20 DE MARÇO DE 1959 367
turas dobrarão u cabeça sob o preceito regulamentar, qualquer que seja, sem se pensar se a sua natureza é compatível com a natureza das pessoas a que se destina. Penso que não é de mais, Sr. Presidente, que nesta base condicionado da futura regulamentação se especifique que as providencias a adoptar sejam as compatíveis com o uso normal das águas. E, quando muito, abundará mas não prejudicará que além dos condicionalismos da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas se admitam como alternativa os condicionalismos da direcção-geral dos Serviços Hidráulicos.
Quanto ao n.º 2, continuo na mesma ordem de ideias e pretendo apenas que o* aviso que os concessionários das obras ou linhas de água tenham de fazer possa ser dispensado quando os esvaziamentos ou esgotos resultem da utilização normal das obras devidamente licenciadas. Parece-me, portanto, que se se trata de uma obra licenciada esse licenciamento pode já tratar das condições consideradas necessárias para a vida dos peixes. Neste espírito creio que ninguém poderá considerar inoportuna ou descabida a emenda que tive a honra de apresentar.
Tento dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: um dos principais atributos de uma boa lei deve ser a clareza, para que na sua aplicação não sejam possíveis os critérios, subjectivos de interpretação.
Ora as cinco ou seis palavras que o Sr. Deputado Amaral Neto ...
O Sr. Amaral Neto: - Concedo que sejam seis! ...
O Orador: - Até dá um número mais certo - que é meia dúzia -, mas as cinco ou seis palavras que S. Ex.ª introduziu no n.º l da sua proposta estão muito longe de ser claras. São até, a meu ver, muito dúbias e encerram um conteúdo muito vago. O que se pretende dizer com elas ?! Que, pelo facto de até hoje ter sido normal que os concessionários das linhas de água possam proceder ao esvaziamento sem ligarem a mais pequena importância à fauna dos rios, se deve continuar da mesma maneira? Se é isso que se pretende, essas seis palavras inutilizam completamente a base que está em discussão.
Com a base da proposta governamental pretendeu-se alcançar certos efeitos úteis. Por isso, não devem introduzir-se nela palavras que frustrem a consecução desses fins. Mas, se não se quer dizer nada disto e se pretende que, em cada caso concreto, se analisem as providencias compatíveis com a exploração normal, a proposta do Sr. Deputado Amaral Neto passará a ser ninho inextricável de questões.
O que é uma exploração normal?
A mim parece-me que será aquela em que se atenda apenas aos interesses para a consecução dos quais foi pedida e obtida a concessão. Consequentemente, sempre que se queira que sejam tomadas providências para a sobrevivência dos peixes, no esvaziamento ou esgoto das albufeiras, açudes, valas, canais, etc., e essas providências afectem, em pouco ou muito, os interesses do concessionário, este poderá impugná-las, alegando que elas são incompatíveis com a exploração normal da concessão. Parece-me que esta atitude do concessionário terá toda a lógica. Desta sorte, as cinco ou seis palavras que o Sr. Deputado Amaral Neto pretende introduzir nesta base da proposta governamental inutilizá-la-ão completamente.
Mas se ainda não é este o objectivo que o Sr. Deputado Amaral Neto pretende atingir com a sua proposta de alteração ao n.º l da base que está a discutir-se, ocorre ainda perguntar: como se definem e concretizam as providências que serão compatíveis com a exploração normal da concessão? Quem define o grau de compatibilidade ou incompatibilidade dessas providências com a exploração normal? A Direcção-Geral? O concessionário? Não consigo encontrar resposta a estas perguntas, que são outras tantas dúvidas.
Ora uma proposta que dá lugar a dúvidas e a perguntas para as quais se não encontra resposta fácil está condenada por si própria.
Tudo isto que acabo de dizer se refere apenas ao n.º l da base em discussão.
Quanto ao n.º 2, a proposta de alteração parece-me que não é mais feliz. As palavras sem épocas determinadas e «regularmente» encerram um conteúdo vago.
Ora o que é necessário é que a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas possa estar atenta ao esvaziamento das albufeiras, valas e canais, para poder aconselhar ou impor as providências indispensáveis & sobrevivência dos peixes que habitam as águas. Mas para isso preciso é que o concessionário seja obrigado a comunicar previamente à Direcção-Geral o dia em que vai proceder ao esvaziamento das albufeiras, valas e canais.
Pergunta, porém, o Sr. Deputado Amaral Neto: se o concessionário se esquece de fazer essa comunicação prévia, será justo que sofra uma punição? Evidentemente que é. Estamos cansados de dizer ser necessário que os concessionários de obras hidráulicas tenham mais respeito pela fauna útil que habita as águas objecto das concessões. A melhor forma de lhes impor esse respeito consistirá em lhes impor uma multa sempre que eles não comuniquem previamente a data em que procederão ao esvaziamento das águas, tornando assim impossível que a Direcção-Geral impeça a destruição dos peixes. A multa aplicada elevará o nível cívico do concessionário e educá-lo-á no cumprimento dos seus deveres.
Todos sabemos que os proprietários de veículos automóveis têm de os manifestar, nas camarás municipais, de l a 15 de Janeiro de cada ano. O que não cumprir esta determinação no prazo regulamentar será punido com multa. A mim já me aconteceu esquecer-me uma vez de cumprir este preceito regulamentar. Paguei a multa respectiva. Com esse pagamento elevei o meu nível cívico: eduquei-me; não mais voltei a esquecer-me.
Portanto e resumindo: é perfeitamente justo que o concessionário que se esquecer de comunicar previamente a data em que procederá ao esvaziamento das albufeiras, valas ou canais que constituem o objecto da sua concessão sofra o devido castigo.
De resto, diz-se na base XVII que a forma e antecedência do aviso à direcção-geral serão regulamentadas devidamente. Esperemos, pois, por essa regulamentação, que certamente será feita de maneira a causar o mínimo de incómodos aos concessionários dê obras ou linhas de água.
Talvez venha a bastar .um simples postal a dirigir à Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas. E ninguém poderá dizer que o envio de um simples postal constitua gravame demasiado para o concessionário, por mais afadigada. que seja a sua vida.
Tenho dito.
O Sr. Amaral Neto: Sr. Presidente: o conhecido e estimado escritor qne firmou as suas obras com o nome literário de André Maurois, numa obra em que recorda a sua vida de oficial de ligação junto das forças britânicas na 'primeira grande guerra, conta a história de um regimento- indiano para o qual fora necessário organizar um serviço de abastecimentos de carne de cabra, visto que, sendo para os hindus a vaca um animal sagrado e para os maometanos, que também lá haveriam, o porco bicho nojento, a essa carne se impunha recor-