19 DE DEZEMBRO DE1952 449
A obra é, neste capítulo, enorme, mas escapa frequentemente à nossa percepção, porque não traz tão nítida a marca do concreto e porque, em períodos de grande transformação no seio da humanidade, como o actual, misturam-se princípios velhos com princípios recentes e com princípios novos, de sorte que é difícil ver em plena luz os que hão-de iluminar-nos o caminho.
A formação mental que se recebeu tem nesta confusão a principal responsabilidade. Há velhos que não entendem os novos e os novos recebem a lição dos velhos, mas transmudam-lhe o sentido, porque o que estes lhes emprestam já não é inteligível para aqueles dentro do ambiente em que vivem. Os próprios velhos, que sofreram a evolução que lhes foi imposta pelas ideias novas, transformam-lhes sem querer o conteúdo - tão forte é a acção que o sedimento das ideias velhas, agarrado a eles, ainda tem sobre o seu espírito.
A ajuntar a isto há o próprio pensamento político que, sobre a matéria, informa os nossos processos de actuação. Nós entendemos que as concepções da vida se não impõem, mas apenas se propõem.
Este pensamento, que é justo, tem sido frequentemente uma fonte de inibições que já não são de aplaudir. Tem-nos levado até àquilo que ele não exige: a dispensar, deixando-os nas mãos dos outros, os meios mais adequados de propor e defender eficazmente a nossa própria concepção da vida, da sociedade e do homem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto faz com que as realizações no mundo do espirito se não vejam com a mesma nitidez com que se vêem as levadas a efeito no mundo das coisas materiais. Estas são reconhecidas por todos.
Todos sabem que realizamos completamente o que prometemos na ordem material. Todos, pois, recebem o Plano com a certeza de que o que ai se prevê vai fazer-se.
Isso explica que muitos se queixem de lá não estar o que lá queriam ver. É que, se lá estivesse, já sabiam que seria feito, o que não significa que, por lá não estar, o não venha a ser. É questão de meios e da convicção da sua utilidade efectiva.
Merece o Plano o acolhimento mais caloroso, e assim foi recebido. É digno do mais entusiástico aplauso.
Para discutir a proposta de lei em debate pôde esta Câmara dispor de elementos de alto valor: o relatório do Governo e o parecer da Câmara Corporativa.
O relatório do Governo esclarecendo o pensamento animador da proposta e estabelecendo, com grande meticulosidade, os limites financeiros dentro dos quais a planificação, em circunstâncias normais, era possível.
O parecer da Câmara Corporativa, na parte relativa à metrópole, como na respeitante ao ultramar, põe as questões que o Plano suscita e aponta para as soluções.
É um documento notável que honra a instituição que o produziu. Muitas das suas páginas são escritas com um calor que traz a marca dos pioneiros. A parte relativa à electricidade é tão enleante que a gente até treme que o seu raciocínio perca a segurança do juízo e se deixe arrastar atrás do profeta. E no entanto os problemas são discutidos de modo a poderem confrontar-se as várias soluções possíveis.
O debate na Assembleia não desmerece dos elementos que foram postos ao seu dispor.
Entendo não dever especializar. O conjunto representa um contributo sério sobre as questões que a proposta suscita.
Não vou analisar cada uma das críticas feitas ao Plano. Considerações muito gerais mostram que essas críticas são, na sua maioria, infundadas. Dizer que são infundadas não é o mesmo que dizer que tenham sido inúteis.
O Plano foi estabelecido com base num certo volume de disponibilidades. Este volume de disponibilidades representa um limite que a Assembleia não pode razoavelmente alterar. Não tem, para isso, os elementos de que o Governo dispõe, e, mesmo que os tivesse, faltava-lhe a competência constitucional para o fazer. Há quem critique esta falta de competência constitucional da Assembleia e quem a interprete como significando a inutilidade da actividade parlamentar. Quem assim pensa desconhece a mais lídima tradição parlamentar e não compreende a utilidade de uma Assembleia como esta senão quando tenha competência para fazer cair o Governo.
O Parlamento, na sua origem, apresenta-se como um processo de limitação ao poder do príncipe, limitação que consistia em este não ter a faculdade de exigir novas contribuições do povo sem o consentimento deste. Para que o povo pagasse novos tributos era preciso que, por intermédio dos seus representantes, consentisse nisso. Os representantes do povo nunca votaram mais do que o que a este se pedia. A sua função era votar até ao que se lhes pedia.
E nunca ninguém afirmou que esta função era inútil. Depois os parlamentos, sobretudo no continente, afastaram-se da função para que foram criados, e daí a série de desordens financeiras que provocaram e os comprometeram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-A nossa Constituição, não permitindo u Assembleia que vote mais despesas do que o Governo lhe pede, veio afinal a integrá-la no pensamento imposto pela mais lídima tradição parlamentar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não pode, pois, a Assembleia alterar os limites de disponibilidades fixados pelo Governo para execução do Plano. Ë por isso inútil a sua intervenção na discussão do Plano?
O simples facto de terem sido pelo próprio Governo apresentadas propostas de alteração à proposta inicial mostra que não é inútil.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas na Assembleia, que não pode aumentar o montante total das disponibilidades fixado pelo Governo, pode reduzi-lo, e mesmo modificar, inaii-terido-o, as afectações específicas a empreendimentos nele previstos, reforçando as verbas a favor de uns, em prejuízo de outros, ou substituindo alguns por outros que não constem tio Plano.
Isto quer dizer que, no terreno estritamente jurídico, a Assembleia se pode mover bastante à vontade dentro rio limite global estabelecido para financiamento do Plano, o No terreno estritamente jurídico", disse.
Pode mover-se livremente, mas não arbitrariamente.
Para eliminar algum dos empreendimentos tio Plano precisaria de mostrar que ele se não justificava ou que outro teria, no ponto de vista do interesse público, maior interesse do que o previsto.
Para reduzir as verbas afectadas a algum dos empreendimentos do Plano importaria demonstrar que ele estava superdotado e que o excesso de dotação era suficiente para levar a efeito outro empreendimento também julgado de interesse.
Na discussão feita nesta Assembleia não se procedeu assim. Não se pôs, em geral, em dúvida a utilidade dos empreendimentos previstos no Plano nem se entendeu que algum deles estivesse superdotado. Não se de-