11 DE MARÇO DE 1959 297
incompatibilizam com a vida apensionada de advogados, de médicos, de engenheiros e de outros profissionais ilustres, que assim repousam e se retemperam das fadigas e ou preenchem lazeres da vida.
Ora eu, como não tenho a felicidade de conhecer esta arte nem - ai de mim! - o dom de todas aquelas virtudes tão raras e preciosas nestes tempos agitados e de euforia, careço, como é lógico, também de autoridade para apreciar a proposta em discussão, nomeadamente nos pormenores referentes à classificação das águas e exercício da pesca, à organização e competência dos serviços, ao fomento piscícola, à responsabilidade penal e civil, que constituem outros tantos dos seus objectivos.
Por isso nestes capítulos limito-me a breves apontamentos.
O primeiro resulta da circunstância de, nos casos do n.º 3.º da base III e nos das bases XXVIII e outras, não ser mandado ouvir o Conselho Técnico dos Serviços Florestais e Aquícolas -cuja composição, aliás, o n.º 3.º da base viu aumenta em condições justificadas -, quando é certo que o Decreto n.º 40 721, que o criou, entre outras, lhe confere precisamente as atribuições consultivas.
Reparo me merece também a forma imprecisa da segunda parte da base VII, que contraria a liberdade ampla, concedida na primeira parte, de passagem e estacionamento nos prédios marginais da? águas públicas, sem indicar especificamente qual o testemunho dos casos de inviolabilidade dos prédios que excepcionar
Bastam pequenos muros, que apenas delimitem estremas ou arbustos, cancelas ou outras formas vulgares de vedação, ou quis-se referir apenas muros altos, que isolam quintas, hortas, pátios, instalações fabris, etc.?
Embora grande respeitador do direito de propriedade, tenho para mim que, tratando-se de águas públicas, a primeira daquelas soluções é inaceitável, tanto mais que a mesma base VI ressalva a indemnização por perdas e danos e se trata, em última análise, de um direito já assegurado, embora com restrições relacionadas com a natureza e estado das culturas, no artigo 384.º e seguintes do Código Civil, por referência ao artigo 396.º Direito de que se pode usar, mas não abusar, convertendo-o em invasão de propriedade, como sucede, por exemplo, se o pescador, desnecessariamente, com o fim de vencer obstáculos ou encurtar distâncias, não transitar junto às margens.
Todos sabem que a pobreza ictiológica dos nossos rios força os pacientes pescadores a percorrerem muitas vezes inúmeros quilómetros em procura de lugares onde encontrem probabilidades de algum êxito; e se para isto tiverem de tornejar grandes propriedades, sempre que encontrem - como sucede a cada passo - vedações facilmente transponíveis, a jornada tornar-se-á excessivamente longa e penosa ou restar-lhes-á o prático expediente do caçador que guarnece o cinto no mercado que lhe fique mais próximo ...
Também me ofereciam reparos os termos imprecisos do n.º 1.º da base XXVII, pois podiam conduzir a uma interpretação genérica e mais larga do que a que estaria no espírito e na intenção que a ditaram. E, sendo lata a interpretação a dar-lhe, mais resultaria o inconveniente de se estabelecer para todos os casos uma jurisdição especial no n.º 2.º da mesma base.
Não me foi possível assistir à última reunião da Comissão de que faço parte, e onde fizeram o reparo; mas neste momento já sei que será apresentada uma proposta destinada a esclarecer esta base no sentido que suponho conveniente, e por isso sirva este breve comentário de começo da sua justificação.
Finalmente, ainda no âmbito de breves nótulas, direi que me parece conveniente acrescentar expressamente na base XVII e seguintes que as multas não pagas são convertiveis em prisão.
Deixo, porém, o esclarecimento das dúvidas e a apreciação e justificação das disposições a que fiz uma breve referência e de outras que, porventura, o mereçam aos entendidos que me escutam, para assim formar a consciência do meu voto na especialidade; e passo ao assunto que mais influiu na minha intervenção num debate tão estranho à minha actividade e aos meus conhecimentos e embora sobre esse melindroso aspecto já se tivesse pronunciado o Dr. Cerveira Finto, com a autoridade e o saber da experiência feita no culto apaixonado da pesca desportiva.
Quero referir-me, Sr. Presidente, à base cujo conteúdo interessa, e muito, à pesca desportiva e turística, como interessa também à pesca profissional, exercida com fins lucrativos, no curso das correntes de água, e, a jusante, até ao limite onde o fluxo e refluxo das marés, dadas a sua extensão e demora, não sejam suficientes para renová-las.
Mas a base interessa também muitas vezes, e muito, à agricultura, à pecuária e aos consumos domésticos.
Trata-se da base XXXI.
Diz a Câmara Corporativa no seu parecer sobre o projecto de decreto donde derivou esta proposta, referindo-se à poluição das águas interiores:
Todos reconhecem que a riqueza piscicola do País está em declínio e que neste declínio pesa enormente o efeito destruidor da descarga dos produtos residuais nos rios, quer industriais, quer das minas, quer dos esgotos das povoações, a ponto de muitos rios estarem a caminho da esterilização pela perda de condições biológicas e mesológicas indispensáveis à vida dos peixes.
E acentuou que a poluição constitui, como já disse também o Sr. Dr. Cerveira Pinto, o agente número um do despovoamento das nossas águas interiores, excedendo, portanto, os prejuízos causados pela própria pesca criminosa, apesar de esta - acrescento eu e todos sabemos - ser exercida largamente por todos os modos e feitios, por falta e dificuldade de fiscalização, que quase garante a impunidade, ficando assim letra morta as sanções penais em vigor.
O mal não é de hoje. O mal vem de longe, devido àquela razão e à incompreensível falta de cumprimento da lei, e vai-se agravando vertiginosamente. E o interesse nacional impõe que não seja irremediavelmente por influência de indesculpável desprezo que tem havido, ou pelo respeito por pretensos direitos adquiridos.
Não deve haver prescrição em factos que importem infracção de preceitos legais de interesse e ordem pública. Não a há quanto à permanência perpétua do facto delituoso corrigível; pode havê-la sómente quanto à sanção penal.
E o mal, que tão pernicioso tem sido, continua a agravar-se cada vez mais e tornar-se-á irremovível se providências urgentes e drásticas não forem adoptadas para compulsiva e inexorável repressão, em prazo certo e curto, das origens desse mal, prevenindo em cada caso e para cada caso a continuação da infracção de leis que existem e não se cumprem. Se assim não suceder, não tardará a completa esterilidade das águas interiores, e - o que é pior - a sua inadaptação aos usos agrícolas, pecuários e domésticos; e no futuro cada vez mais e mais rapidamente, à medida que aumentem a urbanização e as instalações industriais nos terrenos marginais.
Mas, repito, não obstante não ser um mal necessário - pois é um mal evitável no que venha e remediável no que está, custe o que custar, doa a quem doer-, ele vem de longe e, por isso, se chegou à actual escassez na fauna dos rios, lagoas e albufeiras.