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624 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 200

«portuguesismo» da população do ultramar. Eu faço parte dessa população, e, ao ler essas referências, como que surge dentro de mim um certo sentimento de desgosto e quiçá de revolta, pois que parece que alguém pode ainda pôr em dúvida o nosso portuguesismo.

Todos nós, habitantes do ultramar, conhecemos o caminho que trilhamos e temos o orgulho da consciência como o percorremos. Ora sentimo-nos tão portugueses como os da metrópole, para quase exigirmos que não se teçam encómios àquilo que nem pensamos que poderíamos deixar de ser.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu, do nosso ultramar, só conheço -e tenho disso sincera pena- Bolama, onde estive nem chegou a vinte e quatro horas.

Dos contactos com a política conheço algumas das questões que se põem a respeito do ultramar dum modo geral e a respeito de cada unia das províncias em particular. Conheço, como disse, da convivência da vida política, os problemas que no movimento dessa vida se agitam.

Compreenderão, pois, o embaraço que experimento ao intervir na discussão de um diploma fundamental em relação ao ultramar.

Falta-me a experiência, que só o contacto directo dá, falta-me -desculpem-me a palavra- a vivência imediata das circunstâncias, das realidades do ambiente.
Sinto, por isso, torno a dizer, um certo embaraço ao intervir na discussão de um problema fundamental para o ultramar português.

Tenho receio de emitir proposições que logo denunciem ser produzidas por um homem que olha para as questões em abstracto e que primeiro se não informou suficientemente do condicionamento concreto sobre que devem assentar as respectivas soluções.

É um embaraço, Sr. Presidente, parecido com o que tive já lá vão bem há volta de trinta anos, quando em Coimbra fui incumbido de reger o curso de Direito Colonial.

Direito Colonial era uma disciplina que não pertencia ao meu grupo: estava incluída nas ciências políticas e administrativas, e eu pertencia ao grupo das ciências jurídicas. Mas na minha escola havia o hábito -que creio não era mau e está muitíssimo generalizado - de descarregar sobre os mais novos as disciplinas que vagavam e para as quais não havia professor da especialidade, mus era preciso que fossem regidas.

Eu era então o mais novo; não havia professores da especialidade para o- curso de Direito Colonial, e fui convidado pela Faculdade para o reger.

Como me faltava a tal experiência de que falei há pouco, disse de mim para comigo: há um curso que eu naturalmente posso fazer - é um curso de Administração Colonial. Pego nas leis, analiso as leis, e digo qual é a orgânica, o sistema jurídico da administração.

E assim fiz.

E aconteceu-me o que, humildemente, vou confessar a VV. Ex.ª

Eu era novo, não gostava de fazer má figura, e como o programa era duma aridez total, desatei a trabalhar, a estudar. E, se disser a VV. Ex.ª que para preparar cada uma das lições gastei em trabalho o mínimo de vinte horas, não minto.

Isto passava-se em 1920 ou 1921 e sucedeu o seguinte: é que me cerquei de todos os diplomas legislativos e comecei a analisá-los, podendo, porém, verificar que a lição seguinte me servia para dizer ao curso que estava revogada a lição que eu tinha ensinado dois dias antes.

Trago isto para declarar a VV. Ex.ª que não tenho a experiência que resulta de ter vivido as realidades do meio, para dizer a VV. Ex.ª que me desculpem se, porventura, em vez de me referir à legislação em vigor, me referir antes à legislação revogada.

Há uma parte da legislação que vou considerar que sei estar com certeza em vigor: é a legislação constitucional; mas não tenho a segurança de, ao trabalhar sobre ela, a interpretar rigorosamente. Vou, no entretanto, dar a minha versão de qual é o conteúdo dessa legislação constitucional.

VV. Ex.ª, os que conhecem a vida do ultramar e os que cultivam particularmente o ramo do direito constitucional, poderão dizer depois se a interpretação que fiz é ou não realmente correcta.

Feita esta prevenção, vou entrar propriamente no objecto da minha intervenção.

Foi aqui comparado o regime da proposta com o regime instituído em 1920, e comparado com a nota de que os regimes que se sucederam ao de 1920, inclusivamente o regime instituído na proposta em discussão, representava - para empregar a própria frase que já foi colhida de um autor que pôde legislar para o ultramar - um movimento no sentido de marcha à ré quanto ao âmbito das atribuições que pertenciam aos governos do ultramar. Será isto exacto?

Para responder a esta pergunta importa naturalmente confrontar o regime instituído em 1920 pela Lei n.º 1005 com o regime sugerido pela proposta em discussão. Qual era esse regime?

Devo começar por esclarecer o seguinte: no regime do 1920 havia apenas dois órgãos legislativos normais para o ultramar português. Esses dois órgãos legislativos normais eram o congresso e os conselhos legislativos.

Havia, além destes dois órgãos legislativos normais - o congresso e os conselhos legislativos-, um órgão legislativo que tinha competência constitucional para legislar, mas competência que, nos próprios termos da lei constitucional, não era originária, mas delegada: o Poder Executivo, como nessa lei se dizia.

Portanto, dois órgãos com competência legislativa constitucional para legislar para o ultramar - o congresso e os conselhos legislativos»- e um órgão -o Poder Executivo- com competência legislativa para legislar para o ultramar, mas competência legislativa que nos termos da própria lei não era originária, mas que existia por delegação do Congresso.

A competência do Poder Executivo é que neste momento interessa.
De harmonia com a Lei n.º 1005, a competência legislativa dos conselhos legislativos exercia-se em termos tais que os diplomas respectivos ficavam na dependência da sanção do Poder Executivo.

A lei diz expressamente que compete ao Poder Executivo, para orientar e fiscalizar a administração legislativa dos conselhos coloniais, sancionar ou rejeitar as providências legislativas desses governos.

Portanto, torno a dizer: os diplomas legislativos emanados dos conselhos legislativos estavam, quanto à sua vigência, na dependência da sanção do Poder Executivo.

Peço muita desculpa desta análise técnica, jurídica demais, mas suponho que não deve deixar de ser feita para mostrar, em definitivo, se estamos ou não em presença, em relação a 1920, de uma marcha à ré.

Assim, se o diploma fosse votado no conselho legislativo, o problema estava arrumado nos termos da lei constitucional: a sua vigência dependia de sanção do