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13 DE FEVEREIRO DE 1959 185

Diversamente, seguindo o mesmo autor, um estado é uma organização política dotada de um aparelho administrativo em funcionamento permanente, que se destina a preencher e disciplinar em regime de direito as necessidades sociais dos seus cidadãos, seja qual for a origem destes.
Este vínculo entre cada cidadão e o seu estado constitui a nacionalidade daquele. Trata-se, pois, de um laço de natureza jurídica, e é neste segundo significado que, ao estudar-se o projecto de decreto-lei, o termo «nacionalidade» tem de ser entendido.

3. Assente este ponto de partida, convém qualificar a natureza do vínculo da nacionalidade.
De direito público ou de direito privado?
Segundo a noção comum, pode considerar-se como direito público o que regula as relações entre o indivíduo e o Estado como entidade soberana e como privado o direito que rege as relações dos indivíduos entre si.
Aceitando este critério, não poderá negar-se que a relação da nacionalidade tem feição própria do direito público, pois, na verdade, a nacionalidade é o laço que prende o indivíduo ao Estado, o vínculo permanente entre certo indivíduo e determinado Estado, a expressão da soberania do Estado no domínio pessoal. Ela fundamenta o gozo dos direitos políticos, designadamente o direito à protecção em país estrangeiro e a obrigação de prestação do serviço militar.
Todavia, nunca se fez unanimidade entre os tratadistas acerca deste ponto. Em várias constituições políticas posteriores à Revolução Francesa incluíram-se normas reguladoras da nacionalidade dos súbditos dos respectivos estados, o que inculca a natureza pública para o instituto da nacionalidade; mas o facto de esta matéria ter sido versada no Code Civil Français, o primeiro grande código moderno, conduziu muitos autores a considerarem-na como parte integrante do direito privado.
E não há dúvida de que são numerosos e importantíssimos os aspectos de direito privado no instituto da nacionalidade. De facto, ela é condição do gozo de certos direitos privados e determina a lei competente para certas relações jurídicas de carácter privado. Em suma contribui para determinar o estatuto do indivíduo e é, certamente, o mais importante dos elementos integrantes do estado das pessoas.
Perante tal complexidade, que dos efeitos bem parece remontar à própria natureza, torna-se natural concluir que a nacionalidade deve considerar-se como um instituto misto, de índole pública e privada simultâneamente.
Tal o simples sumário de um vasto problema que aqui só ligeiramente se pretende abordar.

4. Também em Portugal se manifestaram, bem à vista, tendências conducentes a alimentar as duas correntes sobre o carácter da nacionalidade.
A Constituição de 1822 dedicou à nacionalidade dos cidadãos portugueses os artigos 21.º a 23.º Por sua vez, a Carta Constitucional tratou-a nos artigos 7.º e 8.º E, finalmente, a Constituição de 1838 dedicou ao mesmo assunto os artigos 6.º e 7.º
Da regulamentação assim feita, em textos de índole essencialmente política, passou-se ao pólo oposto, quando o Código Civil Português, publicado em 1867, inseriu na sua parte I «Da capacidade civil» o livro único, cujos títulos I e II têm, respectivamente, as epígrafes: «De como se adquire a qualidade de cidadão português» e «De como se perde a qualidade de cidadão português» (artigos 18.º a 23.º).
Estas têm sido as regras disciplinadoras da matéria da nacionalidade no direito português desde há cerca de um século, cuja estabilidade foi principalmente tocada pelo Decreto n.º 19 126, de 16 de Dezembro de 1930, que, além de outras, alterou a redução dos artigos 18.º a 21.º do mesmo código.
Aborda-se no n.º 3 do relatório o problema da localização da lei reguladora da nacionalidade. E, recordando-se que esta matéria, foi primeiramente regida pelos textos constitucionais introduzidos pela Revolução Liberal no País e veio depois a ser tratada no Código Civil, procura-se justificar que o seu assento deva passar a fazer-se em lei especial própria.
É a primeira questão prática a discutir.
Reconhecida a vantagem de renovar a ordenação jurídica da matéria da nacionalidade, não poderia já defender-se com segurança, mesmo em plano puramente teórico, a ideia de a reintroduzir nos textos constitucionais. Como se diz no relatório, estes têm em regra uma rigidez que torna difícil fazer-lhes alterações muitas vezes necessárias e, na matéria da nacionalidade, embora esta seja de natureza essencialmente política, são numerosas e importantes as incidências no domínio do direito privado. Ora este, sujeito à eventualidade de alterações porventura frequentes, postula a necessidade de regulamentação em diplomas de índole mais flexível, como são as leis ordinárias.
Por isso, na ocasião em que se prepara um novo Código Civil Português, parecia natural manter no corpo de leis em projecto a regulamentação atinente à nacionalidade, embora sob a forma nova que se revelasse aconselhável. Era a solução respeitadora do sistema actual, que nunca entre nós foi discutido.
Todavia, diz ainda o relatório do projecto, visto o tema da nacionalidade interessar fundamentalmente ao direito público, pela especial projecção que, tanto na constituição do Estado como na organização política da comunidade, tem a distinção entre nacionais e estrangeiros, não se justifica o seu tratamento num diploma essencialmente de direito privado, como deve ser um código civil.
Em face das características assim apontadas, surge naturalmente como solução intermédia a de tratar a matéria da nacionalidade sob os seus aspectos, quer de direito público, quer de direito privado, num diploma único, que não poderia integrar-se num código civil, por causa da sua natureza complexa.
Esta foi a solução adoptada pelo direito francês no Code de la nationalité française, promulgado em 19 de Outubro de 1945, e é aquela que se afigura mais razoável e equilibrada.
Pelos motivos, teóricos e práticos, que ficaram expostos, também a Câmara Corporativa com ela se conforma.

5. Como questão de ordem geral, indica ainda o relatório (n.º 4) qual a posição tomada no projecto a respeito dos princípios fundamentais adoptados em relação à fixação da nacionalidade, a qual se exprime por uma combinação entre os dois critérios basilares orientadores da matéria: o do jus sanguinis e o do jus soli. Afirmando que todas as legislações se apoiam em algum deles, mas admitem sempre atenuações a um por influência do outro, nota que o Código Civil consagra já um sistema misto, o qual dá certa preferência ao jus soli e, por ainda satisfazer fundamentalmente as exigências da colectividade nacional, embora com fortes restrições, continua a ser aceito.
A combinação de critérios adoptada pelo projecto em discussão revela-se nas disposições concretas do seu articulado. Por isso, só pode fazer-se-lhe crítica útil à medida que cada uma delas for analisada, isto é, na especialidade.