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9 DE JULHO DE 1959 1199

tituir a palavra «raça» para afirmar que ao Estado Português cumpre assegurar o desenvolvimento, não de uma, mas do espírito português de todas elas, isto é, o desenvolvimento da comunidade portuguesa
Entretanto, repito, o projecto de lei n.º 25 tinha como principal objectivo o excluir a palavra «raça» E creio poder felicitar-me por tal objectivo ser amplamente alcançado.
Que a palavra substituidora seja esta ou aquela é já uma particularidade de ordem secundária O projecto de lei foi ditado pelos interesses da Nação e não quereria eu que se pensasse que me obstinava em fazer vingar um triunfo meramente pessoal.
Os Srs. Deputados ultramarinos são naturalmente os mais interessados no problema Preferem eles a imprecisão do termo «povo» à especificação do termo «comunidade»? Pois bem! Assim seja.
Mas não deixaria eu, em qualquer caso, de demonstrar as razões da minha preferência, mostrando que nunca tomei uma posição de ânimo leve, mas sim devido a razões profundamente meditadas. E se mantenho a minha proposta é porque, apesar de tudo. é ela que melhor responde Às intenções da emenda que tive a honra de propor
Tenho dito.

O Sr Vasques Tenreiro: - Sr Presidente por a hora ir adiantada, limito-me a algumas e breves considerações acerca do problema em debate.
Projectou-se a substituição da palavra «raça» por «etnia», primeiro, e, finalmente, propõem-se as expressões «comunidade portuguesa» ou «povo português». Sem dúvida que a primeira parece possuir conteúdo sociológico definido, enquanto que a expressão a povo português» é de grande latitude. Em rigor, a palavra «comunidade» exprime uma organização no espaço de homens, que estabelecem entre si relações de interdependência, funcionais, quer do ponto de vista biológico como económico ; trata-se, como dizem os sociólogos, de uma espécie de simbiose, pois que todas as partes mantém relações orgânicas com as outras; a sua finalidade é, ao fim e ao cabo, uma maior eficiência na luta pela existência. Repare-se que comunidade distingue-se de sociedade, pois, enquanto a sociedade resulta do contacto ou da comunicação, do conflito numa segunda fase e da assimilação final, a comunidade resulta da competição e leva a uma acomodação. Estes factos devem, em meu entender, ser meditados.
É certo que a finalidade é uma maior eficiência na luta pela existência ... Dai resulta, por extensão, que a comunidade pode estabelecer-se entre povos diferenciados pela raça e pela cultura (o que não oferece confusões), mas também entre nações diversificadas; e quem diz entre nações diz também entre estados, ou seja entre unidades politicamente organizadas de forma diferenciada. Que dizer da comunidade britânica? Da comunidade-luso-brasileira? De uma comunidade europeia? Os economistas, melhor do que eu, sabem bem o significado, politicamente perturbador, de muitas destas comunidades...
A comunidade não visa à integração total, faz-se sempre na base de um interesse económico, social e até na base do sentimento ... É assim, e essencialmente, um compromisso ou um contrato de tipo especial. Em meu entender, a palavra não traduz, de momento, a intimidade jurídica e política que une as províncias portuguesas. Para nós, há um só Portugal, que se retalha em províncias pelo Mundo, e não territórios ou parcelas que o condicionalismo geográfico considerasse separados no todo. Atente-se ao que se diz no artigo 1.º da Constituição. Um só Portugal, dividido em províncias, visando a integração de todas as parcelas dispersas, é o que constitui a armadura política, económica e social no tempo presente A palavra «comunidade», vista assim a luz da sociologia e da política -e é a essa luz que tem de ser vista- é aberrante. Nem uma só vez na Constituição se define comunidade; em contrapartida, fala-se em território (uno), em províncias, «parte integrante», etc. É possível - porque não admiti-lo?- que seja necessário vir a definir um dia uma comunidade portuguesa de base política e social; porém, o problema há-de ser ditado por circunstâncias futuras e tão complexas que não importa agora analisar.
Ora, é precisamente pelo rico conteúdo político da palavra «comunidade», que poderia levar-nos a novas complicações e a soluções prematuras e não meditadas, que eu prefiro, de momento, a simplicidade da expressão «povo português». De sentido amplo, concordo, mas claramente aceite por todos os portugueses E se povo é o conjunto de habitantes de um pais sujeitos às mesmas leis (definição simples mas clara de um dicionarista), parece-me que a expressão convém. Responde aos princípios constitucionais vigentes: um só pais e uma só natureza política e jurídica; serve, portanto, o sentimento de integração, pela assimilação (e não pela acomodação), que sempre presidiu aos destinos de Portugal.
Se a Assembleia votar a substituição da palavra «raça» do artigo 12.º, seja qual for a solução adoptada -«comunidade portuguesa» ou «povo português»,- fica-se a dever ao Dr. Cortês Pinto e aos ilustres colegas que o apoiaram o justo mérito de haver trazido uma correcção a todos os títulos pertinente.
Tenho dito.

O Sr Cortês Pinto: - Quero apenas fazer alguns apontamentos ligeiros sobre certas razões apontadas pelo ilustre Deputado Vasques Tenreiro.
S. Exa. apontou a circunstancia de na Constituição não se definir a palavra «comunidade», e eu pergunto se lá se define a palavra «povo». Certamente que S. Exa. terá de me responder que não. Nestas circunstancias, se não se define nem uma nem outra, o argumento carece de qualquer validade
Nas minhas considerações citei, o mais perfunctòriamente possível, o nome de Lapparent, professor da Faculdade de Ciências de Paris O Sr. Deputado Vasques Tenreiro afirma que ele está ultrapassado. Gostava que S. Exa. me dissesse em quê e desde quando. É que a obra donde colhi a sua frase tão expressiva, acerca da imprecisão da palavra «povo» é relativamente recente De resto, se ele foi ultrapassado em alguma coisa, o que interessaria saber é se ele o foi no caso pertinente. Ora nisto certamente que não podia ter sido. Eu citei um autor num trabalho especializado S. Exa. preferiu os dicionários, mas eu citei-os também. Estes, desde que não sejam os muito restritos, para uso de escolares, mas tenham um certo desenvolvimento, também dizem que a palavra «povo» é bastante imprecisa, e, sendo assim, a critica feita por S. Exa. às palavras «comunidade portuguesa» parece-me em verdade muito menos convincente do que os defeitos graves que apontei à palavra «povo».
É certo que a palavra «comunidade» pode dor a ideia de diferenciações. Estamos de acordo. Eu próprio apontei isso como uma virtude da palavra, porque é essa unidade na diversidade que exprime no caso particular de Portugal a união de povos tão diferentes, tanto das suas dispersas possessões ultramarinas coroo do continente e ilhas. Ela exprime aquilo que particulariza e caracteriza essa unidade, que é exactamente a diferenciação dentro da unidade. Que haja comunidades de outra natureza, não digo que não. Mas que a expressão «comunidade portuguesa» não diz senão uma coisa não há dúvida nenhuma.