298 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81
Ocorre-me, por exemplo, um caso antigo que alarmou os povos de uma rica região. Foi o das minas das Talhadas, cujos resíduos poluíam os águas do rio Alfus-queiro, afluente do Águeda, nas vertentes do Caramulo, sacrificando a fauna piscicola destes rios, e, se bem me recordo, tornaram as suas águas inaproveitáveis então para a agricultura, gados, etc. Estas minas estão paradas há muitos anos, mas constante que ainda se verificam no local infiltrações tóxicas em nascentes ou fontes.
Aponta a Câmara Corporativa os exemplos referidos pela própria Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, como a impossibilidade de se manter o posto de Torno, no Marão, e os casos dos rios Ave, Almonda e Leça, tornados praticamente quase estéreis pelos esgotos industriais e urbanos não depurados.
E o Sr. Dr. Cerveira Finto especializou o clamoroso caso do despovoamento dos rios Minho e Lima, aliás também por influência de outras causas graves, que revelou.
Também flagrante pela sua actualidade e pela importância que o reveste é o que se passa com as águas do rio Vouga, poluídas a. jusante pelos resíduos emanados da laboração da industria de celulose, em Cacia.
Refere-o também o parecer da Camará Corporativa, pois o grave problema continua por solucionar, apesar dos protestos e reclamações dá Junta Autónoma do Porto de Aveiro, de outras entidades e das populações, e também, e por mais de uma vez, dos Deputados pelo circulo.
Ao que me consta, o assunto não está esquecido e continua a ser objecto do estudo de uma comissão competente; mas, sem deixarmos de reconhecer a dificuldade do problema, u verdade ó que se faz mister abreviar a sua solução.
É certo que a Celulose, que utiliza diariamente milhões de litros de água, já a recebe inquinada ou turvada pelos produtos os detritos de outras pequenas instalações fabris e mineiras existentes a montante do Vouga, tanto que ela faz o tratamento prévio das águas que utiliza; mas devolve-as ao Vouga ainda mais intoxicadas pelos seus próprios resíduos, que destroem a fauna do rio e, em parte, da própria ria de Aveiro, onde ele desagua, e com prejuízo também para a agricultura, para a pecuária e para os usos domésticos.
Não se imagine que estamos em presença de um caso irremediável, pois é difícil, mas não impossível, resolvê-lo.
Diz a Câmara Corporativa:
Acresce que presentemente, seja qual for o grau de insalubridade e toxicidade dos produtos residuais, é possível torná-los inócuos para a vida aquática dos rios interiores, recorrendo a processos adequados de tratamento, depuração e diluição..
De resto, se assim não fosse, o caminho a seguir era impedir a restituição das águas poluídas ao seu curso ou o vazamento nele de outras de diversa proveniência, por mais difícil e dispendioso que fosse o processo a empregar.
Desenvolver as indústrias muito e cada vez mais está certo e é necessário, mas não o lazer com o sacrifício de outras actividades legitimas e também produtivas e necessárias.
E não se diga que não havia leis que o prevenissem e estabelecessem sanções.
Já as velhas Ordenações do Reino determinavam:
E pessoa alguma não lance nos rios e lagoas, era qualquer tempo do ano, trovisco, barbasco, coca, cal, nem outro algum material com que se o peixe mata...
O que assim havemos por bem, para que se não mate a criação do peixe, nem se corrompam as águas dos rios e lagoas que o gado bebe.
A pena ia desde o degredo em África ao açoite com baraço e pregão, conforme se tratasse de fidalgo, de escudeiro ou de infractor de «menor qualidade».
E temos sobre o assunto os regulamentos sexagenários de 1892 e 1893 e a chamada Lei de Águas, também citada pela Câmara Corporativa, bem expressa na parte final do seu artigo 31.º
Aprovou-a o Decreto n. 5787-III, que, pelo recurso ao alfabeto quadruplicado, não é difícil adivinhar tratar-se de um dos do alfobre dos fumosos trinta suplementos ao Diário do Governo de 10 de Maio de 1919 ...
E menciona-se como medida mais recente o Decreto n.º 22 758, que obriga a Junta Sanitária de Águas a promover a adopção de medidas sanitárias para se evitar que as aguas residuais, industriais e de esgotos causem prejuízo à saúde pública e aos cursos de águas.
Não é suficiente essa legislação? Não o creio. Tem de ser actualizada? Neste caso, por que se espera?
A triste realidade é esta: a abundante legislação caiu praticamente em desuso!
Nestas circunstancias, convinha que, para se corrigirem os casos presentes e se evitarem outros no futuro, a proposta de lei em discussão reproduzisse o conteúdo dos artigos 20.º e 21.º incluídos pela Câmara Corporativa no aludido parecer sobre o projecto de decreto inicialmente sujeito à sua apreciação, pois as disposições ai sugeridas confirmavam e actualizavam a legislação anterior e seriam relevantes se não ficassem também letra morta.
Pois bem: a proposta não incluiu os artigos sugeridos pela Camará Corporativa nem qualquer disposição equivalente ! Apenas se refere ao assunto na base XXXI, e em termos que podem servir de pretexto para que se vá consentindo a continuação dos casos presentes o não se providencie, já e rigorosamente, para o futuro, embora seja certo que não revoga nem suspendo, a legislação anterior.
Está bem que, sendo necessário, se nomeie uma comissão técnica paru. estudar urgentemente as providências a tomar, tendo-se em vista a sua eficácia. Mas não sirva isto do razão paru esta situação clamorosa continuar indefinidamente.
Porém, será possível estabelecer processos e regras concretos gerais pura tratamento ou desvio de águas poluídos, desde que se tom de variar para cada caso, conforme a sua natureza, a localização das instalações, a composição química dos seus detritos, o grau dos prejuízos da poluição, a terapêutica a aplicar, etc. ?
Seja como for, aceito a base, porque vale mais ela do que nada. Mas para que fique bem entendido que ela não importa retrocesso, paragem ou tolerância da lei para o que se fez e para o que se faça em prejuízo da salubridade das águas interiores, mando para a Mesa uma proposta destinada a preceder o texto desta base das seguintes palavras, destinadas a vincar bem o pensamento da Assembleia expresso no debate:
Sem prejuízo da aplicação da legislação vigente sobre a salubridade das águas interiores ...
E aproveito a oportunidade para também propor a substituição, na mesma base, das expressões abstractas: «os critérios segundo os quais ...», que ficariam à mercê do critério de cada um, pelas seguintes expressões concretas: «os casos em que ...»
Finalizo, Sr. Presidente, exprimindo o voto de que esta nova lei não caia também em ponto morto ou fique no