602 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 199
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua era discussão na generalidade a proposta da lei orgânica do ultramar. Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Alves.
O Sr. Lopes Alves: - Sr. Presidente: depois do diploma que contém a «Constituição Política da Nação, a lei cujo projecto se encontra em discussão é, sem sombra de dúvida, a que se reveste de mais vasto alcance e de maior interesse na vida do País.
Encaro, por consequência, este debate como um dos actos de maior transcendência em que tenho intervindo na minha vida pública.
E penso assim, não tanto na parte que respeita tis disposições de pormenor, sempre susceptíveis de modificação de acordo com os ditames da experiência ou com os das circunstâncias do momento, mas, preponderantemente, naquela que importa à defesa e à manutenção dos princípios fundamentais da ideologia nacional, caracteristicamente portugueses e firmados numa longa tradição, em tudo o que respeita à nossa concepção de política e administração ultramarinas.
Neste ponto temos a prioridade que nos outorga o tempo, como descobridores e primeiros colonizadores; a segurança dada pela experiência, por nós acumulada numa extensa gama de condições diversas, durante cinco séculos; e a autoridade que provém dos resultados que temos alcançado, conseguindo unir-nos com tantos , outros povos, em comunhão de interesses materiais e de valores morais, onde alguns não souberam, mais do que dividir, acentuando as animosidades e dispersando mais os sentimentos, no seu contacto com diferentes raças.
Quem conheça a extensão, o aspecto multiforme e o melindre que caracterizam a matéria sobre que incide o presente projecto não pode negar justo valor ao trabalho exaustivo que foi realizado, tanto para a feitura do texto proposto pelo Governo, como para elaboração do parecer - pleno de conhecimentos, equilíbrio e critério - que a Câmara Corporativa apresentou.
Porque os assuntos que se tratam nestes dois documentos chegam já até nós ampla e profundamente analisados, e, também, porque as exigências que derivam da extensão do tema hão-de conciliar-se com os limites do tempo, as intervenções feitas neste debate tendem a afastar-se, inevitavelmente, de uma discussão completa e sistemática, para ir incidir sobre as questões genéricas ou para se conterem em aspectos parciais.
A minha exposição terá, portanto, que comparticipar desse carácter. E acrescento ainda:
Depois do discurso do Sr. Prof. Dr. Sousa Pinto - que encarou todos os problemas fundamentais que se comportam na lei em discussão com a competência que lhe provém do seu saber, da sua inteligência, do seu bom senso e da sua experiência, depois dos depoimentos que foram feitos pelos ilustres Deputados que representam as diferentes províncias -ou por alguns outros que, não tendo essa qualidade, especialmente se interessaram por este assunto -, não me é possível evitar repetições de matéria já exposta.
Devo, contudo, confessar grande satisfação em que suceda assim, visto que desta forma me sinto acompanhado, autorizadamente, na. defesa de alguns pontos de vista,- especialmente em relação a questões de princípio que considero do maior interesse e que se me afiguram da mais alta importância.
Sr. Presidente: a Carta Orgânica anterior, juntamente rum o Acto Colonial, sobre cujos princípios assentou, e com a mataria regulamentar que só integrou na Reforma Administrativa Ultramarina, constituiu um sistema de legislação do ultramar que tem dado provas brilhantes há quase vinte anos. Em verdade, durante o período da sua vigência, mudou-se em. grande parte, sol múltiplos aspectos, a face das províncias de além-mar; onde antes se encontravam desordem financeira, incerteza ou descontinuidade do orientação administrativa, descrença ou indiferentismo, evidenciam-se hoje uma segurança de processos e uma confiança no futuro que estão nos fundamentos do surto de progresso que em toda a parte se tem verificado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Compreendo-se a promulgação do novos textos legais em face da nova Constituição, dos resultados da. experiência, e das tendências da evolução, na. ordem administrativa, dos territórios , ultramarinos. Mas interessa, respeitar os princípios e os moldes do orientação que a lição dos factos consagrou.
Em vez do sistema anterior, no qual se adoptou unia carta, orgânica, única para todo o ultramar, propõe-se agora a adopção de uma lei orgânica, comum -qualquer que seja a designação que venha a atribuir-se-lhe, tendo como complemento estatutos particulares para cada província.
Se a primeira modalidade se inspirou na estrutura unitária, da Nação, como de facto se entende que tenha sucedido, não vejo que a segunda afecte esto conceito. E sendo assim, pondo de parte uma objecção que em meu modo de ver seria decisiva, julgo de preferir o ponto de vista do presente projecto.
Quando se discutiu a actual Constituição Política cheguei mesmo a exprimir o desejo de que fosse previsto para a legislação referente à orgânica do ultramar um diploma fundamental que abrangesse toda a Nação.
E a ter-se adoptado este critério, se, por um lado, iria ressaltar mais fortemente o sentido de unidade nacional, por outro isso implicaria uma necessidade mais vincada de estatutos parcelares, de carácter político e administrativo, complementares do estatuto geral.
De resto, na prática e no significado, a diferença entre os dois sistemas reduz-se a uma questão de pormenor. Trata-se apenas de alterar o escalão em que começa a legislação própria de cada província, sem que se modifiquem os conceitos básicos que informam a política geral. E, quanto a eles. a nova fórmula pode manter a tradição da fórmula anterior, tanto na maneira superior, estou certo disso, como os há-de vir pôr em evidência, como nos resultados que se alcancem pela sua posterior aplicação.
De facto, o projecto da nova lei orgânica consigna, tanto como o parecer que o acompanha - sem dependência do ordenamento que à matéria foi dado -, estes dois princípios fundamentais: o da estrutura unitária do Estado Português e o da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, sem quaisquer distinções.
Quer dizer, a nova lei continua confirmando estas disposições basilares:
As províncias ultramarinas formam, juntamente com as províncias metropolitanas, um todo indivisível, o qual é regido, em toda a sua extensão, pelas mesmas normas políticas e administrativas; em que se atribui a cada uma delas posição idêntica, dentro da comunhão dos interesses e das aspirações nacionais que a todas pertencem indistintamente. E na defesa desses interesses e na realização dessas aspirações cabem iguais direitos e iguais deveres a todos os cidadãos, independentemente do lugar de nascimento, da raça ou da condição social, sem que intervenham restrições para o seu