218 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109
pode aplicar-se, e o problema está na escolha dos mais perigosos.
O contágio proveniente do homem tuberculoso é directo ou indirecto; esta distinção tem grande importância, porque o directo é muito mais nocivo que o indirecto. Com efeito, os bacilos lançados no meio exterior sofrem influências que vão gradualmente diminuindo a sua virulência. A gravidade da infecção, a este respeito, depende do número e da virulência dos bacilos que entram no organismo; ora, em regra, os que vêm do meio exterior, mais vulgarmente pelas poeiras ou pelas moscas transportadoras de sujidade infectada, que depõem nos alimentos, são em pequeno número e frequentemente de virulência já atenuada. Assim, o maior perigo está no contágio directo, do indivíduo doente ao indivíduo são, mormente no meio familiar e nas convivências profissionais, ou seja quando há mais demorados contactos entre um e outro.
Isto leva à consideração de que a profilaxia, neste aspecto, deve principalmente olhar para o isolamento dos contagiantes que, pela sua posição no meio social, sejam grandes agentes de disseminação da doença, já que não é possível isolá-los todos. Nas escolas, nas fábricas e oficinas, nos estabelecimentos de hospedagem e hospitalização, em casas comerciais, etc.; em todos os locais em que os indivíduos lidem durante horas em cada dia de trabalho, compreende-se bem a facilidade dos contágios. Quanto ao meio familiar, o caso ainda é mais flagrante, pela convivência mais constante.
Uma outra consideração deve apresentar-se a esto propósito, e vem a ser a da maior ou menor probabilidade de o contágio ser operante, dependente da resistência do organismo em face da agressão bacilar. Essa resistência, nos países em que a tuberculose existe desde há séculos, é enorme, impressionante, mas com variantes notáveis, sobretudo dependentes da idade e de certas circunstâncias ocasionais.
A resistência oferece os valores mínimos na infância, e tanto menores quanto a criança é mais nova. Depois vai progressivamente aumentando, com valores máximos na idade escolar. Chegada a adolescência, coincidindo com o desenvolvimento da vida sexual, dá-se uma quebra sensível, que se prolonga pela juventude fora e até um pouco mais além; depois dos 30 anos sobe novamente. As idades mais susceptíveis aos contágios produtores de formas clinicas da doença são pois: em lugar proeminente a primeira infância e logo a seguir a juventude.
O vulto da resistência e suas variações pode avaliar-se pela comparação das percentagens da positividade das reacções à tuberculina com as referentes à mortalidade. Eis números representativos de médias dos valores obtidos em estudos sobre o assunto, feitos em meios, como o nosso é, fortemente tuberculizados:
Positividade das reacções â tuberculina por cada cem indivíduos
Ao ano .................. 15
Aos 3 anos .............. 30
Aos 7 anos .............. 40
Aos 10 anos ............. 50
Aos 15 anos ............. 60
Aos 20 anos ............. 70
Depois dos 20 anos ...... 75
Número de mortes por tuberculose por cada cem indivíduos infectados
Ao ano.................... 7,1
Aos 3 anos ............... 2,1
Aos 7 anos ............... 0,7
Aos 10 anos .............. 0,5
Aos 15 anos .............. 0,5
Aos 20 anos .............. 0,8
Depois dos 20 anos ....... 0,4
Estas cifras são produto de observações feitas três décadas atrás, quando a terapêutica era nimiamente activa, representando por isso, sensivelmente, a evolução espontânea da doença.
Vê-se claramente que a infecção tuberculosa só em reduzida escala dá lugar a formas graves, que levam à morte, principalmente depois de ultrapassada a fase da infância, e dentro desta a dos primeiros dois a três anos de vida. Em compensação, mais tarde, e como regra nos adultos, a doença toma o aspecto de cronicidade, com altos e baixos de manifestações, de sinais, conduzindo à morte depois de uma evolução que dura anos - às vezes muitos. Assim, as quotas da morbilidade não correspondem às da mortalidade, antes se apresentam, até certo ponto, com valores inversos: há muito maior proporção de contagiantes nos adultos do que nas crianças.
A desproporção flagrante entre o número de casos clínicos e o número de infectados resulta do corrente aspecto de benignidade dos efeitos da infecção, apenas manifestados por pequenos transtornos, de passageira duração, quando não são completamente inobserváveis, passando a infecção inteiramente despercebida. Este ponto importa muitíssimo no debate do problema em causa, pelo motivo que passo a expor.
Uma vez inoculado o bacilo, o organismo respondo com um aumento da resistência que anteriormente possuía. Se a tuberculose fosse equiparável a outras doenças infecciosas (como a febre tifóide, o sarampo, a varíola, etc.), o indivíduo infectado, com sinais mais ou menos fortes da doença, ficaria imunizado para sempre contra o respectivo agente. Na tuberculose tal não acontece. A resistência aumenta, mas nem adquire positividade igual à da aludida imunidade, nem tem a mesma persistência, pois dura apenas enquanto o bacilo permanece no organismo.
Os factos passam-se, esquematicamente, da seguinte maneira: efectuada a infecção, vencida a fase aparente, quando esta existe, ultrapassado portanto o período anátomo-patológico da primo-infecção, o bacilo fica acantonado em regra nos gfmglios, adormecido, sem faculdades agressivas, mas continuando a despertar condições de resistência; se desaparece, o organismo volta à situação anterior.
Por isso é impróprio o termo de imunidade para essa resistência, e para ela se criou o termo de premunição.
Esta notável circunstância levou mesmo a pensar que a melhor maneira de ter menos doentes seria a de ter grande número de infectados que oferecessem formas inaparentes ou benignas, por o ataque se ter operado por bacilos pouco virulentos e em pequena quantidade, como é o caso mais corrente da infecção provocada pêlos vindos do meio exterior; uma coisa semelhante ao que se passa com as imunidades sem sinais aparentes, tão vulgares nas doenças infecciosas imunizantes. Em matéria de epidemiologia, há faces contraditórias, ambas apoiadas em seguros argumentos.
Voltemos, porém, à análise da evolução do processo infeccioso pelo bacilo em questão, tendo vincado o fenómeno da premunição como elemento valioso de resistência ao agente da tuberculose.
Os bacilos que ficaram no organismo, em estado do virulência latente, podem readquiri: a faculdade de produzir lesões, se circunstancias ocasionais quebrarem a resistência existente. É o caso de doenças anergizantes, com o sarampo e a gripe à cabeça; é o caso das carências nutritivas e das fadigas esgotantes e o da perturbação funcional da adolescência, pura só citar os mais salientes. Opera-se uma reinfecção endógena, de grande contribuição para a patologia do adulto, apreciada diversamente pelos estudiosos do assunto - uns ligando-lhe maior papel que o exercido pela infecção ou reinfecção