29 DE JANEIRO DE 1960 343
pais - que n Câmara Corporativa veio a considerei o pólo do debate - não tinha que ser apreciado à luz de princípios doutrinários ou jurídicos, mas tão-somente em face de razões e considerações políticas. E quanto a estas é que se manifestou o desacordo da Assembleia.
Ora, às razões de natureza política invocadas responde a Corporativa com razões jurídicas e doutrinárias, para concluir, como já frisei, que afinal se trata de um problema cuja solução tem de ser ditada apenas por considerações de mera conveniência.
Como aceitar, assim, pertinente e útil a longa elaboração doutrinal a que a Câmara Corporativa procedeu?
Na verdade, a política -à escala em que a estamos a apreciar - é coordenação do interesse da colectividade municipal com interesse da grei; é o reconhecimento das realidades locais caso a caso, e não a apreciação dos problemas concelhios através de prismas gerais; é, em suma, a arte do concreto, e não a análise do abstracto ou do genérico.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora, bem: procedendo à substituição indiscriminada de alguns presidentes das câmaras e introduzindo o princípio da substituição obrigatória o Governo actuou com perfeita inversão de valores políticos, facto que veio a merecer a desusada reacção da Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A esta cumpre agora reparar o que julgou ser erro e injustiça política por parte do Executivo. E na impossibilidade de evitar os afeitos que resultaram da aplicação do § único do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 42 178, cujo conteúdo se esgotou em 31 de Março de 1959, há que diligenciar o regresso ao princípio da livro nomeação, demissão e recondução, revogando-se definitivamente o da substituição obrigatória.
Antes, porém, de concretizarmos ainda teremos algum caminho a percorrer.
Sr. Presidente: como já disse, a Câmara Corporativa socorre-se no seu douto parecer de largas considerações jurídicas e determinada cadeia doutrinal que a levam a concluir que o Governo bem poderia ter actuado como actuou (sem quebra de doutrina), embora tiveste sido politicamente inconveniente a iniciativa, adoptando, pois, ainda que superficialmente, o ponto de vista expresso pela Assembleia.
A realidade é, porém, muito diferente.
Quem se tenha dado ao trabalho de ler e analisar o parecer elaborado pelo ilustre relator Prof. Doutor Braga da Cruz não poderá ter deixado de encontrar lima ou duas evidentes contradições. E porque a Câmara Corporativa não se dispensa de referir os saltos lógicos que vitimam a minha intervenção de 17 de Março de 1959, não posso, em acto de pura consciência, perder a oportunidade de lhe pagar na mesma moeda.
Vejamos, então.
Se a Câmara Corporativa não tivesse procurado enquadrar a actuarão do Governo em determinada cadeia doutrinal nada haveria a dizer quanto às conclusões perfilhadas. Mas, precisamente porque ao elaborar a referida cadeia doutrinal, a Câmara Corporativa conclui pela autonomia do princípio da substituirão obrigatória, quando, de acordo com a lógica do sistema defendido, essa autonomia não existe, é que se torna necessário chamar a atenção para o salto lógico que inadvertidamente a Câmara Corporativa aprovou.
Na verdade, o digno relator procura demonstrar que uma coisa é a nomeação dos presidentes e vice-presidentes das câmaras por período certo de tempo e outra o principia da substituição obrigatória, aquela na lógica do sistema que entre nós vigora quanto à natureza jurídica daqueles cargos, esta com perfeita autonomia doutrinal. Quer dizer: o principio da nomeação por período certo de tempo não poderá ser ofendido, sob pena de quebrar toda a cadeia doutrinal elaborada, em que avulta o facto de o presidente da câmara ser, ao mesmo tempo, um representante da colectividade e um magistrado administrativo, como tal representante do Governo; por outro lado, o principio da substituição obrigatória surge, aos olhos da Câmara Corporativa, como independente, do sistema - susceptível de ser ou não adoptado sem que se verifique desacordo ou quebra de doutrina.
Dando como certa a posição jurídica do presidente da câmara que o parecer detende (e adiante evidenciarei as dúvidas quanto à sua bondade), os pressupostos em que assenta a tese defendida pelo ilustre relator levam a uma evidente contradição.
Na verdade, se os presidentes das câmaras têm a dupla qualidade du representação municipal e de representantes do Governo e aquela (como sustenta o douto parecer) precede e suporta esta - como será possível proclamar a autonomia doutrinal do princípio da substituição obrigatória se esto revela exclusivamente um acto de força política por parle do Governo, determinado por circunstâncias de ordem geral, independente das realidades e factures locais que deveriam condicionar - na lógica do sistema - a permanência ou a demissão de um presidente da câmara essencialmente representante da colectividade municipal?
Por outras palavras: a demissão generalizada dos presidentes e vice-presidentes das câmaras a que assistimos no dia 31 de Março do ano passado poderá ser considerada aceitável à, luz dos pressupostos doutrinais tão brilhante arquitectados pela Câmara Corporativa - ou não se terá apresentado antes como acto arbitrário e ilógico do Poder, em nítido desacordo com a cadeia doutrinal defendida pela Câmara Corporativa?
Efectivamente, Sr. Presidente, será possível integrar na, lógica, de um sistema que coloca o presidente da câmara na posição de «representante da colectividade municipal que acumula as funções de representante do Governo no concelho» (como se afirma no parecer) com a demissão maciça a que assistimos e mesmo com o principio da substituição obrigatória?
Na realidade, se o principio da nomeação por período certo de tempo é uma consequência do facto de os presidentes e vice-presidentes das câmaras desempenharem antes de tudo o mais cargos representativos (que só razões ponderosas obrigam, na lógica do sistema vigente, a não considerar electivos, na opinião da Câmara Corporativa), como aceitar a autonomia doutrinal do princípio da substituição obrigatória, uma vez que poderia conduzir à impossibilidade de a certa altura, se apresentar ao sufrágio precisamente aquele dos munícipes que tivesse maiores probabilidades de ser eleito, no caso de o cargo voltar a ser electivo, como o ilustre relator defende?
Isto significa que, ao adoptar a cadeia doutrinal referida, a Câmara Corporativa não poderia concluir que o principio da substituição obrigatória pode ser solucionado com perfeita autonomia, doutrinal. E, porque concluiu, o salto lógico tornou-se evidente.
É que, de acordo com os pressupostos em que se baseia o parecer, havia que rejeitar, contrariamente ao que se afirma, o princípio da substituição obrigatória, seguindo-se a única solução doutrinalmente imposta pela solução adoptada quanto aos problemas anteriores.
E essa serio, o regresso ao regime anteriormente em vigor.