhares de unidades para ali transferidas, das enormes somas que tudo isso custou, em 1900 o número de brancos existentes em Angola era, segundo as estatísticas, de 9 000. Descontem-lhes VV. Ex.ªs os funcionários públicos e chegarão à conclusão de que tal número pouco representava em face do esforço despendido. Daí em diante, excepto no período de Norton de Matos, o Estado abstém-se de repetir os engajamentos e embarques do costume; deixa a emigração entregue a si própria e deriva o seu interesse, principalmente, para a realização de uma obra de ocupação militar, administrativa e de fomento. Ele acaba com a semi-rebelião em que viviam numerosos núcleos indígenas, mediante a actuação de forças militares importantes; completa e firma esse trabalho com a instalação de variadíssimos postos civis administrativos; rasga a massa compacta do continente angolano com numerosas estradas, que, em conjunção com os caminhos de ferro e portos melhorados, insuflam vida nesse organismo paralisado pela falta de meios de comunicação; abre a colónia às mais diversas actividades, provocando a constituição de novas e potentes empresas, como a dos diamantes, petróleos, etc.; facilita a actuação das já existentes, o que, aliado aos incentivos dados às culturas indígenas, acarreta um acréscimo de produção agrícola, que se repercute na intensificação das operações comerciais; e, finalmente, inicia a fase de industrialização, destinada a criar condições de resistência ao organismo económico angolano.
Toda esta actividade, porém, obrigou ao recrutamento de novos funcionários para os serviços recém-criados; de novos empregados para as empresas montadas, ou que tiveram de desenvolver os seus negócios, merecendo uma especial referência o caminho de ferro de Benguela; ela criou, enfim, aquilo a que os especialistas designam pelo nome de meio, que é o ambiente propício ao fluxo migratório livre.
Qual terá sido a repercussão que estas medidas tiveram no povoamento?
Nada menos que o aumento do número de europeus de 9 000 para 58 000. Este último número, apesar de oficial, deve ser superior ao real e corrigido possìvelmente para 45000.
Entrem, muito embora, VV. Ex.ªs em linha de couta com os elementos de correcção a que já se aludiu e verão que o incremento foi enorme, apesar da abstenção do Estado neste capítulo.
A conclusão a tirar destes números - 9 000 e 45 000 - é que o povoamento se conseguiu de uma maneira incomparàvelmente mais eficaz quando se substituiu o processo artificial do recrutamento e instalação dos colonos à custa do Estado pelo da criação do um ambiente susceptível de atrair gente.
Os partidários dos métodos directos pretendem filiar os fracassos citados em causas que são do conhecimento daqueles que, dentre VV. Ex.ªs têm tratado mais detalhadamente estes problemas de povoamento: a má qualidade dos colonos, recrutados muitas vezes em meios que não eram agrícolas; a deficiência de estudos sobre a instalação, feita muitas vezes em terrenos de mau clima ou de pouca fertilidade; o abandono a que foram votados, após o primeiro ano do seu estabelecimento; a falta de meios de transporte; a ausência de continuidade nos trabalhos, etc.
É certo que todas estas circunstâncias tiveram a sua influência no resultado apontado, mas a maioria delas era inerente à própria essência das concepções adoptadas, e, por conseguinte, tinham de se produzir fatalmente.
De resto, o resultado da colonização livre atrás citado não era mais do que a Confirmação do que só alcançara em tantos séculos da nossa actividade colonizadora. O infante D. Henrique e a Coroa mais tarde, em lugar de procederem de conta própria ao povoamento e exploração das ilhas que iam descobrindo, entregavam isso aos descobridores ou a servidores que queriam favorecer.
Não esperassem, porém, eles do Governo nem subsídios, nem ajudas, mas contassem apenas consigo próprios.
Então esses homens, futuros criadores de aldeias, vilas e cidades, liquidavam em Portugal os seus haveres, mobilizavam o seu crédito, fretavam um ou mais barcos, neles embarcavam família, servos e dependentes, todo o clan, enfim, que nos tempos medievais gravitava em volta dos grandes senhores, e ei-los que corriam à grande aventura. Os primeiros tempos da instalação e vida interna dessas colónias eram difíceis, devido aos terrenos a desbravar, às culturas a ensaiar, à dificuldade de abastecimentos, às questões de toda a ordem, enfim, que iam surgindo nessa colmeia incipiente. As regalias, porém, que, por sua vez, o donatário concedia aos colonos, que ele recrutava com o maior cuidado, pois deles dependia o progresso ou o fracasso da empresa em que comprometera todos os seus cabedais; a consciência que cada um tinha de estar trabalhando em excepcionais condições de independência e de favor, que lhe garantiam sérias possibilidades dum futuro desafogado; a vontade indomável de cada qual se adaptar a um meio, donde jamais sairia, visto antecipadamente ter quebrado os laços de família e interesses que o ligavam à metrópole, tudo isso levava esses homens a obrar prodígios. E assim é que a Madeira trinta anos depois do início da sua colonização coutava já 800 homens de armas e no século seguinte exportava 4 400 t de açúcar. Aquele simples número