6 DE JUNHO DE 1959 897
seriam impedidos de ir ao teatro pelo custo proibitivo das entradas começam agora a frequentá-lo e a interessar-se pelas suas criações. Os jornais têm-se referido a miúde à curiosidade despertada, sobretudo entre estudantes universitários, por certas peças ultimamente representadas.
Ora o teatro - todos o sabem, mas importa recordá-lo uma vez mais -, a criação artística teatral, tem um interesse de cultura e um valor formativo do espirito de uma ordem de grandeza e de qualidade muito diferente dos do cinema. É um espectáculo vivo, com personagens que se movimentam, em toda a sua humanidade, sob os olhos do espectador; é falado em português, desempenhado por actores portugueses e escrito, ao menos em 25 por cento dos casos, por autores portugueses. E, ainda quando se trata de um original estrangeiro, da versão à adaptação à cena e ao desempenho sofre um processo de aportuguesamento muito diferente da mera tradução mecânica de umas frases, por vezes mal escolhidas e ainda pior traduzidas, que se lêem no celulóide projectado nas telas dos cinemas.
O Fundo de Teatro, criando uma certa estabilidade à actividade dramática das companhias, vem dar maior segurança à vida material dos artistas, tirando-lhes a preocupação instante e deprimente do pão de cada dia. Com a maior tranquilidade de- espirito melhoram as condições em que podem consagrar-se ao culto da sua arte e ao aperfeiçoamento, pelo estudo e pela prática, dos dotes naturais que existem, graças a Deus, com a necessária abundância nos actores portugueses. E como corolário desta dignificação da sua actividade profissional compreendida, respeitada, admirada e o que é mais remunerada regularmente, como natural resultado da situação do actor e da actriz com trabalho habitual e decentemente pago, virá decerto um decréscimo das solicitações exteriores a uma certa vida que é, tantas vezes, motivo de escândalo contra àqueles que a levam ou, mais exactamente, a ela são levados. A dignificação do actor trará consigo a dignificação da arte.
Mostra a experiência já adquirida na aplicação do Fundo de Teatro que é mais benéfica a sua acção quando não há só uma companhia, mas de preferência mais do que uma, a receber o subsídio do Fundo. E o exame dos documentos que me foram facultados, não obstante o laconismo de muitos deles, deixa perceber que uma companhia subsidiada em regime de exclusividade tende a abusar, quer no exagero das despesas feitas, quer na redução do trabalho produzido.
O Sr. Júlio Evangelista:.- V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto. Já esperava, aliás, a intervenção de V. Exa.
O Sr. Júlio Evangelista: - E para apoiar as considerações de V.- Exa. O Fundo de Teatro, em determinada altura, viu-se nesta dolorosa circunstancia: as suas receitas são bastante reduzidas para a largueza da obra que se lhe impõe.
No primeiro ano de actividade foram subsidiadas duas companhias, mas verificou-se que, ao longo da safra teatral, as companhias apresentavam as suas contas com deficits, muito grandes e o Fundo de Teatro viu que para as necessidades de subsidio que as duas companhias exigiam, e eram só em Lisboa, não havia suficientes disponibilidades financeiras. Foi então para a solução de uma única companhia, mas desta vez- subsidiada em termos financeiros tais que lhe permitissem atender à categoria do espectáculo, e não exclusivamente à bilheteira. No terceiro ano, o Fundo de Teatro, ao que suponho precisamente por se terem verificado abusos, arrepiou caminho e passou a subsidiar outras companhias, mas com a exigência de sérias responsabilidades. Acontece, porém, que inclusivamente a contribuição que o futebol dava para o Fundo de Teatro, através do Fundo de Desemprego, foi suprimida por despacho de S. Exa. o Ministro das Finanças, creio que por não se considerar profissional a actividade do futebol. E o Fundo de Teatro, que está a ver as suas receitas decrescerem, vê, por outro lado, aumentarem as suas responsabilidades em vista da sensível melhoria que, graças à sua acção, o espectáculo teatral atingiu entre nós. Enquanto o teatro aumenta as suas possibilidades, não se verifica um constante e paralelo aumento das receitas do Fundo.
O Orador:- Agradeço a V. Exa. a contribuição que deu para esclarecimento do caso. E em boa parte as minhas considerações sobre a aplicação do Fundo de Teatro são baseadas em informações recebidas do Secretariado Nacional da Informação, entidade à qual agradeço a franqueza e lealdade com que me informou.
Voltando, porém, ao que ia dizendo.
A existência simultânea de várias companhias subsidiadas proporciona maior variedade de espectáculos ao público frequentador, dando-lhe possibilidade de escolher entre diversos o do seu gosto, sem o forçar a ver o que lhe não agrada ou a recorrer a outro género de espectáculo. Demais é, desta sorte, fomentado um natural e conveniente espirito de competição artística, que, melhorando a qualidade, deixa as companhias em condições de melhor satisfazerem o preceituado no artigo 3.º da já referida Lei n.º 2041.
O Sr. Júlio Evangelista: - V. Exa. dá-me licença? O artigo 3.º da Lei n.º 2041 é um artigo incompleto sobre a competência atribuída ao Fundo de Teatro naquilo que seria de esperar do mesmo Fundo. A lei preceitua que as disponibilidades do Fundo serão aplicadas em subsídios a companhias, nos termos prescritos nos n.ºs 1.º, 2.º e 3.º do referido artigo.
Mas não prevê a hipótese, tal como foi previsto para o Fundo de Cinema, de o Fundo de Teatro conceder bolsas de estudo para estágios no estrangeiro dos nossos actores, encenadores, artistas plásticos, etc., para desse modo acompanharem o movimento teatral europeu e outras possibilidades de melhoria do espectáculo. O Fundo sente-se, realmente, impossibilitado de conceder subsídios para esse efeito, em virtude da referida insuficiência da lei.
O Orador: - Agradeço mais uma vez a V. Exa. os comentários elucidativos e até largamente esclarecedores que me acaba de prestar, os quais, aliás, estão absolutamente de acordo com as minhas considerações.
Há, de facto, necessidade de mandar pessoas lá fora para esse efeito, sob pena de ficarmos desactualizados em matéria teatral. E isto é verdade, tanto das actividades cénicas, como das restantes matérias de cultura.
Mas voltemos ao artigo 3.º:
A fim de assegurar quanto possível a continuidade da exploração, terá sempre preferência no concurso aberto para cada época teatral a empresa beneficiária do Fundo que na época antecedente haja realizado os seus trabalhos com dignidade, agrado público e manifesta vantagem para a arte e para a literatura dramáticas nacionais.
Embora o preceito legal acabado de citar pareça deixar supor que dificilmente haverá mais de uma companhia em condições plenas de receber o subsídio, a verdade é que seria conveniente um esforço, segundo