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3 DE DEZEMBRO DE 1952 97

de guerreiros, correspondente a uma população de, pelo menos, 4 000 pessoas, fixada num lapso de tempo tão curto (trinta anos), mostra a, eficiência do processo adoptado e a energia daqueles nossos ancestros..
E não se diga que este exemplo da Madeira foi um caso esporádico, excepcional, que não autoriza generalizações e, muito menos, conclusões. O que aqui se deu repetiu-se nos Açores, não uma vez, mas nove, em todas as ilhas, que, à medida que iam sendo descobertas, eram entregues total ou parcialmente aos donatários.
As quilhas das nossas caravelas não deixavam, porém, de sulcar o Atlântico e as descobertas sucediam-se umas às outras. À medida que nos íamos aproximando do Equador, ao chegar-se a Cabo Verde e a S. Tomé, as condições climatéricas, tão diferentes das das ilhas adjacentes, impunham, porém, correcções e modificações aos processos empregados. Mantinha-se, sim, o regime dos donatários com atribuições idênticas aos seus iguais do Atlântico Norte, mas, atentos os inconvenientes que um clima deprimente criava ao trabalho braçal do branco, que não podia mourejar de sol a sol, e dadas as dificuldades cada vez maiores encontradas no recrutamento de colonos brancos, dentro de um país de tão escassa população, recorreu-se à aquisição de negros na Guiné, ao mesmo tempo que se lhes mandavam também degredados e inclusivamente os filhos dos judeus, que no tempo de D. Manuel tinham sido arrancados aos pais. Assim, as oito ilhas de Cabo Verde iam sendo ocupadas e, mercê da coexistência do branco metropolitano e do negro da Guiné, o povoamento perdeu a característica que se notava nos Açores e Madeira, a do exclusivismo da raça branca, para se caracterizar pelo aparecimento de um novo espécime: o mestiço. Este, produto do cruzamento do branco e do negro, proliferou de tal maneira que, quer devido ao seu maior poder de adaptação àquelas condições climatéricas, quer às dificuldades do recrutamento branco mencionadas, o mestiço, dizíamos, passou a constituir 60 por cento da população cabo-verdiana, enquanto que a percentagem dos brancos é hoje apenas de 3 por cento. O incremento do núcleo civilizado entretanto foi tão rápido que setenta anos depois da descoberta, em 1532, Cabo Verde já tinha um bispo.
Por sua vez, S. Tomé, apesar do seu clima extraordinàriamente doentio, que não permitia que ela fosse uma colónia de povoamento, mas sim de plantação, tinha em 1522, ou seja vinte e nove anos após o início da sua exploração, já 700 fogos, além dos habitantes residentes em sessenta engenhos, cuja produção se computava em 6 000 t de açúcar. Comparem VV. Ex.ªs este número com as 12 000 t de cacau que ela hoje exporta e verão quão extraordinário foi o progresso alcançado naquele lapso de tempo tão curto.
Porém, todos os trabalhos realizados até então nestas ilhas desertas, Madeira, Açores, Cabo Verde e S. Tomé, podem-se considerar simples ensaios e a consciente preparação paxá uma obra que, pela sua amplitude, tem foros de gigantesca: o povoamento do Brasil. Aqui não se trata já de pequenos blocos de 500 ou 800 km2, dispersos pelo Atlântico, com um clima mais ou menos parecido ao da metrópole, com possibilidades culturais idênticas às desta, e nos quais se vive em segurança absoluta, por não haver naturais a combater. Aqui, as extensões são infinitas, não se conhecendo os limites da nova terra, massa continental monstruosa, que levam séculos, não já a povoar, mas simplesmente o reconhecer.
O clima já não é o madeirense, tão benigno este que se prestará a instalações sanatoriais; não é o açoriano, em que o branco metropolitano se sente como em Portugal; não é, mesmo, o de Cabo Verde, temperados pelas brisas constantes. O clima brasileiro é para o português, recém-chegado, um inimigo pior que o próprio índio, habitante daquelas selvas. Por sua vez, este não tardará a reagir perante o invasor, dificultando em extremo a ocupação, pelo estado de guerra permanente em que o obriga a viver.
Também o corte do pau-brasil, que nos primeiros tempos constituiu a exclusiva actividade de negócios entre a nova colónia e a metrópole, não bastará, dentro em breve, para ocupar a febril actividade dos povoadores, e por isso será preciso ensaiar culturas acomodadas a condições agronómicas tão desconhecidas.
Por este ligeiro resumo, vemos que não se exagera classificando de gigantesca a tarefa a que se ia abalançar o Portugal de 2 milhões de habitantes, cuja actividade se dispersava, ao mesmo tempo, pelas ilhas do Atlântico, pelos presídios da costa norte e ocidental de África, pela índia e Oceânia. O nosso rei D. João III, a miem cerca um escol de homens de governo, guerreiros, navegadores e administradores, escol esse dotado duma rica, variada e velha experiência, esse nosso rei, que durante tanto tempo foi apreciado menos justamente, lança ao povo português a palavra de ordem, que vai criar um novo império. O país, que a esse tempo se apresenta povoado por tribos selvagens, erradias, que o escritor brasileiro Calogueras julga não abrangerem mais de 800 000 habitantes; o país que não possuía uma civilização como a que fôramos encontrar na índia, nem mesmo em Marrocos; esse país, que se oferecia aos olhos de todos sob o aspecto mesquinho de fornecedor de pau-brasil, vai ser, mercê da maravilhosa intuição dos nossos governantes, a maior obra dos portugueses, aquela que perdurará pelos séculos adiante, através da nossa língua, religião e raça, os três grandes atributos que definem uma nacionalidade.
Também aqui, como nas ilhas povoadas por nós até então com tão bons resultados, quem vai lançar os caboucos do grandioso edifício são, mais uma vez, os donatários. A cada um dá-se uma faixa de cinquenta léguas descontínuas de costa, e às vezes mais, com uma profundidade ilimitada.
Que cada qual se interne, pois, aio sertão, tanto quanto quiser, e tome, dentro da sua zona, a terra que puder. Eles têm, segundo diz Lúcio de Azevedo, o privilégio dos engenhos; 5 por cento da soma em que importasse o pau-brasil (que continuava a ser privilégio da Coroa); o dízimo das terras do pescado, das mercadorias importadas; o quinto dos metais. Por sua vez, o donatário faz aos sesmeiros abastados, que ele recrutou, pois o Estado não cura disso, concessões enormes (o mínimo de duas léguas em quadra para canaviais e dez para pastagens no dizer da época).
Assim se cria o tipo da grande propriedade, diverso do que existia nas ilhas, visto que aqui a terra não falta, existe a mão-de-obra indígena e a qualidade dos colonos é diferente (numerosos como são os fidalgos e gente abastada). Só com Martinho de Sousa tinham embarcado vinte filhos de nobres casas, e por isso Vahia Monteiro diz: «que os brancos, mesmo pobres, nunca trabalham com os seus braços na lavoura, visto que o trabalho enxadeiro é deprimente. Mercadores na cidade, mascates no interior, donos de pequenos rebanhos, em cada um há um pequeno aspirante à aristocracia rural».
O senhor do grandes recursos monta os seus engenhos em que mói a cana da sua lavoura e a dos vizinhos, acumulando assim a função de lavrador e industrial; o mais modesto cultiva, apenas com os seus negros, canaviais que vão fornecer a maior parte da matéria-prima laborada nos engenhos; há ainda os que se dedicam a criação de gado e que, deslocando-se léguas e léguas à procura de fartas pastagens, contribuem como ninguém para o conhecimento dos sertões. Os vaqueiros, como mais tarde os pesquisadores de ouro e dia-