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7 DE FEVEREIRO DE 1953 609

nações da Europa. Nós, portugueses, nunca tivemos da Pátria um conceito egoísta, estreito ou exclusivo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esse exército esteve sempre, e simultaneamente, ao serviço da Pátria, da civilização e de Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E devemos dar graças por termos podido manter-nos constantemente fiéis a este tríplice ideário, pois muitos dos benefícios que colhemos agora, em contraste com outros povos europeus também colonizadores, são em parte os resultados actuais da recta atitude dos nossos maiores no passado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - D. Pedro Pitões, bispo do Porto, ao falar aos cruzados, vindos para auxiliar D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa, recomendou com clareza e energia:

Fazei guerra pelo zelo de justiça, e não por impulso violento da ira ... A guerra justa, diz o nosso Isidoro, é a que se faz por reaver o que é nosso ou por repelir os inimigos... Quem mata os maus, só no que eles são maus e o faz com justo motivo, é ministro do Senhor.

Esta advertência do grande prelado constitui por assim dizer o santo e a senha a que nos mantivemos escrupulosamente fiéis através dos séculos.

Desde o princípio da nossa história as guerras sustentadas pelos nossos soldados foram sempre de legítima defesa contra os Romanos, contra os de Mafoma, detentores das terras usurpadas, contra os vizinhos de Leste e Norte, a fim de garantir a nossa independência sagrada. A posse do nosso território metropolitano foi realizada através uma guerra de reconquista, e não de conquista, e com o decorrer dos tempos, em todos os períodos da vida nacional, os nossos reis e os nossos chefes militares tiveram a preocupação de usar as armas apenas no recto caminho, de pôr a força ao serviço da justiça.

Quando no reinado de D. João I iniciámos a expansão ultramarina metódica, a preocupação da "guerra justa" revela-se uma preocupação constante, dominando o espírito dos nossos dirigentes. No reinado de D. Duarte essa atitude continua, e mais tarde, no de D. Manuel I, o regimento da viagem de Pedro Álvares Cabral para a Índia não faz mais do que pôr de novo em evidência a mesma elevada doutrina. Más é no reinado de D. João III que nos aparece a sua formulação teórica completa.

O ilustre escritor Costa Brochado chamou a "tenção dos historiadores para a importância deste problema da "guerra justa" na nossa política militar e colonial. Por um documento da Torre do Tombo, sabe-se que el-rei D. João III consultou os juristas sobre as condições em que poderia fazer-se a guerra aos infiéis, e essa resposta, como muito bom observou aquele escritor, é um autêntico tratado sobre esta matéria. Nele se lêem palavras que desejo pôr bem em relevo nesta sala:

Três coisas se requerem, segundo a comum doutrina de todos, para ser justa a guerra que se move: autoridade no que a move, causa justa e boa tenção.

Como esclarecimento da doutrina ainda se afirma que:

As causas justas de mover guerra, em suma, são duas: ... cobrar o que nos é tomado e ocupado injustamente, quando o não querem restituir, satisfazer ou recompensar, em casos que se admite satisfação e recompensa, e tomar emenda da ofensa que nos é feita, quando os que a podem e devem emendar o não fazem.

E a concretizar melhor o pensamento, para não serem possíveis dúvidas sobre a interpretação da doutrina, acrescenta-se:

Contra infiéis, gentios ou mouros que habitam províncias nunca possuídas por cristãos e a que se pode bem presumir que nunca chegou notícia de nome cristão, nem fama de lei evangélica, a guerra é injusta.

Esta preocupação de subordinar a acção das armas à ideia de justiça revela-se também com muita clareza na advertência de que mão 4 conveniente modo para justificar a guerra que se move contra infiéis irem pregadores na companhia de gente que vai conquistar, para começarem a doutrinação, visto esse facto poder levar a parecer "que por força das armas os queremos sujeitar a nossa lei".

O escrúpulo do jurista na distinção vai a ponto de declarar peremptoriamente não ser legítima a guerra" feita contra os infiéis, por pecado de idolatria, nem esse facto ser razão para os ditos infiéis serem desapossados dos seus bens materiais:

Não seria justa a guerra que por esta causa se lhes movesse, nem se possuiria com boa consciência o que se lhes por força ocupasse, nem é suficiente razão a que fundam no exemplo de Deus, que subverteu as cidades infames pelos tais pecados, porque o que Ele faz justamente por castigo de algumas culpas não se deve trazer em consequência para o nós podermos fazer ... nem há lugar o exemplo senão mas coisas que Deus faz para O seguirmos e nas que nos deixou pôr preceito ou conselho que O imitássemos, e aias guerras quis que se tivesse tanta justificação que, tendo privado os que possuíam a terra que prometera aos Hebreus do senhorio e justo título dela, e vindo o povo por sua autoridade a tomar posse dela, as guerras que por sua autoridade se fizeram, bastando mandá-lo Ele, ainda quis que tivessem causas justas ao parecer dos homens ...

Em face de tais documentos, reveladores de tão altas e dignas preocupações mantidas constantemente através da História pelos dirigentes responsáveis dos nossos destinos, fica afirmado de maneira categórica não só o primado das determinantes espirituais na empresa dos Descobrimentos e da expansão portugueses, como também o forte idealismo implícito em todas as principais acções militares efectuadas pelo nosso exército ao longo de uma história antiga de oito séculos. Por isso Garcia de Resende escreveu, e com razão, no seu Cancioneiro Geral:
Com anymo graude, despesas rreais,
abrio caminho do todo Guynee,
mais por creçer a católica fce
que nam por cobyça dos bës temporais;

e Gil Vicente, referindo-se às nossas acções guerreiras nos Algarves de além-mar, disse:
África foi de Cristãos
mouros vo-la, têm roubada,
Avante! Avante! Senhores!
Que na guerra com razão,
Anda Deus por capitão!

Damião de Góis também refere que D. Manuel, ao nomear Vasco da Gama comandante da armada que ha-