7 DE FEVEREIRO DE 1953 603
livre acesso a qualquer dos graus de hierarquia pública ou privada.
A respeito destas disposições importa realçar uma verdade; na fase de vida conturbada que o Mundo está passando, em que tanto se arriscam os bens materiais e os valores morais acumulados pela civilização: a lei, nesta matéria, longe de traduzir artificiosamente conceito fabricado para atingir um fim, limita-se a expressar o consenso geral; inspira-se no sentimento, na vontade e na prática de todas as camadas e de todos os núcleos de gente portuguesa; consagra o nosso entendimento do agregado nacional; materializa a mentalidade portuguesa, como é tradicional na nossa política ultramarina.
Pode afirmar-se, com inteira propriedade, que o nosso sistema de administração ultramarina se inspirou sempre no conceito da unidade nacional; isto é, na integração, por forma inalienável, de todas as parcelas do ultramar português no território da Nação, cabendo a todas, em conjunto com as províncias da metrópole, perfeita igualdade de deveres e direitos. A ideia é intuitiva no pensamento de todas as camadas de gente portuguesa e domina as normas de procedimento que regulam, tanto as relações entre as várias parcelas da Nação, como as que respeitam ao regime de vida existente entre as populações civilizadas e os indígenas.
Segundo a concepção internacional de colonização mais geralmente seguida, a fórmula política e administrativa em que se enquadram os territórios do ultramar comporta uma fase de conquista ou anexação, a ocupação, um período de desenvolvimento e valorização das terras e das populações e, finalmente, uma fase de evolução social e política no sentido da emancipação.
O sistema português tem sido diferente; e este facto, fundamentalmente, é a consequência, de nunca termos feito outro escalonamento entre as populações além do que provém da condição social. Nunca tivemos uma questão de raças. Assim, difundimos u nossa língua entre as populações indígenas, em vez de fazer dela um instrumento de separação; chamámos as populações nativas à nossa fé; instruímo-las com molde nos nossos hábitos e nos nossos usos; demos-lhes livre acesso a todas as posições e a todos os interesses dentro do agregado nacional, e por essa forma fizemo-las partilhar o mesmo sentimento pátrio.
Neste debate o conceito da unidade nacional tem dominado o teor dos discursos dos vários Deputados que nele intervieram até agora. É também primacial na contextura da Constituição. Partindo do consenso geral, projecta-se no carácter da lei, como se imprime nesta discussão, emprestando-lhe a feição mais vincada.
Interessa ainda evidenciar que é ele o traço da nossa política ultramarina que mais impressiona a opinião pública internacional.
Como é natural, este sentimento de unidade nacional tem-se intensificado nestes últimos anos. Têm contribuído para isso as visitas aos territórios do ultramar de individualidades representativas da sociedade portuguesa, nomeadamente o cruzeiro de férias que se organizou em 1935 sob a direcção do Prof. Doutor Marcelo Caetano; as missões culturais, científicas ou educativas, entre elas as universitárias, e as da Mocidade Portuguesa; as visitas ministeriais, cuja projecção o actual Ministro do Ultramar alargou, percorrendo as províncias do Oriente, que ainda não tinham sido visitadas; as viagens presidenciais realizadas pelo Sr. Marechal Carmona, que tanto exaltaram o sentimento pátrio das populações ultramarinas, e, ultimamente, a visita dos dois componentes da comissão executiva da União Nacional, que prolongou com sentido político toda a acção anterior.
E pode-se afirmar que temos motivo para orgulho pelo uso do sistema que seguimos - do nosso sistema português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Talvez não esteja nele toda a virtude. Talvez resida, em parte, .em ser usado pela. nossa gente. Só assim é, maus mérito lhe cabo. E direi, lembrando Disraeli: os que não queiram pôr demasiada fé nos sistemas não olhem de menos para os homens.
No parecer da Câmara Corporativa abre-se algumas vezes campo à discussão sobre a medida em que cabe competência à Assembleia Nacional em matéria de legislação ultramarina. Isto, evidentemente, até ao ponto em que o texto da Constituição permite elasticidade de critério ou liberdade de interpretaçâo.
Quanto a mim, e dentro desses limites, a questão põe-se para a Assembleia Nacional aio seu domínio próprio da mesma forma que se deve encarar para o Governo Central no campo d" acção que lhe respeita.
Se o poder executivo exercido pelo Governo Central abrange sem .restrições a sua faculdade de resolução, incluindo o âmbito das funções governativas que incidem nos territórios ultramarinos, quanto à Assembleia Nacional a extensão do seu poder legislativo deve ser entendida por forma paralela.
De resto, Sr. Presidente, interpreto as limitações a este entendimento, que eventualmente resultam da redacção do texto da Constituição, como uma maleabilidade de adaptação às circunstâncias, sem ofensa dos princípios, para casos em que as conveniências do interêssse público apenas se conformam com especiais facilidades e especial urgência de resolução no que respeita às coisas do ultramar.
É esta a doutrina que melhor se conforma com a estrutura unitária da Nação Portuguesa; no meu modo de ver esta ela traduzida no parecer pelo que se contém na base VII e no n.º 1.º da base IX; na primeira definem-se como órgãos centrais da administração ultramarina a Assembleia Nacional " o Governo; na segunda declara-se que o Governo um desses órgãos - superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias do ultramar.
Discrimina-se noutras disposições a forma como se distribuem a competência legislativa e as faculdades de administração nos vários escalões da hierarquia. Isto dentro das necessidades de descentralização que as circunstâncias evidenciam e para que se caminha francamente tanto no projecto do Governo como no parecer da Câmara Corporativa.
Provêm essas necessidades dos imperativos da distância, que nem sempre se compadecem com a morosidade de resolução, se ela não estiver confiada, na medida possível e conveniente, a órgãos de administração locais, e da justa apreciação das particularidades do meio, para a qual é indispensável o concurso, senão a prevalência, das correntes de opinião mais directamente nele integradas.
Mas deve entender-se, creio bem, que a autonomia administrativa e financeira que assim se realiza não comporta, dentre do nosso sistema político, qualquer forma de dispersão do Poder Central - cuja intangibilidade deriva de nele estarem representados todos os portugueses -, mas significa, concretamente uma delegação desse mesmo Poder, dada a alguns e revogável por todos.
É dentro deste pensamento que concebo a constituição e as atribuições dos conselhos provinciais com função legislativa.
E assim não julgo apropriada a adopção de um sistema exclusivamente electivo, que, além de lhes retirar a assistência técnica de vogais oficiais ou nomeados -que