15 DE JUNHO DE 1956 1133
Tem a palavra o Sr. Deputado Amorim Ferreira.
O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: a proposta de lei em discussão correspondente ao preceito contido no artigo 55.º da Constituição Política, de que a lei regulará a organização geral da Nação para o tempo de guerra, em obediência ao princípio da nação armada; e vem no seguimento de dois diplomas anteriores, decretados pela Assembleia Nacional, que o novo diploma se destina a actualizar e ampliar: a Lei n.º 2024, de Maio de 1947, que promulgou as bases da defesa nacional, e a Lei n.º 2001, de Janeiro de 1952, que substituiu a anterior e promulgou as bases da organização da defesa nacional.
O desejo desta Câmara e de cada um dos sons membros seria antes contribuir para a resolução de problemas da paz e do progresso moral e material da Nação; mas as realidades obrigam a tomar medidas destinadas a prevenir aquilo que depois seria impossível remediar.
O período de onze anos que vem desde o fim da segunda guerra mundial tem sido dominado pela busca ansiosa de uma estrutura aceitável de paz. Perdeu-se a conta das conferências de presidentes, ministros, suplentes e técnicos, dos debates na Organização das Nações Unidas, das comissões e subcomissões que se reuniram, das diligências diplomáticas realizadas, dos milhões de palavras que se disseram e dos documentos que se publicaram.
A última conferência de desarmamento reuniu-se em Londres, em 19 de Março deste ano, já depois de remetida à Assembleia Nacional a proposta de lei em discussão. Intervieram nela delegados do Canadá, dos Estados Unidos, da França, da Grã-Bretanha e da União Soviética, constituídos em subcomissão da Comissão de Desarmamento das Nações Unidas.
A conferência terminou em 4 de Maio e no mesmo dia as quatro potências ocidentais publicaram uma declaração conjunta em que registavam aquilo que já era bem conhecido: a delegação soviética não aceitara as propostas submetidas pelas nações ocidentais e não fora possível conciliar as divergências entre Leste e Oeste. A declaração continha ainda a afirmação de que «a conciliação dos pontos de vista em oposição é possível e necessária» e reafirmava o propósito de continuar os esforços no seio das Nações Unidas «para procurar um acordo sobre desarmamento, como desejam os povos de todas as nações».
À malograda conferência de Londres seguiu-se o anúncio espectacular pela União Soviética de uma redução substancial dos efectivos das suas forças armar das, anuncio imediatamente aproveitado para fine de propaganda. Contudo, é possível -é mesmo provável - que se realize a anunciada redução do efectivos militares.
A União Soviética tem fortes razões para querer aproveitar diferentemente uma parte do pessoal, do material e das verbas actualmente destinados às forças armadas. Precisa de elevar o nível interno de vida, para aproximá-lo do das nações ocidentais, e para isso terá de colocar anais pessoal na agricultura e na indústria. A resolução do problema da habitação, que é premente na União Soviética, exigirá muita mão-de-obra e muito material. E a redução do orçamento militar dará disponibilidades financeiras para lutar com as nações ocidentais no auxílio económico aos países subdesenvolvidos.
Mas não se conclua, apressadamente, que a uma redução, mesmo substancial, dos efectivos militares corresponda uma diminuição do potencial militar da União Soviética. Os homens desmobilizados e as verbas disponíveis pela redução dos efectivos das forças equipadas com as armas dos tipos convencionais serão deslocados para a agricultura e para a indústria, mas também para a produção de armas atómicas. E uma das consequências de equipar as forças militares com os novos engenhos, disponíveis é a possibilidade de reduzir os seus efectivos sem diminuir o seu potencial nas novas condições estratégicas.
Seja como for, há que tomar precauções. E não nos deixemos abalar na firmeza de propósitos pela circunstância de que, segundo o Anuário Demográfico das Nações Unidas publicado há dias, para uma população mundial que era de 2652 milhões em meados de 1954, a China vinha em primeiro lugar, com 582 milhões, seguida da União Indiana, com 377 milhões, e da União Soviética, com 214 milhões, vindo os Estados Unidos em quarto lugar, com l62 milhões. Os países imediatamente a seguir já estavam na casa dos 80 milhões e os outros abaixo deste número.
No estudo da proposta de lei em discussão, com os aperfeiçoamentos nela introduzidos pelo lúcido parecer da Câmara Corporativa, preocupei-me mais com apreender o conteúdo global da proposta do que com examinar os seus pormenores de carácter técnico, para o que me faltaria a competência especializada de muitos colegas ilustres desta Casa.
Honestamente confesso que, com o passar dos anos, vou reconhecendo que sei muito pouco de um escasso número de assuntos e cada vez acredito menos na possibilidade de se saber tudo de qualquer assunto em que se toca. Por outro lado, no exame de um documento da envergadura e com as possíveis repercussões daquele que discutimos, sinto fortemente a verdade daquela frase, velha de muitos anos, de um comentarista de Tácito, que para não perder sabor me permito traduzir assim: «Tanto podem a razão e a alma das leis que não se cumpre com elas quando só se satisfaz à sua letra».
Esta proposta de lei, que amplia e actualiza as bases anteriormente decretadas da organização da defesa nacional, dá a impressão de que iríamos preparar-nos para uma guerra que faríamos sozinhos. Mas sabemos que não é assim, até porque, com os meios de destruição actualmente disponíveis, nenhum Estado pode garantir a segurança física e económica dos seus cidadãos.
Sabemos, além disso e de certeza, que, se acontecer o pior e tivermos de entrar em guerra, o faremos incluídos em determinado grupo de nações, conforme obrigações livremente assumidas em tempo de paz e como membros da comunidade atlântica. A esta circunstância, que me parece fundamental, não faz alusão o texto da proposta; e só o parecer da Câmara Corporativa se refere brevemente a ela em algumas passagens.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte surgiu há sete anos, como sistema puramente defensivo para a segurança comum das nações participantes. Como disse o Sr. Presidente do Conselho no seu discurso de 30 de Maio, este sistema defensivo a ocidente, organizado com um pouco mais de realismo que de costume, conseguiu entravar o movimento de leste, porque ao esforço de quase todos os países da Europa livre se juntaram, multiplicando-o, o Canadá e os listados Unidos.
É forçoso reconhecer que, atingido no fim dos primeiros cinco anos o objectivo estratégico de entravar o avanço soviético para oeste, um sentimento de mal-estar e incerteza sobre o futuro da O. T. A. N. tem vindo a desenvolver-se nos dois últimos anos, com expressão o pública mais acentuada nas últimas semanas.
O rearmamento alemão tem sido muito mais lento do que se esperava. A participação militar francesa diminuiu grandemente com a deslocação de forças para o Norte de África. Surgiram atritos entre membros da O. T. A. N., quer no extremo norte do Atlântico, quer no Mediterrâneo Oriental. A zona do conflito