26 DE ABRIL DE 1957 799
No ano findo, para dar cumprimento à sua missão, a intervenção traduziu-se pelo fabrico de 79 000 hl de aguardente. Este processo de escoamento dos vinhos não beneficiados e não absorvidos pelo mercado é o único a que a Casa do Douro pode actualmente recorrer.
Não é processo, de facto, aconselhável; no entanto, tem permitido que o Douro possa esperar por melhores dias.
Em 1956 toda a aguardente destinada na vindima ao beneficio proveio, como não podia deixar de ser, da região. Assim, a aguardente produzida no Douro tem colocação assegurada. E se em alguns anos o seu stock se avoluma, como nos últimos anos, noutro se anula; é nessas ocasiões que o Douro tem necessidade de adquirir aguardente fora da região.
Enquanto este estado de coisas se não modificar e o Douro possuir aguardente sua não é de admitir que o benefício dos seus vinhos seja feito com aguardente estranha. Consegue-se assim repartir por toda a região os sacrifícios inerentes a uma falta de exportação. Os que não podem beneficiar são parcialmente compensa-os pelo escoamento feito pela Casa do Douro.
Deste facto resulta que o preço por que fica o vinho do Porto na produção se não deve decompor segundo expressão simplista: preço do mosto mais preço da aguardente adquirida à Casa do Douro. O preço por que fica o vinho do Porto deve interpretar-se doutro modo.
Na primeira verba deve incluir-se o preço do mosto, acrescido da compensação oferecida àqueles que por falta de exportação não puderam beneficiar. E esta verba que permite que o Douro viva e possa esperar por melhores dias. Esta não se pode reduzir, a não ser que se pretenda o aniquilamento da região.
Na segunda verba encontra-se o valor real da aguardente vínica -repito, valor real- produzida naquelas regiões do Sul, em que a fertilidade, aliada a uma diminuta despesa do granjeio e altas graduações, é a indicada para a produção de aguardente. É preciso não confundir este valor com o proveniente duma intervenção a preços elevados, desproporcionados para essas regiões e acrescidos ainda por cima de outras despesas que altamente o oneram.
Exposto o panorama actual do sector do vinho do Porto, torno a chamar a atenção do Governo para a necessidade premente de se activar ainda mais a sua propaganda, liem sei que já muito se tem feito, mas muito mais é preciso fazer. Em particular na parte que diz respeito à propaganda nos Estados Unidos da América, é necessário remover certas dificuldades que têm impedido a sua efectivação. Factos independentes da vontade do Governo fizeram perder um tempo precioso. Espero que questões meramente secundárias não comprometam a futura expansão do vinho do Porto nos Estados Unidos da América.
Sr. Presidente: como já foi aqui apontado por mais duma vez, o que tem impedido que a posição do vinho do Porto no Reino Unido retome a posição que possuía antes da guerra são os seus elevadíssimos direitos de importação.
Enquanto em 1938-1939 o vinho do Porto pagava 8 xelins por galão (326), hoje paga 50 xelins, ou sejam 200$. Isto é, os direitos são hoje 6,25 vezes mais elevados. Resultado: até parece inacreditável - uma pipa paga, só de direitos, cerca de 26.500$.
Não é justo esse tratamento, demais a mais agora, que as nossas relações com o Reino Unido são mais que amistosas, pois são de verdadeira e eterna amizade, como se provou com a viagem de S. Ex.ª o Presidente da República a Londres e com a inolvidável visita ao nosso país de Sua Graciosa Majestade a Rainha de Inglaterra.
Esperemos que o Parlamento do Reino Unido e o sen Governo reconheçam os prejuízos que estes factos causam, ou podem vir a causar, a um maior incremento das relações comerciais entre os dois países. Que importa, afinal de contas, a liberalização do vinho do Porto, se os direitos que o oneram impedem praticamente a sua importação?
Sr. Presidente: para terminar, só mais uma meia dúzia de palavras sobre o candente problema agrícola em geral.
Como já tantas vezes se tem destacado nesta Assembleia em anos anteriores e noutras legislaturas, há necessidade absoluta de entravar a fuga da gente do campo para as grandes cidades: aquele vai ficando deserto; as segundas aumentam excessivamente.
Apesar disso, infelizmente, o que se tom observado é uma corrente cada vez maior. Em particular nestes últimos três anos, esta tem crescido assustadoramente. Em parte este êxodo deve-se ao baixo preço em que se encontram todos os produtos agrícolas, acompanhado duma melhoria muito apreciável do nível de vida do trabalhador da cidade.
Cada vez mais se acentua a diferença entre o nível do citadino e do rural. As causas deste mal provêm do falso e injustíssimo princípio, arvorado em postulado, de que a lavoura há-de ser sempre a eterna sacrificada.
Sr. Presidente: receio que este estado de coisas nos conduza a caminhos perigosos e prejudiciais ao beneficio da Nação. Tanto se pediu e exigiu da lavoura que ela se encontra hoje exausta e sem trabalhadores. Para que serviram os seus sacrifícios? Se tivessem revertido somente em benefício da Nação, ainda talvez se poderiam admitir. Mas partir do principio de que o nível de vida das cidades tem de subir à custa do nível de vida dos rurais é uma injustiça flagrante.
Além disso, este estado de coisas não se pode manter, pois amanhã não teremos quem cultive as terras. A não ser que num próximo futuro a nossa indústria seja suficientemente poderosa para que possamos dispensar os produtos agrícolas da nossa terra. Transformar-nos-íamos todos em trabalhadores industriais ou comerciais e com o produto desse trabalho é que teríamos de importar os géneros agrícolas.
Este panorama não parece realizável e muito menos aconselhável. Convém por isso que a lavoura seja acompanhada, e por isso os seus produtos deverão ser revalorizados. Não me digam que o problema não tem solução. Basta lançar os olhos sobre a Corporação da Pesca. Antes da sua reorganização a vida do pescador e daqueles que andavam ligados às suas actividades era das mais precárias. Hoje a revalorização dos seus produtos permitiu que entre eles haja um certo desafogo, justo e merecido.
A titulo meramente ilustrativo, aponto que em 1939 se comprava no Douro, na ocasião das vindimas, bacalhau a 2$ o quilograma e sardinhas a 4$ o cento; em 1956 os mesmos produtos custaram respectivamente 125 e 305-Isto é: enquanto que a revalorização destes produtos excede o coeficiente 5, o dos produtos agrícolas aproxima-se de 2.
Esperemos que o Governo, ao debruçar-se sobre o grave problema da lavoura, o possa resolver, como resolveu o problema da pesca.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: vão decorridos mais de quatro meses sobre a publicação no Diário do Governo da Portaria n.º 16 058, do Ministério da Economia, a qual alterou, em razão das perturbações cau-