368 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 86
rer para o bife dos soldados em guerra. E, assim, junto da respectiva brigada instalara-se um rebanho de cabras.
Ora aconteceu, segundo conta André Maurois, que as cabras entraram de morrer sem se saber bem porquê. E depois de várias diligências foi lá levado um especialista em cabras. Não vale a pena, porque não vem ao caso, dizer tudo quanto André Maurois recorda deste especialista das cabras; interessa-me só citar um passo. Era quando o grande escritor lembrava a sua observação de que o tal especialista, de tanto tratar com aqueles animais, tendia a observar os fenómenos, principalmente, sob o ponto de vista do interesse caprino. Uma catedral gótica para 'ele oferecia um medíocre interesse, porque seria um medíocre abrigo para cabras, mas a coisa resolvia-se bem quebrando-se os vitrais. E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estou a lembrar-me dos vitrais, e não das cabras, dos vitrais que as pessoas podem às rezes querer quebrar por dedicação às cabras !
Sr. Presidente, é muito difícil discutir com um advogado sobre matéria de lei. Tenho às vezes perguntado se não deviam as assembleias políticas ser principal ou exclusivamente constituídas por advogados. Acontece que o leigo em jurisprudência, convicto de uma razão solicitada pelo seu mandante para que a faça ver, é mais de uma vez afastado dessa razão pela invocação de precedentes, pelo desenvolvimento de argumentos, pela exposição de razoes que são propriamente da técnica jurídica ou da prática forense.
Não posso discutir com o Sr. Deputado Cerveira Pinto quando S. Ex.ª me fala na interpretação das leis. Mas atrevo-me a fazê-lo se se trata apenas da interpretação da língua portuguesa.
O Sr. Deputado Cerveira Pinto não entendeu bem o que eu disse, e aí o defeito foi meu. Mas como a proposta estava escrita, já não sei se devo atribuir o defeito aos tipógrafos ou ao Sr. Deputado Cerveira Pinto. S. Ex.ª obcecado pelos peixes, não viu que a minha proposta visa aquelas obras que dependem da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos. Ora não se concebe que um açude para que é passada licença em Março ou Abril não dê tempo a que se elabore uma relação, não do tempo a que os agentes informem as entidades competentes de que em tais rios há tais espécies de peixes. Isto parece-me fácil, e é isto que está claramente explicado na minha emenda, ou seja que ela diz respeito às obras licenciadas, não me parecendo, pois, que se possa levantar alguma dúvida como o Sr. Deputado Cerveira Pinto pôs.
S. Ex.ª quis discutir o que era uma exploração normal, e disse que é aquela em que se atende ao interesse do usuário.
Chamo para testemunhas todas essas estátuas de gesso que para aqui há para perguntar se nalgum país se diz que uma exploração normal é só aquela que interessa ao usuário, pois eu não posso conceber que se lhe dê uma tal interpretação.
A interpretação do Sr. Deputado Cerveira Pinto de que a exploração normal não interessa senão ao homem que rega, e que pode fazer o que quiser da água, é uma interpretação gratuita e forçada, visto que aquilo que interessará ao usuário é o açude, que dá trabalho e despesa, e ele no entanto destrói o quando lhe mandam.
Quanto à existência de penalidades para quem não cumpra as disposições legais, é um mal de civilização, mas é obrigação nossa quando introduzimos disposições legais novas carregadas de penalidades vermos se essas penalidades valem o que podem trazer em trabalho e condicionarmos a aplicação à justa e razoável proibição dos actos inconvenientes quando possam ser medidos e temperados com justiça. Parece-me isso preferível à imposição drástica de multas que mesmo parecendo pequenas podem apresentar-se graves para muitas bolsas moderadas. Não posso esquecer o que se tem dito aqui, todos os dias, sobre as dificuldades dos pequenos lavradores portugueses, para os quais 500á de multa podem representar um grande problema. Ora eu pergunto se meia dúzia do peixes valem tanto? ...
Tenho dito.
O Sr. Carlos Lima: - Pedi a palavra só para fazer uma observação que me foi sugeriria pelo que acabam de dizer os Srs. Deputados Amaral Neto e Cerveira Pinto.
Compreendo as preocupações do Sr. Deputado Amarai Neto, que explicam o desejo de ver inserida no n.º l da base XII à expressão: compatíveis com a sua exploração normais.
Creio, porém, que, independentemente de tal inserção, tudo se passará juridicamente como se essa expressão fosse incluída no preceito.
É que a responsabilidade pressupõe, pelo menos, além do mais, culpa. E, por seu lado a culpa exige que haja violação do chamado dever de diligencia, isto é, do dever de evitar, com a própria diligência, a realização de um facto punível.
Culpa e dever de diligência constituem verso e reverso da mesma medalha.
Sendo assim, e olhando agora o caso concreto em apreciação, julgo que, se os empresários referidos no n.º l da base XII tomarem as providências compatíveis com a sua exploração normal para assegurar a sobrevivência dos peixes, cumprem o dever de diligência até onde lhes 'era exigível, e, consequentemente, não podem agir cora culpa. E, não procedendo com culpa, não são criminalmente responsáveis, ficando, por conseguinte, fora do Âmbito da base XII.
Afigura-se-me, assim, ser redundante a inclusão neste preceito a expressão compatíveis com a sua exploração normal». Isto se a mesma tem o alcance que lhe atribuo.
Tenho dito.
O Sr. Cerveira Pinto: - ST. Presidente: é certo que na sua proposta de alteração à base que está a discutir-se o Sr: Deputado Amaral Neto introduziu também as palavras sou constem da respectiva licença passada pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos». Ora, pretende o Sr. Deputado que estas palavras estão ligadas às introduzidas anteriormente: compatíveis com a sua exploração normais.
Não me parece que seja assim, porquanto estas palavras não estão ligadas àquelas, mas sim separadas umas dos outros pela conjunção «ou» que as disjunge.
De resto, não compete à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos estabelecer, nas licenças para obras, as providências a adoptar para a sobrevivência dos peixes, pois que, pela nova lei, essa competência passa para a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.
Ao fim e ao cabo, a proposta de alteração do Sr. Deputado Amaral Neto terá como consequência fatal a inutilização da base que está em discussão, e isto é que nós não poderemos permitir. Termino, portanto, pedindo uma vez mais à Assembleia que rejeite a proposta de alteração deste nosso ilustre colega.
Tenho dito.
O Sr. Amaral Neto: - Peço a palavra para um esclarecimento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um esclarecimento, o Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Amaral Neto: -Sr. Presidente: sei que não posso intervir na discussão mais de duas vezes e por isso apenas desejo esclarecer melhor que a famigerada disjuntiva se liga às prescrições a cumprir e não só não