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12 DE JULHO DE 1956 1289

As perturbações que esta orientação tem trazido, os problemas que tem suscitado, os apuros em que tem colocado constantemente o Governo, o artificialismo que imprimiu à economia portuguesa, a perda de elasticidade a que a conduziu no seu inevitável ajustamento de constante mutação dos factos económicos, parecem reconstituir prova de experiência suficientemente ampla para se poder por ela aquilatar das transformações que se impõem.
O pior foi que o vício criou raízes e se agravou, em vez de se atenuar com o tempo, numa ânsia por parte de Estado de satisfazer o pedido generalizado de segurança nos negócios, de estabilização do custo de vida, procurando assim servir a empresa e o consumidor, e, por reflexo, alcançar a estabilidade do salário e a constância do emprego, ao mesmo tempo que se fortalecia e consolidava o poder do Estado, do Governo a melhor dizer, de quem afinal tudo e todos dependeriam.
Tal como o sindicato operário nasceu no período áureo do liberalismo individualista para lutar contra a omnipotência do empresário perante a massa dispersa dos trabalhadores, assim o corporativismo expressa nu mundo moderno uma forma de estruturação da nação mais orgânica do que o parlamentariam), capaz de contrariar com eficácia a marcha ascensional do Estado para a omnipotência e dar-lhe simultaneamente, esteio funcional e técnico-político que corresponda no político ao avanço da tecnologia (com todas as suas» implicações na ordem material e moral) e ao progresso das instituições sociais e económicas, realizando assim a suprema aspiração da humanidade de hoje: «O Estado ao serviço da nação, e a nação organizada ao serviço do homem», porque é, afinal, da felicidade do homem que se trata, supremo objectivo da criação.
O espírito corporativo ou é uma realidade social que vive nas almas, e pode, portanto, tornar-se institucional sem dificuldade, ou não é uma realidade social, e as instituições que se criarem sem consciência própria não lograrão ter vida independente e estiolar-se-ão a breve trecho, sem chegarem a ter qualquer significado social, ou serão absorvidas pelo Estado, acrescendo a sua armadura e poder a entorpecer a vida da Nação com mais algumas repartições públicas.
No relatório e na proposta do Governo insiste-se em mais de um passo sobre a personalidade das corporações. Fala-se constantemente do Estado, por um lado, das corporações, por outro, e dos órgãos de ligação que devem estabelecer o contacto entre ambos.
Não se trata, portanto, de organizar um Estado corporativo. O que se pretendia é organizar corporativamente a Nação, a Rex Publica, para que o Estado seja dela e não ela do Estado, para que a organização, articulando a consciência complexa dos interesses, possa contrabalançar a poderosa consciência do Estado, para que o seu poder funcionalmente estruturado possa fazer frente ao poder dominador do Estado e chegar assim a um equilíbrio de poderes, que ti totalmente inexistente nos nossos dias e sem o qual o homem e a sociedade se encontram à mercê do Estado omnipotente.
A Nação organizada corporativamente discute com o Estado, não se lhe submete incondicionalmente.
É precisamente para fazer frente, para. lutar contra o poder excessivo do Estado, que no seu natural crescimento, tende para o domínio total da sociedade, que o corporativismo se situa, opondo à apertada estruturação do Estado a estrutura corporativa da Nação.
É da independência das duas organizações, e não da sua fusão ou da subordinação de uma à outra, que se trata.
É este o problema que nos defronta: em que medida é o espírito corporativo uma realidade nacional? Existe ele em todos os sectores da actividade social? E que forma toma? Quais os sectores que deverão permanecer no Estado ou vir a ser absorvidos por ele e quais os que lhe deverão ficar estranhos, conservando a sua independência.
É evidente que num corporativismo totalitário (não confundir totalitário com integral) todas as actividades estariam organizadas e o seu conjunto constituiria si Estado, enquanto num corporativismo antitotalitário só fariam parte do Estado aquelas actividades que derivam dai. funções que lhe estão reservadas, e que são as que não pulem ser satisfeitos com eficácia pelo agregado social agindo autonomamente.
É este o tipo de corporativismo que parece informar a proposta do Governo e encontra a simpatia de muitos dos nossos homens públicos responsáveis a melhor reage às propensões da Nação Portuguesa nu sua espontânea integração e ao espirito que a informa, conforme se expressa em inúmeras manifestações da sua vontade. E, no final, é ela que couta, porque, contra a Nação e a sua vontade soberana nada há a fazer. Contra ela nenhum sistema se torna realidade. A integração faz-se num sentido e o sistema segue noutro. Nação e sistema volvem-se as costas. A realidade divorcia-se da utopia.
É isto o que tem de original o corporativismo: a possibilidade de coexistência harmónica, entre a Nação organizada e o Estado forte, por oposição à Nação inorgânica ante o Estado impotente, ou ao Estado totalitário perante a Nação aterrada.
E aqui põe-se o problema de como há-de estabelecer-se o contacto entre a corporação e o Estado.
Podem conceder-se quatro soluções: ou dois sistemas independentes, a Nação organizada corporativamente e o Estado em busca de equilíbrio funcional, possivelmente através de uma câmara intermédia em que os dois poderes se defrontem, ou corporações autónomas em contacto com o Estado unicamente através da Câmara Corporativa, ou corporações autónomas em contacto com o Estado através da Câmara Corporativa quanto a determinadas funções e através do Governo quanto a outras, ou, finalmente, o enquadramento total das corporações na estrutura do Estado, que por ele seriam comandadas.
Nesta última hipótese, o corporativismo seria apenas uma forma de estruturação do Estado, porque, perdida a personalidade, que a independência gera e preserva, a corporação teria deixado de ser.
Quando no relatório do Decreto-Lei n.º 29 110 se diz que «constitui fim superior a integração (no Estado) de todas as manifestações da vida da Nação - na sua máxima projecção mural e material», corre-se um grave perigo, se o propósito expresso for na sua aplicação levado às máximas consequências. Poderia chegar-se ao Estado totalitário por querer evitá-lo.
No decurso da minha exposição disse o suficiente, para se poder ajuizar da posição que assumo, frente a este problema.
Assim como o Governo e a Câmara divergem sobre princípio da autonomia e a sua medida, assim também divergem o Governo e a Câmara Corporativa quanto à forma dos organismos.
Enquanto a Câmara procura a uniformidade, e só tansige em desviar-se dos padrões quando não pode deixar de ser e só no mínimo indispensável, o Governo aceita a realidade e procura institucionalizá-la num corporativismo multiforme.
O Governo foge no critério mecânico de organização e evita provocar artificialmente a integração, em obediência a nana estruturação abstracta. Procura institucionalizar o que observa no mundo real.