7 DE FEVEREIRO DE 1953 611
As doutrinas do P.e Afonso- Álvares Guerreiro, expostas no De Bello Justo et Injusto Tractus, datado du primeira metade do século XVI, Justo fazem mais do que teorizar ideias aceites e praticadas pelos Portugueses desde os primórdios da nacionalidade.
Tem sido esta atitude que tem originado, da parte dos povos com quem entramos em contacto, as reacções de maior respeito e amizade.
A recuperação de Timor, durante a última, grande conflagração, testemunha-o com exuberância e lembra-nos, com orgulho, a reconquista de Angola e do Brasil, depois ida Restauração em 1640, ou a resistência heróica dos Açores ao jugo espanhol durante o domínio dos Filipes.
Hoje, como ontem, são os próprios portugueses locais que, sentindo com tanta intensidade como nós o apelo ida Pátria, expulsam o estrangeiro para se unirem de novo e espontaneamente a Terra-Mãe, na Europa.
O Império Português tem esta fisionomia especial: não é um império mantido sob a força das armas, como o de Napoleão; não é um império linguístico, como o espanhol; não é um império comercial como o das potências industriais de hoje; não é um conjunto de nações independentes, unidas por uma instituição comum- a coroa, como acontece com o Império Inglês; é, sàm, uma pátria repartida pelos quatro cantos da Terra, em parcelas, territoriais geograficamente distintas, mas unidas pelo mesmo espírito e pelos mesmos anseios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como diz o «pico: «uma alma em pedaços pelo Mundo repartida».
Se o quisermos comparar com o Império Inglês, de todos o que em certo aspecto mais se aproxima do nosso, podemos, no entanto, marcar as diferenças profundas que nos separam dele na seguinte frase: o Império Inglês é lima diversidade numa unidade; o Império Português é uma unidade numa diversidade.
E hoje, que o Mundo se debate diante de um problema trágico, que é o de tentar sobreviver, salvando a sua riqueza e variedade, tanto a experiência inglesa como a portuguesa se revelam igualmente preciosas e complementares na descoberta de uma solução justa e equitativa.
Nós sabemos por isso, Sr. Presidente, que temos uma mensagem original de cultura. Sabemos que o Mundo precisa dessa mensagem e necessita da nossa contribuição. Não serão nem as más vontades nem as ambições inconfessadas de outros ou quaisquer modalidades de má fé que nos irão impedir de cumprir o nosso dever, salvaguardando o que de direito nos pertence, ou, melhor, o que por direito nos deve pertencer, pelos benefícios que daí resultarão para toda a Humanidade, incluindo os próprios que nos atacam.
Os soldados idos de todas as partes do Império, que, como sentinelas austeras, vigiam e salvaguardam a neutralidade da Índia e de Macau, são o exemplo actual eloquentíssimo de uma realidade social muito antiga que nos enche de justificado orgulho.
Esta atitude dos Portugueses de respeito pelos outros, de obediência aos princípios do direito e da justiça e esta doutrina, segundo a qual a força deve servir a moral, tem suscitado a admiração de todos, a amizade de muitos e há-de trazer ainda para junto de nós o que falta de boa vontade de alguns.
Porque elas, associadas ao patriótico sentimento de portuguesismo, estão na base daquele milagre português há pouco mencionado de um império que sobrevive quando outros mais poderosos soçobram. E sobrevive sem ser pela força das armas, mas por aquela força do espírito, que é mais poderosa do que estas, mesmo quando são atómicas. É que os soldados portugueses nunca tiveram necessidade de pronunciar as fatídicas palavras: Ave, Cassar, marituri te sálutant. Quando morreram heroicamente ofereceram as suas vidas, não pela. fanática exaltação do Leviathan devorador de homem, mus sim pelo serviço da maior glória de Deus, dos valores da civilização e da dignidade da pessoa humana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, meus senhores: indicámos, de maneira sumária, os- fundamentos históricos, sociais, políticos e religiosos que caracterizam o Império Português. Como vimos e todos sabemos, este império, apesar da sua multiplicidade geográfica, é nina unidade espiritual. O português nascido nos territórios do ultramar é tão português como os que nascem aqui na Europa u, sombra do Castelo de Guimarães.
Eu, Sr. Presidente, sou algarvio, e por isso não sou português stricto sensu. Os nossos reis antigos eram reis de Portugal e dos Algarves. Mas eu não posso admitir - e o que se passa comigo passa-se com qualquer dos meus com provincianos que o português de Entre-Douro e Minho, ou o nascido no coração das Beiras, sinta maior amor, maior devoção e maior entusiasmo por Portugal do que eu.
Pelo sentimento, eu são tão português como aqueles que nasceram no território do antigo Condado Portucalense. E o que se passa comigo passa-se com o português dos Açores ou da Madeira, com o português da Guiné ou de Cabo Verde, com o português de S. Tomé e Príncipe, Angola. » Moçambique, com o português da índia, da Macau ou de Timor.
É à luz desta realidade sentimental, social e política, que a nossa.
Constituição consagra, que nós temos de examinar a contextura da proposta de lei em discussão e os assuntos versados por ela.
A unidade nacional determina uma mesma Constituição Política para todos os territórios nacionais, europeus e não europeus, em perfeito pé de igualdade.
No douto parecer da Camará Corporativa há referência à política do Governo, considerada como definida pelo binómio metrópole-províncias ultramarinas.
No Plano de Fomento, que esta Assembleia também aprovou, os assuntos foram arrumados de harmonia com este critério dualístico. Pelas razões que venho expondo, não posso concordar com elo.
O ilustre Deputado Dr. Jacinto Ferreira, quando discutiu o Plano de Fomento, referiu-se à necessidade de não distorcer a unidade nacional por meio de fórmulas contrárias no seu espírito. Eu não posso deixar de aplaudir com entusiasmo este aspecto da intervenção daquele ilustre colega.
Portugal não é constituído por um binómio formado pela metrópole e o ultramar.
É, sim, um polinómio com tantos termos quantas as províncias ou territórios portugueses repartidos pelo Mundo. Todas as províncias gozam de iguais direitos; não as há umas mais portuguesas do que outras, e é por isso que todas elas têm um só governo, que é o Governo da Nação. Este, pelo simples facto de ter a sua sede em Lisboa, e portanto na Europa, não implica subalternidade ou dependência de umas províncias relativamente a outras, isto é, do ultramar em relação metrópole.
Em conformidade com a Constituição vigente, todos os portugueses de aquém e de além-oceanos decidem do seu próprio Governo pela eleição do Chefe do Estado, de quem o Governo recebe o mandato de governar a Nação.