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610 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 199

veria de firmar definitivamente o caminho marítimo das índias Orientais pelo Sul da África, lhe recomendava:

Ho peso de tamanho negocio consistia nau na despesa que se nelle podia fazer, nem no que se nisso aventurava, «enfio no serviço de Deus e bem dos seus regnos.

Sr. Presidente: podemos desde já avançar a primeira conclusão importante, como um dos dados do nosso problema: quer pela forma como foram obtidos os territórios, quer pelo espírito que determinou o empreendimento, tudo o que hoje possuímos na Europa, África, Ásia ou Insulíndia foi adquirido por meios justos e louváveis e sem recurso a guerras imperialistas ou de agressão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nada do que possuímos foi retirado por processos condenáveis a um possível justo possuidor. Pelo contrário, pondo de lado questões de natureza comercial ou militar, de valor puramente episódico, todo o território que actualmente constitui a Nação Portuguesa foi alcançado pela expulsão do jugo estrangeiro; pela libertação dos povos amigos ao tempo odiosamente dominados por outros e que depois afeiçoámos pelo amor e convívio à nossa própria civilização; pela descoberta, ocupação e povoamento de terras desconhecidas, e ainda pelo acto nobre e louvável de trazer populações não civilizadas a comparticipar connosco, em igualdade de circunstâncias, nos mesmos sentimentos patrióticos e nos mesmos valores espirituais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que se refere ao tratamento e convívio com essas populações atrasadas, nunca se manifestaram entre nós distinções ou preconceitos raciais.

Todos, sem excepção, negros e índios, malaios e asiáticos, foram tratados por nós como irmãos, olhados por igual como filhos do mesmo Deus.

Desde é começo dos nossos empreendimentos marítimos e coloniais promulgámos leis humaníssima, de protecção e amparo, como as célebres leis do reinado de D. Sebastião e outras, sem cairmos no mito do bom selvagem (que obteve tão grande projecção no espírito dos doutriuadores, que prepararam a Revolução Francesa), nem nos racismos exterminadores de um Karl Otto, que proclamou a limpeza pelo bacamarte.

A defesa das populações- atrasadas, tal como foi formulada pelos nossos missionários - haja em vista o S.º António Vieira e o seu Quinto Império - e pelos nossos juristas, lançou os fundamentos do Direito Natural moderno, provocando uma revolução jurídica cuja importância tem sido olhada pelos historiadores, como não menor do que a respectiva revolução económica.

Todos os povos, independentemente da sua cor, da sua cultura ou do seu grau de civilização, foram por nós teórica e praticamente considerados, como feitos da mesma massa e dotados da mesma vida, porque sempre pensámos que os homens, independentemente da cor da sua pele, são filhos de Deus, e portanto nossos irmãos. Afrequência e a facilidade com que se deram os cruzamentos, e surgiram populações mestiças, desde o mulato ao cafuso, passando pelos descendentes na Índia e macaístas de Macau, e a facilidade como eles, sem nenhum obstáculo, conquistaram rapidamente os plenos direitos da cidadania portuguesa, são a prova exuberante e irrefutável e que todos, conhecem daquilo que venho dizendo.

Um grande filósofo indiano, presidindo a um congresso internacional, realizado em Montecatini, na Itália, em Outubro de 1902, afirmava, com acentuado
louvor, que o Brasil, visitado por ele várias vezes, «diz em substância, aos povos mais escuros emancipados e aos índios primitivos: sereis recebidos como iguais socialmente, a despeito da vossa cor, logo que vivais e vos comporteis como brasileiros».

Os estudos de Gilberto Freyre e outros sociólogos e historiadores puseram bem em relevo que esta característica do brasileiro é apenas o reflexo nos nossos irmãos do outro lado do Atlântico, do espírito que nós, portugueses, levámos connosco para toda a parte.

O terceiro ponto importante que desejo acentuar é o largo e profundo espírito de tolerância, religiosa que sempre caracterizou u sociedade portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós somos, com a Espanha, provavelmente, os dois países do Mundo simultaneamente mais católicos e mais cristãos.

A religião católica tem sido um factor importantíssimo de unidade nacional. As convicções profundas das nossas crenças e da nossa fé não nos impediram, porém, de criar quase sempre um ambiente de elevado humanismo cristão, amplo e compreensivo, como o que se exprime nos passos sobre a guerra justa e a conversão dos infiéis, que há pouco referi.

Um livro notável de Américo Castro intitulado Espana en su Historia, e levando o subtítulo Cristianos, Moros y Judios, pode ser considerado como um símbolo. De facto, quem conheça bem a formação das nacionalidades hispânicas e os respectivos desenvolvimentos no decorrer dos séculos sabe que as suas fisionomias foram desde o início fortemente marcadas por estes três elementos culturais, ora divergentes, ora confluentes.

Este espírito de tolerância encontra-se testemunhado no Livro da Corte Imperial e na forma como sempre, sob a protecção das leis portuguesas, se mantiveram a liberdade ide culto e o respeito pela religião dos outros. Esta liberdade e tolerância religiosas foram perturbadas sómente no- época agitada da Reforma e da Contra-reforma, mas constituem, por assim dizer, uma constante histórica de que nos orgulhamos e da qual o próprio chefe do Governo, Doutor Oliveira Salazar, nos dá um exemplo típico ao declarar a Cristina Garnier que como chefe político dos Portugueses o é com a mesma benévola e protectora atitude, sem olhar a distinções religiosas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Só poderemos compreender a natureza do nosso império tomando em Unha de conta es tu preocupação constante de espiritualidade, de justiça, de civilização, e de cultura, que explica o que, com propriedade, poderemos chamar o milagre português. Milagre que se desdobra na criação de novas pátrias cheias de pujança e vitalidade, como o Brasil, 16 nesta admirável confraternização ide raças, povos e línguas de todas as latitudes, num forre sentimento patriótico, que faz de todos os portugueses membros ida mesma família, filhos, sem distinções, da mesma pátria - portuguesismo que é garantia não só da sobrevivência do nosso império, mas ainda da recuperação maravilhosa de todas as partes dele, sempre que, por qualquer fatalidade transitória, estranhos, levados! por injustificada cobiça, nos procuram arrebatar alguma das suas parcela».

Era com perfeita consciência que Frei Serafim de Freitas escrevia: «Nenhum rei foi subjugado pelos Portugueses, e nenhum povo foi oprimido pelas suas armas, sob pretexto da religião».

Fomos, ma verdade, entre os povos civilizados; os primeiros a estabelecer e a respeitar firmemente, como já dissemos, os princípios do direito internacional.