582 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130
O reconhecimento deste facto, na altura em que se julga oportuno abrir mais rasgadas perspectivas à consolidação do sistema corporativo, leva o Governo a substituir aquele decreto-lei pelas bases dos capítulos I, II e III deste diploma - que, pelo seu alcance social e político. se submete à apreciação da Assembleia Nacional.
Sobre o conteúdo da proposta e sobre os princípios e intenções que os inspiram não se torna mister, segundo se crê. fazer largas considerações, Esboçar-te-á apenas uma ou outra breve nota sobre matéria de maior interesse.
19. Começar-se-á por dizer uma palavra sobre os organismos de coordenação económica em face da instituição das primeiras corporações.
Prevê a proposta de lei que esses organismos, enquanto forem julgados necessários, funcionem como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos, sempre que possível, ser constituídos pelas secções destas.
Mantém-se desta fornia, e por medida de natural prudência, a orientação já seguida no Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938, que veio atenuar a rigidez da solução consagrada no Decreto-Lei n.º 25 757, de 8 de Julho de 1936, segundo o qual os organismos de coordenação económica seriam integrados nas corporações, logo que estas se constituíssem. As razões que levaram então o Governo - como se escreveu no relatório deste último diploma - aã procurar dispor de elementos de acção impregnados do novo espírito e menos próximos da esfera burocrática tradicional que dos recém-criados organismos corporativos» fizeram surgir «a par dos grémios, uniões e federações - organismos de natureza um tanto diversa, por neles predominar nitidamente a inspiração do Estado e serem oficiais as suas funções».
Já no relatório do Decreto-Lei n.º 29 11O se patenteia ponto de vista um pouco diferente. Na verdade, nele se diz:
Como órgãos executarias de algumas destas funções (funções de estrita competência do Estado, visto caber a este o papel de intérprete supremo do interesse geral) e servindo de elementos de ligação com a orgânica corporativa, subsistirão os actuais organismos de coordenação económica, devendo ser transferidas para as corporações certas atribuições que os mesmos exerceram na fase experimental agora terminada. É, porém, possível que alguns desses organismos, de futuro, deixem de subsistir, se se verificar que podem ser substituídos quer pelas corporações, quer pelos serviços normais da máquina do Estado.
Continua o Governo fiel a esta orientação, e por isso a reafirma, sem prejuízo de entender que importa acompanhar o problema muito de perto, para que se apure quais os organismos de coordenação económica que porventura, devam subsistir e aqueles que devam integrar-se na corporação ou no Estado, e ainda quais as atribuições dos mesmos organismos que convenha passar para a competência das corporações. E isto porque não pode reduzir-se o âmbito das funções normais da corporação, nem podem converter-se em definitivas construções que nasceram sob o signo do provisório e com feição pré-corporativa.
20. Dá-se mais uma vez expressão jurídica à essência do nosso corporativismo ao atribuir às corporações a qualidade de pessoas colectivas de direito público. Marca-se assim nítida oposição doutrinária ao antigo corporativismo italiano, que expressamente retirava as corporações personalidade jurídica, por as considerar órgãos do Estado, e reafirma-se o princípio sempre proclamado da natureza associativa do sistema corporativo português. Na linha do pensamento que norteou a Organização desde o seu início, nega-se o corporativismo de Estado e pretende-se, com a autonomia das corporações, que estas, representantes legítimas e naturais das actividades que integram, harmonizem as divergências dos interesses e se apresentem perante o Estado como «a imagem viva do País. na sua economia e na sua vida intelectual e moral».
Julga-se ter encontrado a solução de equilíbrio que, sem prejuízo dos poderes constitucionais do Estado dê à corporação aquela autonomia tida como inerente ao pleno rendimento do organismo que é o vértice do sistema. E tal rendimento será perfeito na medida em que a corporação, exercendo todas as atribuições que lhe são conferidas, salvaguarde os justos limites de iniciativa privada e permita à pessoa humana o livre ordenamento os valores do espírito, tendo em vista os fins superiores da vida.
Está-se, assim, convicto de que a solução corporativa portuguesa, agora a caminho de se completar, é a melhor via de resolução dos problemas nacionais e a única capaz de, através da representação natural dos grupos e pela realização da justiça social, alcançar o bem da colectividade.
Opõe-se o nosso corporativismo não só às concepções do liberalismo individualiza, como a quaisquer doutrinas totalitárias, mesmo as de forma corporativa, e designadamente no sistema comunista, que, aniquilando a liberdade e os valores espirituais, se torna incapaz de contribuir para a melhoria do nível geral de vida da comunidade, por maiores que pudessem vir a ser as suas realizações materiais.
Sabe-se que a competência agora atribuída às corporações limita o poder do Estado. Apesar disso, não se hesitará em reforçar mais ainda aquela competência, se vier a reconhecer-se tal necessidade. Esta autolimitação é por si mesma uma consequência lógica da ética em que assenta a estrutura política e social da Nação Portuguesa. Só um Estado possuído destes princípios poderia permitir e fomentar - e fá-lo sem subversão nem abdicação do direito e do dever de presidir superiormente à vida económica e social - uma organização de interesses nacionais em toda a escala dos valores, tanto mais proveitosa para o País quanto mais solidamente estruturada e cônscia das responsabilidade* da sua autonomia. Em relação com este pensamento, e independentemente das atribuições de carácter económico, técnico e social previstas na base IV, citam-se três significativas disposições da presente proposta de lei, cujo contributo para a valorização das corporações é por demais evidente: a possibilidade de os seus presidentes assistirem às reuniões do Conselho Corporativo, a de audiência das Corporações pelo Governo sobre matéria da administração pública e ainda a substituição por elas, sempre que possível, dos próprios órgãos consultivos dos Ministérios.
21. Se um dos escopos do regime corporativo é salvaguardar a livre iniciativa, na medida em que ela não fira as conveniências gerais, e obstar a que, ao procurar-se a realização do interesse comum, se sacrifique a personalidade do homem a pretensas razões de Estado, compreender-se-á bem que se tomem todas as cautelas na materialização jurídica dos princípios e na sua efectivação.
Se o interesse colectivo não é coincidente com o conjunto dos interesses individuais - pensando-o, o individualismo cometeu o seu maior erro -, não é menos