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854 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 114

tais abusos, naturalmente conducente a circunscrever e a limitar acentuadamente os poderes e o relevo político da Assembleia Nacional.
E assim aconteceu na verdade. Seria fechar os olhos às realidades ou sofismá-las não reconhecer que, dentro da base da aceitação de uma assembleia política, a Constituição foi, sem dúvida, longe numa orientação limitadora da posição da Assembleia no quadro dos órgãos da soberania.
Precisamente por isso não se vê como poderia ser possível, sem aniquilar - mais ou menos lentamente - a própria Assembleia, sem negar, portanto, o princípio aceite da sua necessidade, processar-se qualquer evolução no mesmo sentido limitador.
Caminhar para este lado seria correr o risco da destruição do próprio orgão por sucessivos atrofiamentos radicados na sua inutilização funcional.

O Sr. Melo Machado: - Muito bem!

O Orador: - Basta esta observação para logo se ver como é completamente descabida a invocação como argumento com proveito para o nosso caso do teor e características que assume a evolução geral quanto aos poderes das assembleias em curso noutros países.
É que qualquer modificação na coordenação funcional e política dos órgãos da soberania não pode deixar de ter em conta que o nosso ponto de partida relativamente a esses países é, em certa medida, de sinal contrário.
Nestes parte-se ainda dos excessos parlamentares, associados a uma clara rotura, em benefício das assembleias, do equilíbrio na divisão do poder político e, por conseguinte, o curso natural das coisas, e até mesmo o único possível, por falta de margem para se processar em sentido diverso, não pode deixar de ser em ordem a limitar os poderes das assembleias. Trata-se de uma evolução compressiva ou restritiva desses poderes.
Entre nós o ponto de partida é precisamente o inverso: uma já esbatida consistência política e uma atenuada importância funcional da Assembleia Nacional.
Não pode, pois, argumentar-se com as tendências que, sob o aspecto em referência, podem constatar-se em outros países, por isso que, embora processando-se as coisas nesses países no sentido em que se operou a nossa evolução, a verdade é que, creio bem, ainda se está longe de atingir neles o grau de evolução alcançado pela nossa contextura constitucional.
Em outros países está-se a partir de uma situação paralela à nossa em 1926.
Apenas acontece que as transformações se configuram e desenvolvem em termos e estilo diferentes.
Os requintes inconcebíveis que atingiram os desmandos parlamentares, aliados, porventura, ao restante condicionalismo social e político da época, determinaram entre nós uma evolução de tipo reactivo, operando-se, digamos, por um salto.
E outros países, quer porque, apesar de tudo, os parlamentos- não caíram em tão extremos exageros, quer porque interferem e jogam circunstâncias próprias de natureza diferente, parece desenhar-se um processo evolutivo gradual e escalonado.
Daí que no sentido das restrições aos poderes das assembleias nós tenhamos caminhado mais, mais depressa e, portanto, há mais tempo.
Deste modo, segundo creio, o problema que, sob este prisma, a nossa estrutura política comporta não é o de saber se ainda é possível ou conveniente limitar mais os poderes da Assembleia, mas sim o de saber se, atenuadas as razões justificativas da orientação inicialmente fixada, e surgindo um novo condicionalismo com exigências próprias que se não eliminam com o facto de serem ignoradas, é ou não conveniente introduzir nessa orientação ponderadas modificações em vista de uma maior valorização política da Assembleia, uma vez que entre a posição por nós alcançada e o ponto até que presumivelmente se poderá ir em outros países deve ser possível encontrar uma margem de manobra adentro da qual possam ser ensaiadas soluções e fórmulas equilibradas e viáveis.

O Sr. Melo Machado: - Muito bem!

O Orador: - Seja, porém, como for, o certo é que a observação que tenho vindo a apreciar não tem qualquer consistência no sentido que se pretende, antes se revelando contraproducente.
Mas tal objecção assume uma configuração mais precisa na medida em que se concretiza na afirmação de que a função legislativa das assembleias se tem progressivamente atenuado e esbatido, ao mesmo tempo que se reveste de maior relevo e intensidade a sua acção de fiscalização política.
Não serei eu quem vai negar o fundamento desta observação quando olhada no plano mais vasto das tendências gerais que quanto a esta matéria se podem extrair do direito político dos diversos países.
No entanto, não hesito em afirmar, por um lado, que a observação, porque se constrói à base de dados políticos completamente diferentes dos nossos, em nada contribui para esclarecer a questão no nosso país e, por outro lado, que não tem, quando olhada em si mesma, o alcance nem a amplitude que correntemente se lhe atribui e empresta.
O argumento não vale para o nosso caso concreto porque, como, aliás, resulta do exposto, a função legislativa da Assembleia Nacional, dadas as largas facilidades sobre a matéria de que goza o Governo, já está, na realidade, circunscrita a limites tão estreitos que não só não deixam legítima margem para mais compressões, mas ainda permitem facilmente a intensificação dessa função, sem entrar em conflito ou contradição com a orientação geral restritiva que em outros estados se desenha e define.
A verdade, porém, é que a alegada atenuação da função legislativa das assembleias não se tem dado, em regra, em termos de afectar o que de essencial e mais significativo nela existe e, portanto, muito menos por modo a tal função competir em idêntico grau e igual intensidade ao chamado Poder Executivo.
Pelo contrário, essa evolução tem-se delineado antes com o objectivo de assegurar aos governos a mobilidade e elasticidade na acção necessárias à satisfação das múltiplas solicitações do meio social, mas também com o de, na moldura da actividade legislativa, manter uma clara, precisa e bem definida hierarquia, na qual, surgindo os governos numa posição qualitativamente subordinada, fica aberta às assembleias a possibilidade de interferirem, engrenando por uma forma ou outra no próprio processo legislativo, nas medidas pelo executivo adoptadas ou a adoptar.
Para se concluir que assim é basta olhar as concretizações e os afloramentos mais vulgares e típicos da evolução apontada.
Reconheceu-se que as assembleias menos em contacto com o conjunto das necessidades da administração pública nem sempre tomavam com presteza e oportunidade as iniciativas legislativas desejáveis, e, por isso, atribuiu-se aos governos a faculdade de tomarem a iniciativa de leis, mas estas continuaram a ser discutidas e aprovadas pelas assembleias.
Teve-se em conta que estas não raro adoptavam na apreciação dos assuntos uma ordem de trabalhos menos ajustada e consentânea com as exigências do interesse