1200 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
Portanto, eram estas as respostas que en queria, dar às objecções do Sr. Deputado Vasques Tenreiro. Julgo que respondi a todas.
Tenho dito.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr Presidente: poderia dispensar-me de fazer a defesa da proposta de o Iteração que tive a honra de subscrever juntamente com os colegas do ultramar, pois as brilhantes considerações do ilustre Deputado Dr. Vasques Tenreiro foram suficientes para demonstrar a propriedade e conveniência da expressão «povo português» que propusemos.
A questão da substituição da palavra «raça» no artigo 12.º pode parecer uma questão de somenos, mas não é. Admitia, é certo, que se não tocasse no artigo, visto que a palavra «raça» que ali está não pode significar a cor da pele ou grupo social. Pensar o contrário seria negar toda a nossa tradição política, toda a realidade nacional. Nem mesmo antes da expansão havia uma raça única. O povo português original era já um mosaico de sangues e raças. E depois, com o alargamento de fronteiras geográficas e humanas, ainda menos.
Portanto, a palavra «raça» não estava com sentido de selecção, fosse de que grupo fosse. De qualquer grupo. Daqui não podemos sair. Os racismos impressionam-nos desagradavelmente e da mesma maneira, partam do lado de que partirem: dos loiros ou dos morenos, dos altos ou dos baixos. Não poderiam nunca ser consentidos dentro da nossa nação.
«Raça», portanto, não significa racismos.
Nesse ponto algumas das considerações da Câmara Corporativa merecem a minha concordância.
Mas, desde que um ilustre Deputado levantou a questão, acho que não poderia deixar de se lhe dar andamento. Não podem ser deixadas quaisquer dúvidas. É indispensável fazer as rectificações necessárias. E nesta altura não podemos aceitar a condenação que a Câmara Corporativa fez do projecto de lei do ilustre colega Dr. Américo Cortês Pinto.
Estamos firmemente ao lado do distinto Deputado para rejeitar a palavra craca». Consideramos indispensável a sua eliminação. t
Mas há a sua substituição.
Os Deputados do ultramar não aceitam qualquer das soluções propostas. Como a «etnia» e a «grei» estão já condenadas pelo próprio autor, resta agora a «comunidade portuguesa».
Somos partidários da fórmula «povo português», porque nos parece a mais simples, a mais compreensível, a mais justa. Ela comporta todos os significados, todas as possíveis situações que porventura a palavra «raça» continha. Com efeito, até o sentido que o ilustre autor da proposta quer emprestar à expressão «comunidade» se contém em «povo português». Mas não é esse, certamente, o sentido em que foi escrita a palavra «raça». O sentido de comunidade, isto é, de ajuntamento, de associação, está dado no fim do artigo: «pela sua agregação e representação na freguesia e no município».
Ali, sim, está a agregação, o agrupamento, a comunidade. Mas da oração que contém a palavra «raça» o que se pode entender é a conservação dos indivíduos, da população, do povo; enfim, não há nela o menor significado de sistema orgânico.
Mas «comunidade», além de imperfeito, poderia ter inconvenientes.
Comunidades há muitas e diversas. Há a comunidade luso-brasileira, uma associação cuja intimidade está por definir na lei, mas que esperamos seja grande; há a comunidade britânica, associação de estados independentes, cuja intimidade política é muito ténue; há a comunidade do carvão e do aço-tudo meramente económico ; há entre nós as comunidades ismaelita de Moçambique, chinesa de Macau e siriana da Guiné, e as comunidades cristã, maometana, hindu e parse de Damão, por exemplo; ou as comunidades agrícolas de Goa, e todas estas últimas são comunidades portuguesas.
Qual delas iria a lei referir?
O projecto do ilustre Deputado Cortês Pinto, mesmo que interpretasse o sentido da lei -o que não sucede-, seria impreciso e sujeito a confusões.
Eis porque os Deputados que assinaram a proposta de alteração, prestando homenagem às intenções e à bem notória erudição do ilustre Deputado Cortês Finto, o apoiaram inteiramente na rejeição da palavra «raça» e lamentam que não quisesse aceitar o oferecimento que lhe foi feito de os honrar com a sua assinatura na proposta que apresentaram para a adopção das palavras «povo português».
Pela minha parte desejo acrescentar que em qualquer caso considero um seu triunfo a eliminação de uma expressão que se poderia prestar a interpretações pejorativas. Quero render-lhe esse tributo, ao mesmo tempo que recordo com admiração e reconhecimento quanto me foi útil, na minha visita oficial às províncias do Oriente, a companhia dos seus livros, nos quais colhi preciosos ensinamentos sobre a expansão da cultura portuguesa, tendo nos meus discursos feito algumas vezes referências às suas doutas informações.
Sr. Presidente: vai a hora tão adiantada que me parece conveniente não alargar mais as minhas considerações, que, de resto, se me afiguram desnecessárias para a defesa da proposta dos Deputados do ultramar.
Tenho dito.
O Sr. Cortês Pinto: - Sr Presidente- pedi a palavra apenas para agradecer as palavras tão generosas que me acabam de ser dirigidas pelo Sr. Deputado Sarmento Rodrigues e para afirmar, mais uma vez, que a palavra «povo» é mais susceptível de interpretação restritiva do que a expressão «comunidade portuguesa». Na própria exposição de S. Exa. eu estava a ver isso quando o ouvia apontar os nomes de várias comunidades religiosas indianas, sempre acompanhados das palavras necessárias para lhes darem o significado restritivo particularizador, destinado a evitar o sentido amplo natural à expressão. Porque é preciso notar que o que propus foi que se substituísse a palavra «raça», não por «comunidade», mas sim por «comunidade portuguesa». E continuo a afirmar que esta expressão é mais definidora e por isso preferível à de «povo português».
Tenho dito.
O Sr Costa Ramalho: - Sr. Presidente: ouvindo a análise filológica do nosso prezado colega Dr. Cortês Pinto, lembrei-me de que a minha profissão era a de filólogo e alguma coisa podia dizer sobre as palavras em causa. Prometo, todavia, não usar linguagem técnica e não falar mais de cinco minutos.
Das palavras propostas, «etnia» não serve, porque é um termo técnico de reduzido curso, palavra inteiramente nova, artificial, forjada sobre ethnos, que se não livra da pecha de significar, entre outras coisas, também «raça».
Quanto a «grei», que assenta sobre o latim grex, gregis, significa, tal como acontece na origem, «rebanho», em sentido real e em sentido figurado.
Neste último designa o rebanho dos fiéis em relação ao seu pastor, os súbditos em relação ao soberano, no significado que tem na famosa divisa de D. João II: Polla ley e polla grey
L uma palavra que, em anos recentes, ganhou um conteúdo de exaltação patriótica e nacionalista, que, se