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1014 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 223

Há doentes, não há doenças, afirmava-se e continua a afirmar-se.

E, se assim é, ideal seria que o doente escolhesse o médico que, psicologicamente, lhe merecesse confiança, ou, melhor, que mais confiança lhe merecesse de o livrar dos seus achaques. E fácil advinha, porém, onde o sistema podia levar.

A liberdade de escolha do médico é uma espécie de liberdade com L grande, privilégio só dos que têm dinheiro para pagar a medicina sem limitações.

Que liberdade tem o doente de escolher o médico, se pode recorrer só a um, como acontece na grande maioria das nossas povoações rurais?

Que liberdade tem o doente internado num hospital de escolher o médico que o há-de tratar?

Se a medicina é hoje quase inacessível a quem não for milionário ou beneficiário du Previdência, só estes têm realmente a liberdade de escolher: os primeiros, liberdade absoluta; os segundos, liberdade condicionada, por concessão da Previdência.

Afirma mais o autor do .aviso prévio: «O seguro, entre nós, quebra a individualidade dos actos médicos, como em nenhuma parte, desumaniza a medicina, massifica o seu exercício, como se fôssemos" um país ou servíssemos uma doutrina essencialmente comunizante».

Não sabemos como possa deduzir-se contra o seguro tal acusação, sem partir da ideia simplista de que a medicina é ainda hoje a arte de curar, e o médico o a João Semana, da burra branca, do guarda-pó e chapéu de sol», .cura de mazelas físicas, .amigo e conselheiro das mazelas morais e familiares, dos saudosos tempos.

:Mas o autor do aviso prévio não pode ter partido de tal ideia, sendo, como é, professor de Medicina e, como tal, ilustre cultor da ciência médica, no conhecimento da sua evolução e tendência.

E certo que a medicina curativa perdeu aquele carácter de «colóquio singular», sacrificado em holocausto da ciência, e da especialização, que era tão do agrado do doente.

E certo," ainda, que a medicina se desumanizou; o doente, como pessoa humana, foi sacrificado ao caso clínico, exigência também da ciência. Mas difícil é dizer se o seu exercício se massificou ou não: dificuldades de interpretação do neologismo. Mas qualquer que seja o significado que lhe atribuamos, podemos sem receio responder que sim.

Mas é o seguro o culpado de tamanhos delitos?
A actividade médica evolucionou nestes últimos anos no sentido da medicina de grupo, da medicina de equipe. A complexidade das técnicas, o custo do equipamento e a especialização cada vez mais pronunciada, derem à. medicina tal impulso e orientação que já hoje entre nós é difícil a actividade médica isolada. Já não têm significado, ou, pelo menos, estão a perdê-lo velozmente, as velhas designações do médico da família, de clínico geral, e não há-de demorar muito que o médico de clínica médica, o internista, fique reduzido à função de mero orientador do doente.

O trabalho médico - a cirurgia sempre requereu instalações e apetrechamento especial- faz-se já hoje, nos países mais adiantados, em policlínicas e hospitais.

E a tendência, no nosso país é nitidamente para este caminho. Veja-se a facilidade com que os nossos clínicos propõem hoje ao doente o recurso ao internamento em casa de saúde ou em hospital, para tratamento da doença. E o doente que recorre à consulta sabe bem que terá de passar por especialistas, radiologistas, analistas, etc., para. chegar a saber o que tem. Isto é, o doente era antigamente entregue sómente ao seu médico; hoje é examinado por vários.

Resultados da especialização e das novas técnicas de diagnóstico e tratamento da doença. Está bem? Está

mal? Não discutimos o problema. Verificamos o facto.
Para bem ou para mal, a evolução da medicina nos últimos anos deve-se aos médicos, ou, melhor, aos cientistas da medicina. O doente não deu a sua opinião, por só lhe interessar a cura ou, ao menos, o alívio da sua doença.
E como é possível manter a individualidade do acto médico em tal sistema, em que o doente contacta com vários médicos?
Então, é o seguro que quebra a individualidade do acto médico ou são as novas formas da clínica que lhe fizeram perder o sentido tradicional ?
O internista, ao enviar o doente ao tisiologista, ao cardiologista, ao radiologista, ao electrocardiologista, ao analista, etc., para, depois das opiniões de tantos colegas e de tantos relatórios auxiliares, estabelecer o diagnóstico, faz perder ao acto médico toda a individualidade.
Mas o mais grave é que a evolução da medicina a tornou excessivamente cara, tão cara que constitui uma das grandes aflições para quem a ela, por desgraça, se vê obrigado a recorrer.
Aqueles que não têm o risco doença coberto pelo seguro sabem-no muito bem? e cada um terá o seu caso para contar, alguns do nosso conhecimento, bem curiosos e elucidativos.
Não se veja, neste comentário, o intuito de misturar o trigo com o joio. Seria injusto fazê-lo. A classe médica merece toda a nossa consideração e respeito e só lastimamos que, de vez em quando, por intermédio do organismo coordenador e orientador da sua actividade, não se expurgue dos que tão mal a colocam na opinião pública.
Mas o seguro não é só responsável, no entender do aviso prévio, pela quebra de individualidade do acto médico; tem também o malefício de desumanizar a medicina, isto é, de transformar a pessoa humana em mero caso clínico.
Não é a própria medicina que se desumanizou, se 6 exacta a afirmação do autor do aviso prévio, isto é, se na realidade se desumanizou. O responsável da desu-inanização é o seguro.
Mas o seguro só tem a função de garantir ao segurado a prestação de cuidados médicos, com as limitações impostas pelo maior ou menor valor da contribuição.
Não tem a menor intervenção no acto médico em si, e fora dele não apreendemos como o pode humanizar ou desumanizar.
E que a «desumnnização» vem da própria evolução da medicina e, diga-se em abono da verdade, em muitos casos, em benefício do próprio doente. E não é ao seguro, réu de muitos delitos, que se deve imputar mais este.
Quanto à expressão a massifica o seu exercício», lamentamos ter de dizer que nos não parece claramente inteligível.
Massificar é um neologismo de que passa a ficar enriquecida a nossa língua, mas de que teria sido útil saber-se, pela autoridade do próprio inventor, o significado autêntico.
Literalmente parece equivalente a «converter em massa». Que entenderá, porém, o autor do aviso prévio por ... «converter em massa o exercício da medicina»?
Depois de reflectir, arriscamos a hipótese de que terá pretendido dizer que, por virtude da instituição do seguro, acorrem às consultas médicas doentes em massa, multidões de doentes. E é verdade: o seguro teve, pelo menos, a virtude de permitir o recurso aos cuidados médicos na doença a muitos daqueles que, antes da sua instituição, se viam obrigados a estender a mão à caridade pública.
Aqui terminamos. Lastimamos não poder dizer a V. Ex.ª que no aviso prévio se contém um sistema per-