O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3 DE JUNHO DE 1959 857

dos, mas também que igualmente foi diminuindo o número de propostas enviadas para discussão pelo governo.
A quebra foi vertical e flagrante da primeira para a segunda legislatura. Entre propostas e projectos de lei, naquela foram apreciados 122 e nesta 50.
Perante estes dados, e tendo em conta que não constou ter algum dos Deputados da primeira legislatura tuberculizado ou sofrido de enfarto do miocárdio por virtude de excesso de trabalho na Assembleia, eu inferiria muito naturalmente que a Assembleia tinha pelo menos, pelo menos, repito, capacidade para uma produção legislativa da ordem das cento e vinte e duas leis em doze meses, ainda deduzidos das muitas férias.
Depois, servindo-me também um pouco da aritmética, consideraria, por um lado, que o número de Deputados ia subir, como subiu, de 90 para 120, e, por outro lado, que a crescente intensificação da vida pública não podia deixar de reflectir-se na Assembleia, como nos demais órgãos e ramificações do Estado, e de constituir novo estímulo para um esforço suplementar da sua parte.
E, em face de tudo isto, concluiria que - passe a expressão - a capacidade de produção da Assembleia era, pelo menos, igual a 122 leis mais x.
Mas ao chegar a este ponto ficaria, sem dúvida, perturbado e sobressaltado perante a aludida quebra de produção legislativa nas sucessivas legislaturas e não deixaria de procurar indagar por que é que o rendimento real da Assembleia nem sequer atingia 50 por cento das suas apuradas e demonstradas possibilidades. Não podendo admitir que os Deputados de legislatura para legislatura fossem, sitemática e sucessivamente, baixando de nível intelectual, preparação e qualidades de trabalho, inclinar-me-ia para a hipótese e a Assembleia estar afectada de qualquer mal que a entorpecia, absorvendo-lhe as energias e reduzindo-lhe a actividade. Admitiria, portanto, a hipótese de a Assembleia estar realmente doente.
Procuraria então fazer um diagnóstico mais preciso e esclarecedor e as perguntas surgiriam sem esforço e espontaneamente: porquê tal perda de vigor numa entidade que parecia saudável? Será que se começaram a notar e a aflorar os efeitos de deficiências nas suas condições de trabalho, inclusive com reflexos psicológicos nos próprios Deputados? Será que às vezes uma série de soluções de pormenor, no entanto reciprocamente valorizadas nos seus efeitos pela actuação conjunta, dificultam e emperram a sua acção? Será que o Governo tem faculdades legislativas demasiado extensas que lhe permitem reduzir ao mínimo as propostas a enviar à Assembleia, com a consequência de esvaziar o âmbito de acção desta do seu conteúdo mais estimulante e característico? Será que, aliviada a Assembleia de muitas das suas responsabilidades, diminuiu a força impulsionadora da acção que reside na vinculação a deveres estritos e de grave relevância?
Obtidas as respostas a estas e outras perguntas, esforçar-me-ia por propor, através de alterações à Constituição o tratamento legislativo ajustado e capaz de restituir o perdido vigor.
Isto é o que, segundo suponho, eu faria, porque partiria do princípio constitucional de que a Assembleia tinha de existir e precisava, portanto, da necessária vitalidade.
Mas, pelo que me é dado ler, parece que procederia errada e ingènuamente. É, pelo menos, o que resulta da terapêutica que a Câmara Corporativa entendeu ser boa e cuja aplicação, por isso, aconselhou.
Na verdade, esta, constatando que a actividade legislativa da Assembleia decrescia e ia perdendo terreno, não se preocupou com a anormalidade do fenómeno, não se debruçou sobre as causas que o poderiam explicar, nem cuidou da respectiva correcção, como se impunha, uma vez que se devia partir do princípio de que nos nossos quadros constitucionais tinha lugar uma Assembleia Nacional como órgão da soberania.
Pelo contrário, limitou-se a constatar o facto, acentuando que se tratava de uma realidade a sancionar constitucialmente e, vai daí, não só não sugere um tratamento em via positiva vivificador da actividade da Assembleia, mas ainda, apoia a supressão de restrições aos poderes legislativos do Governo, com a inevitável consequência, que veio a produzir-se, de diminuir ainda mais a frutificação legislativa da Assembleia.
Se formos buscar um símile ao campo dos males físicos, poderemos dizer que a Câmara Corporativa não só se absteve de cuidar da anormalidade existente, mas ainda, colaborando no seu agravamento, fez aquilo que talvez possa classificar-se como «contribuição para uma eutanásia a prazo». (Risos).
Verdadeiramente, porém, esta maneira de proceder e entender nem chega a causar espanto, se se tiver em conta que a Câmara Corporativa já em 1935 opinava expressis verbis e sem reservas não haver conveniência em estimular as iniciativas dos Deputados.
E pelo visto, em face do último parecer, parece continuar a navegar nas mesmas ou semelhantes águas.
Com tal parti pris, com tal posição de princípio relativamente à Assembleia, que poderia esperar-se senão uma tendência para circunscrever cada vez mais ou, pelo menos, manter circunscritos os poderes legislativos da Assembleia?
Há, porém, mais dentro do mesmo estilo de argumentação.
A atribuição ao Governo da faculdade de legislar explicava-se pelo realista reconhecimento de que a Assembleia não podia satisfazer -pelo menos dentro do condicionalismo em que tinha de trabalhar- todas as solicitações legislativas implicadas pela satisfação do interesse público e a restrição de só poder fazê-lo nos casos de urgência e necessidade pública justificava-se pela circunstância, inteiramente exacta, de se assentar em que, em princípio o órgão legislativo era, como é, a Assembleia Nacional.
Eram e são essas as ideias directrizes que enformam neste aspecto o nosso regime constitucional.
Mas, sendo assim, logo se vê não ter havido motivo suficiente e convincente para a alteração realizada, uma vez que, sendo a Assembleia o órgão legislativo, só se justificava o exercício da função legislativa pelo Governo quando realmente isso fosse urgente e necessário.
Porém, a este respeito, não foi assim que a Câmara Corporativa viu e encarou as coisas. Antes definiu uma posição que pode talvez resumir-se pelo modo que segue.
Não obstante o condicionamento da acção legislativa do Governo à urgência e necessidade pública das providências a adoptar, é um facto que a maior parte da legislação ordinária constitui objecto de decretos-leis. Quer dizer: o Governo, como único juiz da urgência e necessidade pública - juiz em causa própria -, deixou de respeitar a condição de que constitucionalmente dependia o exercício por si da função legislativa e passou a legislar sem ter em conta tal condição.
Perante isto, raciocinou-se logo naquele curioso estilo, que parece ter feito escola e carreira: é um facto que o Governo legisla independentemente de qualquer urgente necessidade pública das medidas a publicar; há, pois, que atender a esta realidade, e, fazendo-o, cumpre sobrepô-la, como verdade real que é, à verdade meramente formal que consta do texto constitucional; consequentemente, há que suprimir neste a referida