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612 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 199

representando a autoridade do Governo nesses territórios, governam em nome deste.

São os representantes não só do Governo, mas, por intermédio deste, do chefe do Estado, que também foi escolhido pelos portugueses dessa, província. Logo, em última análise, o governador da província é escolhido por todos os portugueses, incluindo os dessa província, e não é portanto o representante de um poder exterior destinado a oprimir os seus naturais. Apenas, o sistema português procura conciliar, de uma maneira hábil - embora o não consiga tão perfeitamente como se fosse uma monarquia-, a liberdade de escolha com a continuidade governativa, a autonomia individual com os interesses nacionais, a liberdade com a disciplina.

O conselho que assiste o governador da província não tem nem deve ter funções legislativas, porque estas só pertencem ao Ministro do. Ultramar, ao Governo e à Assembleia Nacional, onde todas as províncias, ultramarinas ou não, tem os seus representantes escolhidos livremente pelo povo.

Não há possibilidades, portanto, de se confundir a actuação do governador e do seu conselho com o sistema do self-government. O governador, representando o Governo, governa em nome daquele e em conformidade com a legislação emanada dos órgãos nacionais competentes.

Não devemos confundir, porém, governação e administração. Portugal, em conformidade com a sua índole histórica, necessita de uma governação centralizada e disciplinadora. Mas, de harmonia com a sua tradição e as suas necessidades, exige uma administração descentralizada.

Na proposta de lei não parece claramente marcada, no articulado, esta distinção fundamental. E, se considerarmos, sol este aspecto, o título geral da proposta, não podemos concordar com a sugestão formulada no parecer da Câmara Corporativa.

Carta orgânica sugeriria errada e inconvenientemente uma espécie de Carta Constitucional outorgada ao segundo termo do tal binómio metrópole-ultramar.

Ora, presumo, e creio que com justificado motivo, não ser intenção do Governo nem desejo desta Assembleia legislar de forma a permitir que se confunda o nosso sistema administrativo do ultramar com um regime contrário às nossas tradições históricas e às nossas realidades sociais - o colonato.

Foi depois cio Congresso de Berlim e da ocupação efectiva do hinterland de Angola e Moçambique, com a epopeia africana do século XIX, que, por imitação do que se fazia lá fora, se foram introduzindo nas leis portuguesas alguns elementos que estão em desacordo com as nossas mais puras tradições colonizadoras.

No tempo do liberalismo, confundindo também governação com administração, mas em sentido inverso ao que agora se faz, caminhou-se a passos agigantados para uma fórmula portuguesa de self-aovernment, contra a qual reagiu, e muito bem, o Acto Colonial promulgado pelo Estado Novo. Essa correcção fez-se, no entanto, à custa de alguns erros contrários. Para salvaguardar a unidade governativa sacrificou-se a indispensável diferenciação administrativa.

Na proposta de lei actual subsistem, como disse, alguns elementos dessa confusão, que seria conveniente eliminar.

Neste sentido sugiro que a lei seja designada do seguinte modo:

Regimento Administrativo do Ultramar.-Regimento é a designação antiga e portuguesa e tem a vantagem de não permitir que se interprete a lei como uma espécie de subconstituição interposta entre os portugueses das províncias ultramarinas e a Constituição Política, que nesta errada hipótese se aplicaria directamente só aos portugueses da metrópole.

A designação de «administrativos acentuaria a ideia de que as suas disposições se referem à administração, e não à governação.

O conselho que assiste o governador e o auxilia no cumprimento da sua difícil missão deveria chamar-se «Conselho Administrativo», e não «Conselho Legislativo», como se propõe. Ou, como sugere o ilustre colega Dr. Carlos Moreira, «Conselho do Governador».

Outra distinção que convém estabelecer é entre a administração do ultramar e o chamado «indigenato». Alguns portugueses são levados a confundir as duas coisas, quando na realidade são coisas distintas.

O indigenato pode existir em países sem colónias e, por outro lado, países coloniais podem não o conhecer na prática.

O regime de indigenato existe em qualquer país onde haja grandes núcleos populacionais atrasados. Problemas deste género existem, por exemplo, no México, no Brasil, na grande índia, na Rússia, etc., porque em todos estes países há núcleos populacionais mais ou menos importantes de cultura e civilização rudimentares.

Ora acontece que nos nossos territórios de Angola e de Moçambique, por exemplo, vivem populações portuguesas atrasadas, que por esse facto não gozam de todos os direitos políticos, como aliás acontece a alguns portugueses da metrópole, embora em menor número (um indigente, um analfabeto que não seja chefe de família, etc., não têm direito de voto).

A nossa obrigação para com eles é integrá-los na civilização e elevar-lhes o nível de vida.

À medida que forem conquistando cultura e civilização vão, do mesmo passo, conquistando todos os direitos políticos que são inerentes à condição de português. Por isso eu preferia empregar a expressão «populações atrasadas» em vez da designação de «indígenas», quando se pretende por ela indicar indivíduos nascidos no ultramar sem serem descendentes de europeus e sem possuírem cultura bastante para se considerarem assimilados. A palavra «indígena» é de facto equívoca e deveríamos evitá-la nos textos legais.

Sr. Presidente: vou terminar estas já longas considerações, que apenas serviram para aflorar de maneira sumária um ou outro ponto de um problema extremamente complexo, mas não o quero fazer sem me referir ainda a um outro assunto igualmente importante - ò do ensino superior no ultramar português.

A medida que a população aumenta e o seu nível cultural se eleva «urgem necessidades técnicas e humanistas nas nossas províncias ultramarinas que não podem ser satisfeitas por estabelecimentos de ensino médio, liceais ou profissionais.

Hoje as populações precisam de cultura, como precisam de ar para respirar e comida para se alimentar. O pão do espírito não é menos importante que o pão do corpo.

A não existência de um adequado - e chamo a atenção de VV. Ex.ª para o adjectivo «adequado»- ensino superior de algumas matérias, especialmente em Angola, Moçambique e Estado da índia, e a enorme dificuldade de deslocarmos até à Europa grandes massas de estudantes para realizarem entre nós esses estudos criam problemas muito sérios de várias ordens.