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344 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149

Eis o paradoxo em que caiu a Câmara Corporativa.
Na verdade, ou a argumentação e os pressupostos em que o parecer se baseia estão certos, e é ilógica a conclusão, ou esta procede, mas são falsos os pressupostos. Daqui não há que sair.
Sr. Presidente: movi-me até agora no quadro que a Câmara Corporativa traçou.
Procurarei agora, no mais breve espado do tempo, alinhar as ideais que sobre a matéria defendo para chegar às conclusões que me hão-de levar a propor o regresso ao sistema que o artigo 72.º do Código Administrativo prescrevia, ou a uma solução de compromisso em que as ideias essenciais que detendo não deixem de triunfar.
Em primeiro lugar não se me afigura que a natureza mista dos cargos de presidente e vice-presidente das câmaras municipais possa ser validamente posta em causa.
Eles são, na realidade, os representantes dos munícipes, que representam junto do Poder Central, e são também os representantes do Governo junto da autarquia.
Mas querer demonstrar, de juri constituto, que o presidente da câmara é um representante da colectividade municipal que acumula as funções de representante do Governo no concelho parece-me inteiramente improcedente.
A posição, desde há muito conhecida, do ilustre relator Prof. Braga da Cruz (que aliás se revela nas entrelinhas do parecer) preconizando que o cargo de presidente da câmara volte a ser idêntico terá conduzido a Câmara Corporativa a encontrar no presidente da câmara municipal primeiro o representante da colectividade e depois o magistrado administrativo.
Talvez assim devesse ser. Mas o problema não tem agora que se discutir de jure constituindo, mas tão-somente à face do direito constituído e do direito aplicado - e estes só por sofisma poderão interpretar-se como o Prof. Braga da Cruz ensaiou.

A interferência do Poder Centro! junto das autarquias locais é de tamanha monta; a possibilidade de escolha dos presidentes e vice-presidentes das câmaras tão vasta (embora o corpo do artigo 71.º do Código Administrativo pareça timidamente apontar um caminho, que aliás, o Governo, por força do § 2.º do mesmo artigo, é livre de seguir ou não); o poder discricionário do Ministro do Interior é tão grande, nomeando, reconduzindo, demitido -que só de muito boa vontade parece possível concluir pela subordinação do magistrado administrativo ao representante da colectividade, como fez a Câmara Corporativa.
Não, Sr. Presidente. A dualidade de magistraturas que os presidentes e vice-presidentes das câmaras exortem ó paralela, e não subordinada; mas, se o não fosse, o direito aplicado (já não digo o positivo) indicar-nos-ia que a subordinação era precisamente ao invés da que defende a Câmara Corporativa.
Repare-se que só por assim ser é que o Governo não hesitou em demitir, genericamente e de uma só vez, todos os presidentes das câmaras municipais em exercício há mais de doze anos - precisamente porque os considerou seus representantes, paralela ou subordinadamente ao facto do serem também os representantes dos concelhos em que exerciam os respectivos cargos. Daí o ter-se arrogado a facilidade de os substituir, sem ter em linha de conta o interesse político local.
Ora bem: a introdução da principio da substituição obrigatória é manifestação da mesma realidade que se revela incoerente à luz dos pressupostos doutrinais defendidos pela Câmara Corporativa (embora o parecer diga o contrário), mas perfeitamente integrada na posição do Governo, uma vez que a autonomia doutrinal
só se pode aceitar desde que a natureza jurídica mista dos cargos de presidente e vice-presidente seja paralela ou subordinada em sentido inverso àquele que a Câmara Corporativa quis demonstrar.
A Assembleia Nacional é que, embora sem poder censurar a posição jurídica e doutrinal do Executivo, a condenou politicamente.
E, assim, podemos regressar ao ponto de partida, agora já de acordo com a Câmara Corporativa: o Governo julgou oportuno; a Assembleia Nacional julgou inoportuno. Nada mais.
Descendo agora ao pormenor das hipóteses ventiladas e da solução que a Câmara Corporativa acaba por defender afigura-se que a Assembleia Nacional deveria votar o regresso ao statu que ente, embora se aceite a redução de oito para quatro anos do período de cada mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras, o que parece pertinente.
A Câmara Corporativa repudia o regresso ao sistema de liberdade absoluta de recondução, defendendo, como principal argumento, a necessidade de se pôr termo ao pecado da permanência pela permanência e da estabilidade pela estabilidade, reverso vicioso da instabilidade política e administrativa que campeava no regime anterior à Revolução de 28 de Maio de 1926.
Ora, Sr. Presidente, tenho alguma autoridade na matéria, porque, muito antes do próprio Presidente do Conselho proclamar a necessidade e o sentido da renovação, já a defendera com o maior entusiasmo. Muito me constrangeria verificar que se pensasse ter mudado de opinião.
O mal está na tentação em que o Governo se deixou cair de renovar por renovar, quando o que se lhe pedia ou exigia era uma renovação consciente e discriminada.
Renovar indiscriminadamente è permitir que o tal vento subverino, na, felicíssima expressão do Dr. Homem Ferreira, se instalo no comando da nau política e provoque as maiores injustiças e as mais sérias dificuldades.
Renovar por renovar é coisa que se espera de adversários; não é processo que se empregue entre muros de determinada cidadela política, vitimando precisamente os que servem ideias e causa comuns.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora quando uma lei confere aos governantes o poder discricionário de nomear, reconduzir e demitir e surge outra que pretende efectivar às cenas um dos referidos poderes, o menos que se concluirá é que o legislador reconheceu a importância do órgão que deveria actuar no sentido de fazer uso do poder que a lei já lhe conferia.
Mas a Assembleia Nacional não poderá reconhecer tão flagrante inferioridade do Executivo, até porque lhe compete também velar pelo prestígio dos governantes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E esta não deixará de ser uma das razões mais ponderosas que conduzem ao sistema anteriormente em vigor.
A solução de compromisso preconizada pela Câmara Corporativa não parece ainda merecedora de aplauso, pelo menos em toda a sua extensão.
Na verdade, porque se há-de responsabilizar o vértice político do Estado pela recondução de um presidente de câmara ao fim de doze anos, pedindo a solidariedade e a assinatura dos Presidentes da República e do Conselho num casa que o Ministro do Interior pode perfeitamente resolver com pleno conhecimento de causa?