O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

20 DE MARÇO DE 1959 361

a do Sr. Deputado Carlos Lima é uma proposta de substituição, que, por virtude do Regimento, tem preferência.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: a doutrina contida na proposta de alteração a esta base que entendi dever apresentar pode, na medida em que traduz novidade, condensar-se nos termos que passo a referir: estabelece-se nela o principio de que a passagem e o estacionamento dos pescadores deve fazer-se pelas margens das águas públicas. À este princípio abrem-se duas excepções: por um lado, permite-se a passagem e o estacionamento nos terrenos de domínio público e de domínio comum, sem quaisquer reservas além daquelas que, porventura, possam resultar do regime jurídico geral de utilização desses bens, e, por outro lado, permite-se também essa passagem e estacionamento nos prédios particulares, mas neste caso só quando esse transito seja impossível fazer-se ou só muito dificilmente possa ser feito nas margens das águas públicas.
Um principio e duas excepções, portanto.
Basta este ligeiro apontamento para imediatamente ressaltar a diferença principal entre a solução que proponho e aquela que consta da proposta governamental.
De harmonia com esta, o princípio é o de que essa passagem e estacionamento podem ser feitos nos prédios (repito: nos prédios); de harmonia com a solução que proponho, reduz-se o âmbito da incidência material do direito de passar e estacionar, o qual, em vez de ter lugar nos prédios, tem-no apenas nas margens.
Feito, assim, um apanhado e resumo das posições de fundo quanto ao problema que estou a apreciar, impõe-se agora justificar a proposta que fiz, o que creio sei* fácil.
Também sou daqueles, Sr. Presidente, que, quer no plano da construção e elaboração doutrinal, quer no plano das exigências práticas do nosso tempo, entendem que está ultrapassada a concepção individualista do direito de propriedade, concepção fundamentalmente egoísta e divorciada dos interesses superiores das comunidades.
O direito de propriedade, e até talvez de um modo especial o direito de propriedade, já há muito passou a ser marcado pela nota do social. Todavia, Sr. Presidente, continuo a considerar condição básica e imprescindível de qualquer organização social verdadeiramente realista e eficiente a subsistência de um direito de propriedade com o necessário vigor económico e jurídico.
Potencialmente, este direito deve continuar a tender para apresentar o rico e complexo conteúdo com que na sua configuração mais típica é juridicamente estruturado.
Sendo assim, pronuncio-me, sem hesitação, contra todas as restrições, de natureza pública ou de natureza privada, ao direito de propriedade, desde que essas restrições não visem a satisfazer interesses atendíveis e legítimos; designadamente, sou contra as restrições pelas restrições determinadas apenas por exageros de novas concepções ou por sectarismo doutrinário.
Posta a questão neste pé, o problema a levantar perante a Câmara deve enunciar-se, a meu ver, nestes termos: exigem os interesses da pesca que se consagre legislativamente o princípio de que é lícito transitar pelos prédios marginais ou, ao contrário, basta para satisfazer esses interesses a consagração do princípio de que, em regra, só nas margens se pode passar e estacionar?
Esta é a questão posta com singeleza. Em correlação com a alternativa que fica enunciada estão, respectivamente, o ponto de vista da proposta governamental e a solução que proponho.
Ora, Sr. Presidente, creio saber o suficiente de pesca para poder dizer que, em principio, o pescador não tem necessidade de ir além das margens para poder pescar, e sendo assim, como regra, entendo que ó também às margens que se deve limitar o direito de passar e estacionar.
Esta solução está de harmonia com o principio, que se me afigura exacto e razoável, de que as restrições, ao direito de propriedade só devem ser estabelecidas quando e na medida em que forem necessárias e justificáveis.
Acresce, Sr. Presidente, que a minha proposta admite excepções à regra que consigna para os casos em que se justificam a passagem e estacionamento fora das margens. Designadamente, admite que o pescador possa, efectivamente, transitar ou estacionar na propriedade privada desde que seja impossível, ou muito difícil, transitar nas margens.
Creio, Sr. Presidente, que a solução por mim sugerida garantirá suficientemente os interesses da pesca, afigurando-se-me equilibrada e devidamente doseada em função dos interesses em jogo, ou sejam os interesses da pesca e os dos proprietários.
Poderia acabar aqui, Sr. Presidente, mas quero ainda chamar a atenção para um outro aspecto do problema.
Devo anotar, antes de mais, que as margens das águas Públicas foram criadas precisamente para, entre outros fins, assegurar o exercício do poder legal de pescar.
Por outro lado, choca o meu espírito a diferença de tratamento que resultaria da aprovação da proposta de lei governamental relativamente a outros casos em que estão subjacentes interesses de particular relevo e significado. Choca-me, por exemplo, que um pescador possa, em princípio pelo menos, sem quaisquer reservas, circular pela propriedade privada, enquanto que um habitante de qualquer aldeia que precise de água para os seus gastos domésticos, isto é, para a satisfação das mais elementares e primárias necessidades da vida, precise, nos termos da Lei de Águas, para ter acesso, através de propriedades particulares, a correntes de água pública, não só de fazer com que os respectivos proprietários sejam previamente indemnizados, mas ainda de demonstrar que não pode obter água de outro local senão com grande incómodo ou dificuldade.
Por mais respeitáveis que sejam os interesses da pesca, não tenho dúvidas nenhumas de que a necessidade do consumo de água para gastos domésticos tem maior relevo, mais significado e é mais atendível.
Talvez outros aspectos da minha proposta merecessem também um apontamento justificativo.
Porém, para não alongar demasiadamente esta intervenção, ficarei por aqui. Voltarei, no entanto, ao assunto se tal se tornar necessário e oportuno, por virtude do desenvolvimento da discussão.
Tenho dito.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: quanto ao n.º 1 da proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Lima, oferece-se-me dizer que me parece não ter ele conteúdo e ser inteiramente inútil, e isto porque é que o nosso ilustre colega pretende é que fique assegurada, aos pescadores a utilização das margens dos terrenos de domínio público e comum que marginam com as águas públicas, de harmonia com o regime jurídico da respectiva utilização. Ora, se o regime permite a qualquer pessoa utilizar essas margens, também o permite ao pescador, porque pescador é qualquer pessoa. Se o regime jurídico não permite que se passe, também o pescador não pode passar. Portanto, não percebo como é que se pretende assegurar ao pescador um direito que é assegurado a toda a gente. Na minha opinião, é, portanto, uma perfeita inutilidade o n.º l da proposta do Sr. Deputado Carlos Lima.