12 DE JULHO DE 1956 1285
estruturação do Estado, lhe dêem forte e permanente esteio, sem perderem a sua independência, para que o Estado seja par elas e não elas para o Estado.
É na medida em que o Estado se não torna impotente perante as actividades ou as actividades se não burocratizem numa subordinação total ao Estado que se atinge o equilíbrio funcional no campo político. Nem anarquia, nem totalitarismo. Difícil compromisso entre dois poderes que se medem e que só poderão harmonizar-se nu medida em que se equilibrem.
Mas será a base corporativa do sufrágio menos particularista do que a base popular?
Não será mais acentuada a demagogia dos interesses do que a demagogia da rua?
Não expressará o sufrágio directo, na multiplicidade das consciências individuais formadas no conflito de um sem-número de interesses, de sentimentos, de ideias, com maior exactidão u vontade nacional em todos aqueles problemas simples, mas por vezes fundamentais de interesse geral, por oposição aos problemas específicos das corporações?
Não será a cada indivíduo, cada voto» a única possibilidade deixada ao homem de afirmar a sua vontade política como ela surge na consciência individual da luta. entre a lealdade ao grupo e a afirmação da independência da pessoa humana, entre a compreensão da disciplina e o temor da escravidão?
O que seria uma câmara única corporativa, uma câmara de especialistas, uma câmara sem políticos, uma câmara sem homens capazes de sentir e pensar sobre os problemas de conjunto no plano nacional, problemas que saem para além das actividades, dos interesses seccionais, que não são a sua soma, nem a sua fusão, mas podem ser decisivos para a vida nacional, sem, contudo, afectarem substancialmente nenhuma das actividades?
Não será o voto dos intelectualizados mais revolucionário do que o das massas?
Para fugirmos às flutuações do sufrágio universal não cairemos num sistema de sufrágio muito mais perigoso, politicamente mais dinâmico e por isso mesmo mais subversivo?
Não iremos transportar para o seio das corporações a mesma luta de ideologias, de partidos imperfeitos, de grupos rivais, de pessoas, que constitui a realidade da vida nacional?
Limitar-se-ão as corporações, no exercício dos seus direitos políticos, a pronunciar-se, a votar conforme os seus interesses funcionais?
Não serão os seus delegados tentados, muitas vezes, a ultrapassar esses interesses específicos, ou, quando esses interesses não estiverem em jogo, não se desviará o seu voto para o campo ideológico, ou será ele comandado pelas afinidades ou simpatias pessoais?
Não será preferível equilibrar os dois grandes grupos de forças - o dos interesses e o dos sentimentos, das ideias gerais, das aspirações no plano nacional -, articulando-os convenientemente?
Para que seja verdadeiramente funcional a representação política que incumbe à corporação, tem de ficar assegurada a sua independência. As corporações são as raízes do Estado, são órgãos vivos apenas subordinados u disciplina constitucional.
Por isso mesmo as funções deixadas às corporações têm de ser limitadas àquilo que elas possam verdadeiramente exercer com utilidade.
Por isso mesmo ao Estado não devem caber funções económicas para além do planeamento geral, com exclusão portanto da intervenção directa normal na vida económica (planeamento, por oposição a dirigismo), porque aquilo que nesse campo for vedado à corporação com mais forte razão deverá ficar vedado ao Estado.
Temos, por isso, de assentar se queremos um corporativismo coexistente com a economia de mercados ou se queremos um corporativismo dirigista, agrilhoado ao Estado através do cordão umbilical dos organismos de coordenação ou por qualquer outra forma.
Constitucionalmente pertence ao Estado «coordenar e regular superiormente a vida económica e social», por forma a estabelecer o equilíbrio dos diversos factores da produção, mas não se diz na Constituição em que medida nem por que forma se efectiva a coordenação. Por isso não será inconstitucional discuti-las.
Parece opinião assente de muitos tratadistas da doutrina corporativa que a coordenação é a grande função, a razão de ser, a essência mesma do corporativismo. s Ë que a competência coordenadora - diz o parecer da Câmara- está tão ligada à hierarquia corporativa que pode considerar-se implícita na ideia de corporação».
Mas como se efectiva a coordenação?
Os critérios divergem. Uns entendem que o Estado deve intervir sobre a concorrência tomada no seu significado mais amplo, outros entendem que a deve substituir (pelo menos em determinados aspectos, como o preço), outros, ainda, que a coordenação pode nada ter que ver com u concorrência, porque se trata da função arbitrai do Estado ou dos órgãos corporativos nas suas sucessivas camadas hierárquicas.
Seja como for, o que não só compreende é que. sendo a coordenação uma função constitucional do Estado, as corporações a possam exercer, a não ser com seu consentimento ou sob a sua autoridade suprema. Por outro lado, também se não compreende como a função coordenadora do Estado se possa harmonizar com o princípio da autonomia ou independência da corporação, pois a coordenação concebida pelo Estado será imposta por ele à corporação. Quando a corporação for pela concorrência e o Estado contra ela, como funcionará a coordenação?
Pela supressão da concorrência ao nível da corporação?
Será antes o Estado que deverá limitar-se u assegurar o eficaz funcionamento dos mercados em concorrência, defendendo-os contra desvirtuamentos?
O que não pode ser, o que não pode funcionar é a coexistência de duas autoridades coordenadoras independentes, como parece deduzir-se da Constituição, que atribui ao Estado a função coordenadora, e do Decreto-Lei n.º 29 110, que a concede às corporações.
Mesmo que fosse possível delimitarem-se os campos ficando reservada à corporação a coordenação interna e ao Estado a coordenação intercorporações, a corporação ficaria subordinaria ao Estado num vasto campo de coordenação, a coordenação exterior, que acabaria por afectar no seu funcionamento a própria função coordenadora interna da corporação, destruindo-lhe a independência.
No campo da coordenação económica estamos colocados em face de uma alternativa: ou saneamos n nossa economia, para nos fixarmos num sistema ciam de activa concorrência em mercados organizados, em que a coordenação é função natural, ou nos fixamos num sistema económico conduzido sob o signo da justa remuneração dos diversos factores da produção, em que a coordenação não pode deixar de ser autoritária.
Num caso a coordenação resulta suas reacções espontâneas de milhões de vontades, no outro das lucubrações de algumas inteligências.
Uma economia de meio termo não pode funcionar eficazmente, e, das outras duas, qual funcionará melhor?
Temos longa experiência da primeira; são muito limitados os ensinamentos que da segunda nos vêm.