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362 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 86

Quanto ao n.º 2 da mesma proposta, também me parece, que não tem conteúdo prático, porque é evidente que o pescador o que quer é passar pelas margens, visto ser delas que ele pesca os peixes, e só passa pelos campos quando a passagem pelas margens é impossível ou muito difícil. Alas como é que se define a impossibilidade ou a muita dificuldade da passagem pelas margens? Isto vai dar lugar a todos os subjectivismos ou arbitrariedades, porque a dificuldade ou impossibilidade que exista num momento - por estar a margem reduzida a um atoleiro, por exemplo - pode não existir dai a dias; e, se para um pescador idoso é difícil, ou mesmo impossível, a passagem, o mesmo pode não acontecer com um pescador novo, em plena posse de todas as suas faculdades físicas. Quem vai definir isto? Será o guarda florestal? Será o guarda-rios? A proposta do Sr. Deputado Carlos Lima presta-se, como já disse, a todas as arbitrariedades e a todos os subjectivismos.
Esta circunstancia parece-me suficiente para que a proposta do Sr. Deputado Carlos Lima seja rejeitada.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Carlos Lima: - Salvo o devido respeito, as considerações do Sr. Deputado Cerveira Pinto baseiam-se num equívoco, que parece revelar não ter sido a minha proposta lida com a devida atenção.
Vejamos uma por uma as razões invocadas.
Quanto ao n.º l da minha proposta, afirma o Sr. Deputado Cerveira Pinto, nada mais nada menos, que não tem conteúdo!
E raciocina assim: nesse n.º l diz-se que o direito de passar e estacionar será regulado «de harmonia com o regime jurídico da respectiva utilização»; remete-se ou devolve-se, por consequência, essa regulamentação para outra legislação, em termos de directamente e quanto ao fundo nada se dizer sobre o assunto e, portanto, por modo a esse n.º l ficar sem conteúdo próprio.
Há neste raciocínio manifesta e evidente confusão.
O n.º l da minha proposta tem duas partes. Na primeira enuncia-se o princípio de que a passagem e estacionamento dos pescadores se faz nas margens das águas públicas. Na segunda prescreve-se -é uma das excepções àquele princípio que na minha intervenção inicial referi- que os pescadores também, podem passar e estacionar, além das margens, nos terrenos do domínio público e comum que lhes sejam contíguos.
Ora, como claramente resulta do texto por mim sugerido, a aludida expressão «de harmonia com o regime jurídico ...» apenas se refere à utilização pelos pescar dores do domínio público e comum contíguo às águas públicas. Apenas se refere, portanto, à excepção consignada na última parte do n.º l, e não à regra - transito nas margens - formulada na primeira parte.
Assim, essa regra foi consignada com conteúdo próprio, e não mediante remissão para qualquer outra legislação. E esse conteúdo cifra-se em estabelecer o princípio de que o transito dos pescadores se faz pelas margens das águas públicas, em contraposição ao principio de que se faz pelos prédios marginais, contido na proposta governamental.
A maneira como evoluiu o meu pensamento, até chegar ao texto que acabei por propor, mostra bem a naturalidade com que surgiu esse texto.
Inicialmente pensei apenas em consignar o princípio, de que o trânsito dos pescadores se faria nas margens das águas públicas, sem quaisquer acrescentamentos.
Porém, em seguida, tive em conta que, em regra, é livre a passagem e o estacionamento nos terrenos do domínio público e comum, pelo que não faria sentido que um pescador, só por o ser em determinado momento, já não pudesse transitar livremente nesses terrenos, onde normalmente e em quaisquer outras circunstancias poderia fazê-lo.
Resolvi, por isso, acrescentar a segunda parte do n.º 1.
Certo que esse acrescentamento não era propriamente necessário, uma vez que até pelo argumento do absurdo se concluiria ser lícito aos pescadores passar e estacionar nos terrenos dos domínios público e comum marginais de águas públicas, através de qualquer dos métodos de interpretação aceitáveis.
No entanto, para afastar qualquer dúvida porventura explicável por parte dos agentes, nem sempre suficientemente preparados, que terão de velar pela execução da lei, achei conveniente fazer o aludido acrescentamento, reafirmando quanto à matéria em discussão aquilo que já resultava do regime jurídico geral dos domínios público e comum.
Todavia, para que essa reafirmação, precisamente porque de reafirmação se tratava, não surgisse com o ar de inovação legislativa é que introduzi na proposta de alteração a expressão «de harmonia com o regime jurídico ...», vincando assim a nota de que se tratava de uma mera aplicação de princípios jurídicos já entre nós vigentes.
Isto mostra que o principio enunciado no n.º l da minha proposta se refere, ao fim e ao cabo, apenas às margens contíguas a prédios particulares.
O mesmo resulta, aliás, do confronto com o n.º 2, na medida em que quanto a prédios particulares contíguos abre uma excepção ao principio de o transito dos pescadores ter lugar nas margens. E abre a excepção só quanto a tais prédios, porque no que respeita aos demais terrenos -domínios público e comum- já era claro, em face do n.º l, ser livre o trânsito.
É verdade que talvez se pudesse logo no n.º l afirmar mais directamente que o principio do transito pelas margens se destinava a proteger a propriedade privada.
No entanto, quer para manter, na medida do possível, a técnica adoptada pela proposta governamental, quer para evitar dificuldades de redacção derivadas da circunstância de as margens das águas públicas não serem muitas vezes parte integrante dos prédios particulares contíguos, mas estarem antes no domínio público, acabei por adoptar a redacção que propus, e que me parece clara.
Outro argumento do Sr. Deputado Cerveira Pinto é o de que os pescadores passam pelas margens.
Segundo parece, o alcance do argumento é o de que não haveria que procurar defender a propriedade privada nos termos que resultam da minha proposta, uma vez que os próprios pescadores se encarregam de moto próprio, sem necessidade da legítima coacção da lei, de transitar pelas margens.
Esta razão revela, antes de mais, a bondade da solução que proponho, dela resultando que, na verdade, basta assegurar o transito pelas margens para satisfazer os legítimos interesses da pesca, não sendo, por isso, necessário, nem justificável, ir ao ponto de consagrar o princípio de licitude da passagem e estacionamento nos prédios marginais.
Para além disso, o argumento é de uma fragilidade evidente.
Entre os pescadores, como entre quaisquer outras categorias de pessoas, há de tudo, bom e mau. Há os que tom elevado espírito cívico e exacta compreensão dos seus deveres, e há os que, de passagem, vão «pescando» o que podem e causando danos, às vezes até desnecessariamente.
Infelizmente, não se pode, em defesa de legítimos interesses, confiar como princípio na bondade dos homens, e esperar que espontaneamente façam tudo o que devem fazer e se abstenham do que fazer não devem. Por isso