7 DE FEVEREIRO DE 1953 607
O Orador: - Como exemplo frisante desta afirmação, cito o caso de um grupo de soldados indígenas rebeldes, em número superior a uma centena, que há anos entraram em Angola, vindos de um território vizinho, depois de terem atacado os seus oficiais e graduados e cometido alguns assassínios. Foram presos em massa, do nosso lado da fronteira, por um chefe de posto e dois sipaios negros. A melhor arma destes homens, como claramente pode compreender-se, foi o prestígio da autoridade portuguesa de que iam investidos.
Um dos ataques mais frequentes às administrações coloniais é feito com base no regime de trabalho dos indígenas.
Existem sem dúvida, neste campo, defeitos de execução, tanto .nos nossos territórios com em terras estranhas.
Quanto a mós. salvo no que respeita a eventuais faltas de cumprimento da lei -faltas que, quando denunciadas, a própria lei é instrumento bastante para punir
-, os defeitos residem mais no deficiente aproveitamento do trabalho dos indígenas, para benefício seu e para o bem comum - por demasiada transigência com o desacerto da crítica -, do que em qualquer espécie de compulsão, que os textos legais terminantemente repudiam.
Neste ponto, não pode dizer-se que tenhamos recebido lições de qualquer organismo ou de qualquer fonte de inspiração internacional, visto que, não só pelas normas legalmente impostas como também pela prática livremente seguida, nos antecipámos a estabelecer os preceitos que hoje, lá fora, se proclamam como inovação.
Segundo o nosso Código de Trabalho para os Indígenas de África, o preto escolhe livremente a forma de exercer a sua actividade, quer de conta própria, quer de conta alheia. Como é natural, as autoridades não dão o seu consentimento tácito a que se rejeitem ambas estas formas de cumprir um dever. E deste facto se pretende por vezes tirar a ilação de que existe entre nós trabalho compelido.
Há poucos anos. numa conferência internacional sobre colónias que se realizou em Amsterdão, vi-me defrontado por um contraditor que pretendia forçar-me a admitir o caso. E perguntava: mus então se o preto não quiser trabalho nem de conta própria nem de couta alheia o que acontecer?
Respondi-lhe, já com pouca paciência, afirmando o que, em boa verdade, não é coisa corrente: vai para a cadeia, preso por vadio, como sucede em Lisboa, ou em Paris, ou em Nova Iorque, ou em Amsterdão.
O mal está de facto em não termos ainda conseguido que o preto se compenetre das suas "obrigações de produzir um trabalho útil, sem interrupções de longos meses, como ainda acontece, deixando esse encargo para as mulheres, em conformidade com usos e costumes que nos compete fazer abandonar completamente.
Nesse sentido se tem de prosseguir com a nossa acção, sempre de forma mais premente. E de facto um problema local a resolver. E esforçamo-nos por fazê-lo; mas demora, porque agimos dentro do possível respeito pelas tradições e com acentuada brandura. Todavia, não sei se os problemas respeitantes ao trabalho que surgem nos meios administrativos e políticos dos países civilizados são geral mente resolvidos por modo mais expedito, com prudência igual e com o mesmo grau de eficiência. Designadamente, os de condições de vida, desemprego e salários.
Sr. (Presidente: há três pontos basilares a criticar na campanha anticolonialista que internacionalmente se gerou por inspiração das Nações Unidas: o conceito arrojado de que seja possível uma rápida evolução das populações, indígenas de territórios atrasados que lhes permita o, autocondução dos seus negócios administrativos e políticos; a generalização, para todos os
territórios - os que têm feição colonial - da censura que incide sobre aqueles em que se não tenham respeitado os legítimos direitos dos indígenas; e a abstracção de que alguns territórios ultramarinos deixaram há muito de corresponder demogràficamente a uma unidade étnica, concorrendo neles uma massa de população civilizada, à qual tem forçosamente de caber o encargo e a responsabilidade da administração.
Quanto ao primeiro ponto - desde que tanto se tem falado na substituição duma soberania nacional pelo regime de tutela internacional -, interessa destacar, antes de mais, pelo que nos respeita, que cinco séculos de experiência se não substituem pela improvisação; que o esforço empregado, as vidas consumidas e o clima sentimental criado durante este longo tempo - maior do que o período de vida que couta a maioria das nações - apenas se traduzem duma forma - nacionalização; e que as opiniões, formadas neste campo, não podem ser ditadas pela ignorância dos factos, pela inexperiência, pelo capricho, pela má vontade ou por ilegítimos interesses que se oponham aos nossos.
É, como soube apontar o coronel Oliver Stanley, quando Secretário de Estado das Colónias do Império Britânico, "qualquer sugestão de administração internacional ignora o real sentimento dos povos dos territórios considerados".
No que se refere aos direitos que assistem aos indígenas -- de protecção, ensino, melhoria de condições de vida e acesso a civilização-, é natural que a opinião pública internacional seja impressionada -, embora despertasse muito tarde, pelas- violências que em alguns pontos se exerceram sobre povos indígenas; anãs esses casos são de responsabilidade alheia; não nos cumpre, portanto, considerá-los, no que respeita aos nossos territórios.
Sobre o terceiro ponto, apenas pergunto como se distingue - relativamente às nações que contêm dentro das fronteiras populações em estudos heterogéneos de civilização - entre a nossa, por exemplo, e as que se encontram nas Américas e também na África do Sul. A meu ver, não há mais. distinção do que a continuidade do território, nalguns casos, e a sua descontinuidade, noutros, razão geométrica mais do que inconsistente para fundamentar diferenças de critério, quer na ordem política, quer aia ordem, moral.
Concretamente, quero dizer com isto que entendo tão-pouco qualquer pretensão de interferência estranha nos assuntos internos portugueses - nesta matéria de política indígena ou em qualquer questão caracterizadamente nacional - como poderei entendê-la em relação a muitas das nações compreendidas nas áreas acima mencionadas.
Pode parecer inoportuno deter-me num assunto que só indirectamente está em causa, referindo a campanha anticolonialista que há anos se vem desenvolvendo por parte de alguns sectores da opinião pública internacional, sobretudo depois de iniciada a segunda guerra de carácter mundial. Particularmente por ser uma questão cuja injustiça e cujo despropósito -na parte que nos toca - tem demonstração há muito feita e ao tempo incumbirá demonstrar melhor.
Mas não podem rever-se as normas e os princípios que tem informado a nossa administração ultramarina; não pode percorrer-se toda a história du nossa ocupação do ultramar; não pode relembrar-se o que o Mundo nos deve ao difundirmos civilização e ao criarmos bens de toda a ordem; não se analisa a letra e a intenção das leis que sempre nos regeram que na nova proposta se não mudam, antes se reafirmam e definem de novo -, sem ser assaltado, simultaneamente, por dois sentimentos de natureza oposta: um de satisfação, confiança e orgulho, por ver que caminhámos sempre na vanguarda