30 DE MARÇO DE 1957 497
Sr. Ministro das Obras Públicas pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu quero neste momento juntar os meus. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para continuar a efectivar o seu aviso prévio sobre o problema económico português, o Sr. Deputado Daniel Barbosa.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: continuando na minha exposição iniciada ontem, devo dizer que, como é natural, a situação económica que referi e que define ainda um baixo nível médio de vida da nossa população- não pode deixar de acarretar particulares consequências no campo político também.
Vejamos este aspecto do problema, que é extremamente delicado, com particular atenção.
Sob o ponto de vista político, um governo afirma-se, junto das grandes massas populacionais, muito mais pelas suas realizações do que pela sua doutrina; particularmente hoje em dia, em que as paixões de propagandas contrárias e as facilidades de comparações nem sempre equilibradas ou justas facilitam a criação de ambientes propícios a críticas quantas vezes precipitadas e imerecidas.
E destas críticas resultarão estados de aceitação, de rejeição ou de indiferença pela política governativa a que seja fácil atribuir o sucesso ou o insucesso de medidas ou de determinações de que o país esperava determinado resultado ou determinado alcance.
É diferente, como se torna evidente, a forma e o espírito crítico dos elementos de elite ou daqueles que compõem a grande massa populacional de uma nação, sendo tanto mais acentuada a diferença quanto é certo que o nível geral de cultura capaz de permitir avaliar os actos políticos do governo varia, de certo modo, proporcionalmente ao nível geral de vida do país.
É compreensível que vários objectivos integram ou podem integrar a preocupação da felicidade que os políticos responsáveis procurarem conseguir para um agregado populacional: serão a maior riqueza e a maior velocidade do seu acréscimo, serão a garantia do pleno emprego e a das grandes reformas sociais, serão a longevidade e a saúde a definirem-se conjuntamente numa maior quantidade de vida, será a identificação do óptimo populacional com o máximo, será uma repartição conveniente e equitativa do rendimento nacional a definir-se numa maior quantidade total do bem-estar, serão a cultura, a educação e o conhecimento que podem implicar um critério de óptimo populacional diferente do óptimo económico, serão ainda a harmonia social, o equilíbrio familiar, a extensão de meios afectos a diversos objectivos colectivos, tais como os da defesa ou do crédito externo, por exemplo.
Assim se definem, num campo de reformas político económico-sociais, programações de governo e materializações de doutrinas; decorrem, porém, no seu conjunto e situam as suas metas finais - posições quase sempre de passagem para novas metas mais distantes - pelo tempo fora, ultrapassando frequentemente a vida de várias gerações.
Daqui a necessidade imperiosa de ter sempre o país num estado de compreensiva aceitação, que o leve, não a suportar sem interesse uma política, mas a integrar-se nela consciente dos seus interesses e razão.
Sabemos, por salvadora experiência própria, que um princípio de sólida administração governativa que fuja aos sucessos imediatos de fácil demagogia, na preocupação construtiva de preparar um futuro, não pode deixar de impor restrições e sacrifícios para o presente; isto não pode significar, porém, que o presente deva descurar-se em sacrifícios inúteis ou prolongados, quando até desta situação, que não convém, pudessem resultar danos de certa monta para o futuro que queremos preparar.
Por outro lado, todos sabemos também que a felicidade de cada um se compõe de possibilidades, ou de satisfações, nos campos moral e material e que, conforme os temperamentos e as formações, assim pesa nas ambições de cada um a obtenção de umas ou de outras.
Existem, de facto, na vida individual e social que define o nosso meio, outros fins mais nobres e altos do que a simples acumulação de riquezas materiais, de tal forma que os homens não podem deixar de se subordinar nos seus desideratos ao direito, à religião e à moral; a uma ética, enfim, com vista exactamente a defendê-los de um materialismo sórdido, que os desgraçaria ao fim e ao cabo.
Há ricos e há riquezas ao modo de cada um, pelo que respeita à possibilidade de satisfazer necessidades que os conceitos mais diferentes da vida deverão efectivamente traduzir; poderíamos admitir então que o egoísmo e o altruísmo se podem, de certa forma, encontrar para obter a «maior riqueza», que consiste, como tão bem observou o padre Renard, não nas coisas consideradas em si mesmas, mas nessas coisas consideradas através do valor que o homem, dentro de uma subjectivação de apreço, na realidade lhes confere.
Poderíamos dizer que encontraríamos os limites dessa subjectivarão de apreciação na vida faustosa, de riqueza oriental, do potentado Aga Khan e na vida riquíssima de dedicação, de poesia e de caridade sem mácula dessa figura inconfundível da humanidade e da Igreja que foi S. Francisco de Assis.
Simplesmente, por maior que seja a reacção tão dignificante dos ascetas, dos indiferentes às riquezas materiais, o homem, na sua generalidade, nunca se pôde abstrair delas, até pela razão bem simples de que muitas vezes lutava, e luta, não por riquezas que se acumulem por ambições ou por avareza, mas por mínimos vitais de possibilidades para si e para os seus.
Esta verdade não é de hoje nem de ontem, mas de sempre; e de tal forma que as condições económicas dos povos foram contínua e sucessivamente factores determinantes não só da sua conduta, mas do seu destino até, constituindo um axioma para interpretação dos fenómenos sociais que se perde na história dos pensadores, dos sábios e dos filósofos.
Já na própria República e nas Leis de Platão não faltavam generalizações respeitantes à ligação estreita entre as condições económicas e os fenómenos sociais, afirmando-se assim, a par de Tucídedes e de Aristóteles, a importância que os filósofos e os historiadores da velha Grécia ligavam a essa correlação; correlação, aliás, que, como lembra Sorokin, no Zendavestá dos masdeístas, nos livros sagrados da índia, em Buda, em Meneio, em Confúcio, se encontrava devida e claramente formulada.
Como formulada, aliás, se encontra também nos Evangelhos, se a não quiséssemos encontrar até no aspecto profundamente social da luta travada entre os homens por esse indómito revolucionário que foi Cristo.
De resto, a própria Igreja, que faz do princípio «nem só de pão vive o homem» base da condução dos seus fiéis, legitima através das encíclicas não só o desejo honesto da riqueza, mas o de procurar obter satisfação