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1288 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 164

com todas os suas implicações na formação do preço, aia expansão e retracção da produção e dos consumos, na formação dos capitais e na sua subdivisão em fixos e flutuantes. E sem a economia de mercados dificilmente se pode conceber a existência da empresa privada, da iniciativa particular e da concorrência, requisitos essenciais de um sistema económico não totalitário, qual o sistema económico do Ocidente, em que temos de viver, quer queiramos quer não. Não vale n pena, por isso, construir para qualquer outro sistema económico. Seria utopia inconsequente e perigosa.
Da universalidade do comércio nem velem a pena falar (tão evidente ela é) se não vivêssemos numa época estranha de autocegueira, em que os que deveriam ver se obstinam em não querer abrir os olhos.
Não há riqueza produzida que não seja objecto de um ou mais actos de comércio. A atitude mental do comerciante, a sua arte, as regras da técnica comercial suo claras e uniformes na sua pluralidade. O seu objectivo é comum na variada gama da sua intensidade.
O comerciante é o defensor funcional do consumidor, o seu mais eficaz defensor, porque a prosperidade do comerciante depende da capacidade que demonstrar para atrair fregueses e estes conquistam-se, sobretudo, pela tentação dos preços mais baixos. E, assim, o comércio colabora constantemente na elevação do nível de vida real. Por isso o comércio é pela concorrência e, na medida em que o é, contraria a formação dos lucros excessivos e está no pólo oposto dos monopólios.
O comércio é um agrupamento poderosamente integrado, com uma forte consciência colectiva, é a suprema essência da concorrência, poliédrica, concorrência activa e incondicional em todas as facetas em que ela se opera: não só no preço, que é o essencial, mas também na qualidade, no trato com os fregueses, no arranjo das instalações, nas facilidades de pagamento, na variedade do sortido - que sei eu ainda?

O Sr. Cortês Pinto: - Compreenderia que houvesse modificações; agora considerar-se desvirtuada a função social do comércio é que não vejo como possa ser.

O Orador: - O comércio funcionando agrupado em sectores económicos separados em que a tendência para o preço fixo parece estrutural deixaria de constituir um verdadeiro mercado, perderia a iniciativa e o estímulo dos riscos, e isto deformaria a mentalidade do comerciante.
Mas continuo nas minhas considerações, porque nelas encontrará talvez V. Ex.ª resposta ao reparo apresentado.
Assim como o comércio tende para a concorrência ilimitada, a indústria tende para a concentração e o monopólio. Assim como o comércio tende para o preço mais baixo, a indústria tende para o preço mais remunerador (que não é o mais baixo e pode não ser o mais alto que em regime de concorrência se estabeleceria, mas sim aquele que render o maior produto).
São diferentes em cada uma das três funções (agricultura, comércio e indústria) os valores e a medida da integração.
Perdida a independência no seu enquadramento contranatura nas corporações de indústria ou da lavoura, subordinado o seu pensamento ao pensamento industrial e ao do lavrador, o comércio sofreria grave deformação na sua arte e na sua técnica.
Desvirtuada a sua função social, uma nova economia surgiria no horizonte, menos humana, menos funcional, a fugir dos mercados, a destacar-se do Ocidente, de que depende e donde, afinal, se não poderia emancipar. Por que preço lhe ficaria acorrentada?
Repetirei aqui o que algures disse sobre o alto grau de integração que se verifica no agrupamento comercial:
No comércio, patrões e empregados trabalham juntos ao mesmo balcão ou no mesmo estabelecimento, conhecem-se pessoalmente e estão frequentemente ligados por relações de parentesco. O pessoal tem larga permanência na empresa. Quando entra ao serviço é para ficar.
No comércio a segurança social realiza-se espontaneamente, sem esforço, como coisa indiscutível, segurança que a consciência colectiva tornou um imperativo das consciências individuais.
No comércio as hierarquias superiores formam-se em regra, por ascensão 'dais camadas inferiores. Ao patronato chega-se por via hierárquica. O comércio renova-se com o seu próprio sangue.
Assim é de facto a corporação do comércio; assim está constituído o vasto aglomerado humano que exerce entre nós esta função económica, esta função social.
Desmembrá-lo é desintegrá-lo, o que significa destruí-lo. No seu aniquilamento arrastaria consigo a economia de mercados, e com ela essa força insubstituível do progresso: a concorrência.
Destruído o clima económico próprio ao seu desenvolvimento e prosperidade, a livre empresa some-se na socialização e a iniciativa privada, sem estímulos e sem instrumento, deixa de ter razão de ser.
Desaparecido o comércio independente em activa concorrência, socializados ou comandados autoritariamente os capitais flutuantes, desmembra-se uma poderosa força política, uma das mais poderosas forças que integram a nação - a classe média -, que foi através da história e hoje mais do que nunca é poderoso baluarte da pessoa humana, classe média que, na medida em que se desligue do comércio, irá reforçar essa temível aristocracia nascente dos tecnocratas, que ameaça subverter o mundo.
Por tudo isto, não é de aceitar a doutrina e a proposta da Câmara Corporativa.
Ao institucionalizar-se o comércio não devemos também esquecer-nos do poder da tradição e do prestígio das instituições existentes. Quero referir-me ao vasto sistema das associações comerciais da comunidade luso-brasileira, criação portuguesa da primeira metade do século XIX, com a suo designação tipicamente portuguesa, que distingue o tramo luso-brasileiro dentro do sistema mundial dos câmaras de comércio em que se integra. Sob essa designação genérica se aglutinou o comércio em Portugal, na África e Ásia Portuguesa e no Brasil. Mais de duzentas dessas associações existem no mundo português, com os suas federações e a sua confederação brasileira, enquadrando mais de cem mil associados, representando mais de um milhão de pessoas directamente ligadas à função empresarial, pelo capital ou na gestão dos negócios.
O desaparecimento do ramo português do sistema que oriámos e se tornou vasto e influente, sobretudo no Brasil, onde o elemento português nele prepondera, quebranta um dos mais poderosos elos de integração política no plano nacional e no plano da comunidade - realidade que também conta.
Ao alvorecer do corporativismo português como doutrina política aplicada pensava-se no corporativismo de associação. Mas também ao despontarem os primeiros organismos o Estado, ou, melhor, o Governo, quis imiscuir-se na vida e orientação das actividades organizadas corporativamente, precisamente por ver neles um instrumento da sua política ou por ter pressentido que lhes concedia um monopólio colectivo.