622 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 201
estabeleceu, por uma série de modelos, de antecipações e de raciocínios, uma nova concepção de desenvolvimento nacional, com base no rendimento, que sòmente nos últimos anos adquiriu expressão completa.
A ideia, que vem dessa altura, parece simples de captar e conservar viva na memória, o seu conteúdo é rico, mas não deixa de perturbar pela novidade e possibilidades de exploração teórica e prática - a expansão da produção nacional deve ser assegurada por uma política de investimento, visto que a margem de aforro dos produtores virá a aumentar. Pode haver rotura de equilíbrio por excesso daquela margem de poupança quando os consumos acabem por não absorver a totalidade da produção.
E pode haver ainda crise quando o aforro ficar aquém das necessidades de investimento. Seríamos tentados a dizer ser esse o nosso mal se houvesse a certeza de que produzíamos o suficiente.
Logo que foi tomada esta orientação teórica, desenvolvida e associada aos factos, traduzida em políticas e programações mais ou menos complexas, uma dúvida assaltou ainda os espíritos:
Será desejável o crescimento, em si mesmo, traduzido por indicadores, ou devemos pugnar por certa espécie de crescimento económico?
Bastará que se progrida em qualquer direcção ou deve marchar-se por um certo caminho ao encontro do bem geral e comum?
Os mentores da economia do nosso tempo respondem ser desejável, não toda e qualquer expansão, mas um crescimento económico designado. E eu entendo o mesmo.
Harrod em 1948 falou em crescimento equilibrado, isento de grandes flutuações.
Perroux, há pouco tempo, o professor de Coimbra e da Sorbona, refere-se ao crescimento harmónico, isento de flutuações, e - o que é muito mais - do qual todas as classes da população tirem realmente vantagens. Se assim não for, o crescimento pende o sen significado. A teoria é tão nova que Perroux criou um seminário de estudo, mas conserva secretos os resultados colhidos. Quer dizer: estamos a pôr problemas de governo científico no meio das naturais e iniciais hesitações doutrinárias.
Na mesma ordem de ideias o professor de Manchester Arthur Lewis preconiza um crescimento balanceado entre a agricultura e a indústria, pois que de nada serviria a industrialização se os campos permanecessem estacionários ou abandonados.
Hick fala em tendência ascensional, resultante da melhor eficiência do trabalho, do acréscimo de equipamento, do aperfeiçoamento técnico e da melhoria de relações com o estrangeiro; mas suponho esquece a distribuição social do progresso.
Fiquemos por aqui.
Sr. Presidente: creio, admiro, reclamo também o aumento ida riqueza nacional, a alta do rendimento, mas esta elevação, esta melhoria terá de ser harmónica, bem distribuída, igual pelos grandes sectores da indústria, agricultura e serviços, como preconizam os mais representativos escritores do nosso tempo, não devendo ficar cristalizada em alguns ou manobrada por poucos.
Desejamos que se beneficie duma rápida expansão da potencialidade económica, mas, como representante da Nação, estou no meu direito de desejar e reclamar crescimento harmonioso e equilibrado, por forma que o aumento dos salários e dos ganhos beneficie a maioria dos sectores.
Portanto, na doutrina mais recente, é o aumento em grande escala das produções, repartido pelos diferentes sectores, que cria novo e autêntico poder de consumo e obtém, a seguir, uma fonte de poupança, capaz de assegurar uma corrente de aplicações úteis ao País.
Não sei se há lacuna ou ponto fraco no programa político ou na possível execução que lhe for dada, mas peço que se diga à Câmara, na altura devida, se a alta de salários prevista corresponderá ao crescimento económico do País nos diferentes sectores e, mais, se este crescimento não reveste a forma de operação maciça capaz de desvalorizar a moeda, a qual põe os dirigentes da economia a aumentar o pano, medindo-o com um metro elástico, que cresce mais depressa.
O movimento secular das necessidades humanas nas classes numerosas interessa à história económica de forma palpitante e ajuda a colocar o problema da alimentação nos seus devidos termos.
Gregos e latinos - dos quais somos herdeiros directos - faziam consistir a sua ementa em três produtos, tidos por absolutamente indispensáveis à vida: o pão, o azeite e o vinho.
Na Provença de hoje, no Sul de Espanha, na Grécia, em grande parte da Itália, entre nós, este cânone mantém-se.
Ora bem.
As estatísticas internacionais não podem registar o pão comido na herdade pelo alentejano, desconhecem muitas vezes o azeite e negam qualificação alimentar ao vinho, o qual, além de proporcionar calorias, também engorda. Nas regiões oleícolas tempera-se com excesso, mas o fenómeno escapa à estatística.
Directores de sanatórios têm-me explicado o enfado da nossa gente pelo leite e o desejo de considerar o vinho como um reconstituinte, viste que aquele magnífico alimento recomendado pelos nutricionistas é repelido como efeminando a gente portuguesa, que deu provas de fortaleza histórica sem recomendações especiais.
O professor Halbwachs já há alguns anos, baseando-se nos estudos estatísticos de Levasseur e Le Play, entrando em conta com os custos e as variações da despesa na vida social, chegou a algumas conclusões, que têm interesse, por acentuarem desenvolvimentos e exigências alimentares, que vêm de longe.
pão, cuja ração os tempos reduzem, em benefício de certos consumos, consome-se em escala desordenada, quer dizer, sobe para uns e desce para outros.
A carne, que a sociedade feudal reservava para o nobre, alastrou a todas as classes. O rural consome carne de porco com persistência e uniformidade que escapam aos índices. O consumo clandestino é importante nos pequenos centros e quintas.
O vinho aumentou muito no último século. A capitação ascende a vários litros; diminui com as crises e aumenta com o preço convidativo.
O açúcar; consumo de luxo, tornou-se, nas últimas décadas, um consumo vulgar de grande valor nutritivo. O consumo em Portugal nos campos e meios rurais aumentou enormemente após a última guerra.
O café expande-se, duplica, aumenta de novo.
O cacau decuplica, mas tende a afrouxar nos últimos tempos.
O chá aumenta espontâneamente.
Isto são dados gerais no Velho Mundo.
Sem falarmos em produtos alimentares, teremos de ver pesar sobre os rendimentos o tabaco, o algodão e os valores locativos.
Nestas ascensões seculares há crises, guerras, flutuações de preços, dificuldades resultantes dos câmbios, mas a marcha humana esquematizada é esta e devemos tomar dela devida nota para ajuizar das tendências, propensões ao consumo e satisfações obtidas pelos nossos conterrâneos e nacionais.
Por outro lado, de 1850 a 1950 a técnica de produção revelou certos produtos alimentares, fê-los avançar,