342 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149
até porque se me afigurava que a votação unânime da Assembleia, ratificando com emendas o decreto-lei, exteriorizara o aplauso que as minhas palavras haviam suscitado - não, certamente, por virtude de orador, mas pela justiça dos princípios que então defendeu.
Sucede, porém, que o exaustivo parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei em que, por força da votação du Assembleia, o Decreto-Lei n.º 42 178 entretanto se transformou, obriga-me a regressar ao debate, tantas vezes sou honrado com a citação das minhas pobres palavras, não raro para ser chamado a capítulo.
Embora a, ratificação com emendas de um decreto-lei signifique doutrinal e legalmente que nem a Assembleia nem a Câmara Corporativa haverão de debruçar-se sobre a generalidade do diploma (como magistralmente ensina o relator do parecer), uma vez que a votação dos Deputados «deixou arrumado o debate quanto à oportunidade e vantagens dos novos princípios legais o quanto à economia do decreto-lei», a verdade, Sr. Presidente, é que a Câmara Corporativa tão atenta aos saltos lógicos que ferem a minha intervenção de 17 de Março - breve pareceu esquecer a posição defendida, cedendo à tentação de acompanhar os profundos conhecimentos do ilustre relator sobre a matéria, através dos largos caminhos que levam ao debate na generalidade.
Efectivamente, tendo o cuidado de proclamar u cada passo que a Câmara Corporativa só poderia ater-se ao exame na especialidade, acaba por aceitar ser, todavia, necessário apurar o verdadeiro sentido da generalidade aprovada pela Assembleia ao ratificar uni decreto-lei. E daí lançar-se no apuramento da generalidade aprovada, generalizando também.
O facto deixa-me livre para seguir método idêntico, por mais breve que queira, e deva ser.
Sr. Presidente: a Assembleia Nacional, que é um órgão de soberania com funções políticas e legislativas, reduziu-se, mercê das circunstâncias próprias do sistema, em que vivemos, a um órgão quase exclusivamente político - de apreciação política, para me servir do termo porventura exacto.
Apreciar e controlar a actividade do Governo, fazer-se eco da opinião pública, defender as grandes linhas da legalidade política - eis, segundo penso, as suas três nobres e essenciais tarefas.
Ora, ao levantar a minha voz contra as alterações que o Decreto-Lei n.º 42 178 introduzia ao artigo 72.º o Código Administrativo, diligenciava tão-somente apreciar e criticar um acto político do Governo (de acordo com uma das tarefas essenciais da Assembleia atrás definidas), sem me ater aos princípios jurídicos que poderiam justificar ou reprovar a publicação das referidas alterações.
Para atingir esta evidência gasta a Câmara Corporativa cinco densas páginas de notável e erudita análise jurídica e doutrinal, que não posso deixar de considerar inútil para a economia do debate, até porque são responsáveis por um manifesto salto lógico que adianto referirei.
Mas parece-me lícito que abra um parêntesis e registe desde já não ter afinal, no debate em curso, o monopólio dos atropelos contra a ciência aristotélica. como a Câmara Corporativa dá a entender.
O problema é só este: o Governo julgou oportuno (expressão talvez preferível ao julgou conveniente que a Câmara perfilha) alterar a disposição que permitia a livre recondução dos presidentes e vice-presidentes das câmaras, estabelecendo um limite 'àquela faculdade ao cabo de doze anos de exercício do cargo e marcando uma data (31 de Março) para que cessassem funções, automaticamente, todos os presidentes e vice-presidentes em exercício há mais de doze anos. O Governo julgou a Assembleia Nacional julgou inoportuno, e não só inoportuno, como politicamente injusto em relação a muitos dos que eram demitidos pelo novo processo.
Este quadro - marcadamente político - não conduzia necessariamente a largas apreciações doutrinais, quis se revelam ser tanto do agrado (como aliás se compreende) do ilustre relator e do alguns dos Dignos Procuradores que subscrevem o parecer.
Mas o que resulta lamentável é que por mor da doutrina a Câmara acabasse por cair em contradições, que não se verificariam se se tivessem limitado, como era mister, a apreciar a proposta de lei nos precisos termos em que a Assembleia Nacional havia colocado o debate.
Lancei deste lugar, Sr. Presidente, e o nosso ilustre colega. Homem Ferreira daquela tribuna, com muito brilho o vibração, um grito de alarme essencialmente contra o que nos pareceu constituir um acto de flagrante injustiça política, na medida em que o Governo, cedendo aos ventos demagógicos que sopravam, decidira varrer dos cargos que exerciam todos os presidentes e vice-presidentes das Câmaras que o fossem há mais de doze anos. E grito de alarme ainda, mas consequente e não já essencial, contra a introdução do principio da substituição obrigatório ao fim de certo período de tempo, que se nos afigurou da mesma forma inconveniente sob o ponto de vista político e juridicamente incongruente («pleonasmo jurídico» lhe chamou o Dr. Homem Ferreira).
Esta a posição tomada, que a Assembleia Nacional aprovou, pelo menos parcialmente, não concedendo a ratificação pura e simples ao decreto que introduzia as alterações.
E, movendo-me sempre em plano de apreciação política, perguntava, então, porque é que só os presidentes e vice-presidentes das câmaras eram atingidos pela disposição legal que os demitia automaticamente no dia 31 de Março de 1959 e também não caíam na alçada da lei os administradores por parte do Estado em empresas concessionárias ou naquelas em que este tenha posição accionista, os delegados ido Governo junto de vários organismos, os governadores civis, todos enfim os que por qualquer forma desempenham cargos de confiança? Perguntava-o e volto hoje a interrogar o Poder, tão certo estava e estou que a crítica contra o imobilismo político, a que o Governo pareceu dar satisfação através do Decreto-Lei n.º 42 178, não tinha a sua origem na continuidade da administração local, mas no que se verificava e verifica em outros sectores da vida publica portuguesa.
Contra o que me pareceu revestir uma gritante injustiça e um nítido caso de falta de realismo político é que me insurgi e foi, afinal, na sequência do caminho que tracei que a Assembleia, após outras intervenções de ilustres colegas, veio a votar, com emendas, a ratificação do diploma, convertendo-o na proposta de lei agora em discussão na especialidade.
Não se ignora que aos Dignos Procuradores já não competia apreciar a disposição que exonerava a partir de 31 de Março todos os presidentes e vice-presidentes das câmaras em exercício há mais de doze anos, dado que o seu conteúdo se tinha esgotado antes que a Assembleia tivesse oportunidade de proceder à apreciação do diploma. Mas na fertilidade de comentários, juízos de valor e apreciações em que o parecer se baseia talvez não ficasse deslocada uma referência justa ao facto que, afinal, provocara decididamente a reacção da Assembleia.
De resto, a fixação de um período de tempo para além du qual não é possível a prorrogação do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras munici-