856 DIÁRIO DÁS SESSÕES N.º 114
que na realidade não tem base, que se valoriza e enriquece a sua função fiscalizadora.
Pela maneira como tenho visto acentuar esta nota parece querer dizer-se que a evolução em referência se orientaria por modo a, diminuindo o alcance da função legislativa das assembleias, se acentuar o da sua fiscalização política. Às vezes as coisas chegam ao ponto de se ficar com a impressão de que as actividades legislativa e fiscalizadora viveriam como que desprendidas, sem conexão, em compartimentos estanques, quase como se a respectiva intensidade variasse em sentido inverso.
Este ponto necessita também de alguns esclarecimentos, até porque as coisas podem passar-se precisamente ao contrário daquilo que acaba de ser referido.
É que, na verdade, dentro da ordem de ideias exposta por mim, não percebo bem o que é afinal a tal acção fiscalizadora que, ao fim e ao cabo, ficaria a constituir o feudo ou coutada privativa das assembleias representativas.
Não creio que se pretenda esgotar o conceito de fiscalização política na possibilidade de as assembleias, seguindo mais ou menos cuidada e atentamente a acção dos governos, sobre ela fazerem adequadas, oportunas o desassombradas críticas e reparos.
Sem dúvida que tal possibilidade, devidamente concretizada, não deixará por vezes, mas só por vezes, de exercer certa influência na correcção de orientações governamentais, porventura erradas ou menos acertadas.
No entanto, até porque é corrente fraqueza dos homens uma certa relutância em reconhecer os próprios erros e às vezes um orgulho exagerado que perturba a visão objectiva dos problemas e conduz como que a uma ideia de infalibidade nas respectivas decisões, não raro sucede ouviram mal e considerarem impertinentes as críticas dirigidas aos seus actos, por mais exactas e justas que sejam, fazendo por isso, com frequência, «ouvidos de mercador» a essas críticas.
Assim, parece-me pouco como conteúdo do conceito de fiscalização a possibilidade do as assembleias criticarem os actos do Governo.
Para ter verdadeiro alcance e eficácia a fiscalização supõe também a possibilidade, com um mínimo de consistência, de impor aos fiscalizados as conclusões porventura desfavoráveis a que se chegue quanto à respectiva actuação e maneira de proceder.
Fiscalização leva naturalmente associada a ideia de sanção, no mais lato sentido da palavra.
E não me parece ser sanção suficiente e dotada de um razoável mínimo de intimidação, nem harmonizável com a categoria constitucional das assembleias, o mero facto de, porventura, se determinar na opinião pública um movimento de desaprovação aos actos dos governos ou de algum dos seus membros.
A actividade fiscalizadora das assembleias deve implicar poderem os governos ser levados, dentro de determinados limites e ponderadas condições, a ter na devida conta as suas opiniões fundamentadas, não por exclusiva vontade e a bel-prazer dos mesmos governos, mas porque as assembleias disponham de adequados meios de persuasão e pressão.
Nos regimes parlamentares o principal, mais directo e radical desses meios é a possibilidade de as assembleias provocarem a queda dos governos.
Nos regimes não parlamentares o processo para o efeito eficaz afigura-se ser justamente uma acentuada e consistente supremacia legislativa que permita interferir e influenciar a orientação governamental, supremacia que seria inutilizada se as assembleias, desapoiadas de toda a organização e meios de acção da Administração, tivessem de travar um despique legislativo em pé de igualdade com os governos.
Vê-se, assim, como é inexacto dissociar com o alcance que se referiu as actividades legislativa e fiscalizadora das assembleias. Ao contrário, essas actividades vivem interligadas e em íntima conexão, por modo a a seguuda ir radicar a sua eficiência e força de convicção na primeira.
Mas contra as soluções consignadas no projecto de lei em análise pode observar-se que, além do mais, são ilógicas, uma vez que vão ao arrepio da evolução
- agora concretamente referida ao nosso país- operada entre nós de 1933 para cá, na medida em que se constata terem sido acrescidas e aumentadas as faculdades legislativas do Governo.
É mais uma observação sem ponta de valor.
É certo que se nos debruçarmos sobre as alterações introduzidas na Constituição de 1933 se pode verificar que, quanto a certos aspectos, foi sucessivamente reforçada a posição do Governo no que respeita ao exercício do Poder Legislativo, embora também se deva acrescentar que igualmente foi reforçada a da Assembleia na medida em que lhe foi atribuída competência exclusiva para legislar sobre determinadas matérias.
Seja, porém, como for, é evidente, antes de mais, que nada impõe deverem as alterações legislativas desenvolver-se uniforme e indefinidamente em dado sentido só porque anteriormente se escalonaram nesse mesmo sentido. Tal estilo de raciocínio conduziria lògicamente, no caso concreto, à supressão pura e simples da Assembleia ...
É claro que só o condicionalismo social de cada época ou momento e as circunstânticas especiais que em cada caso concreto devem ser tidas em conta podem fornecer indicações e directrizes úteis, capazes e aceitáveis para esclarecer e definir o sentido em que devem orientar-se as soluções legislativas.
Por isso, o que importa é não tanto saber se as modificações operadas no plano legislativo se fixaram em determinados termos, como apurar se essas transformações na superstrutura do direito se justificaram, foram efectivamente impostas e condicionadas por reais exigências do meio social ou se, ao contrário, tiveram o seu quê de arbitrário e surgiram sem cabal fundamentação e até mesmo sem suficiente explicação.
Ora, dado o carácter da Constituição de 1933, claramente limitador dos poderes da Assembleia, não vejo como seria possível descortinar razões e dados justificativos de algumas das alterações que posteriormente lhe foram introduzidas.
Vou procurar trazer à luz, através de exemplos concretos, os vícios dos raciocínios e o logicismo formalista com que, de um modo especial em pareçeres da Câmara Corporativa, se procurou alicerçar as modificações operadas sob o aspecto que agora interessa.
Inicialmente, consoante é sabido, à face da Constituição de 1933 o Governo só podia publicar decretos -leis nos chamados casos de urgência e necessidade pública. Posteriormente, porém, em 1945, foi feita uma alteração no artigo 109.º, de harmonia com a qual passou a poder fazê-lo independentemente da verificação de tal estado de urgência e necessidade pública.
Porquê esta alteração? Imposição de realidades dignas de serem tomadas em conta e de exigências atendíveis?
Vejamos:
A propósito deste ponto, fez-se mo respectivo parecer da Câmara Corporativa um balanço da actividade e rendimento da Assembleia em matéria legislativa, do qual resulta não só que nas sucessivas legislaturas foi diminuindo o número de projectos de lei apresenta