766 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 171
O betumo e a sarrisca, o areão ou areia reclamados o ano passado para as estradas alcatroadas e a brita e o saibro que escasseavam ou faltavam totalmente nas macadamizadas não chegaram a ser incorporados em muitas e, nas que o foram, tanto as diminutas percentagens aplicadas como as chuvas constantes que caíram obstaram à obtenção de um resultado positivo convincente.
Razão tinha, também e infelizmente, quando insisti pelo deferimento rápido da pretensão, evocando que a boa economia, no caso vertente, mandaria gastar então 10, para evitar o tardio dispêndio de 100 ou 200. Na verdade, neste curto espaço de um ano, tanto os materiais como a mão-de-obra experimentaram aumentos substanciais; e daqui até ao início da campanha que urge levar a termo em todo o continente, qual o agravamento a incidir sobre o actual custo das reparações pedidas, não contando já as que irão aparecendo como fruto dos estragos posteriores?
O ilustre colega pôs o dedo bem na ferida - é o termo. Tão acertadamente que hoje permito-mo apelar, única e exclusivamente, para o Sr. Ministro das Finanças, declarando ser preciso iniciar sem delongas uma campanha de recuperação no sector das estradas nacionais, solicitando-lhe as bases financeiras indispensáveis à consecução dessa cruzada de resgate e simultânea melhoria e garantindo-lhe o vivo e incondicional apoio e aplauso da Nação, perante uma iniciativa de semelhantes proporções e projecção.
Não posso nem quero conceber a perda irreparável da posição destacada que alcançámos em matéria de construção, reparação e conservação de estradas, como não admito que o Governo - sempre disposto e interessado em pugnar pelo aumento das condições de vida da Nação, factor-base do seu progresso moral e material - protele por mais tempo a concessão da suficiência de verbas que se torna mister proporcionar à Junta Autónoma de Estradas para o cabal exercício das suas múltiplas e complexas funções, aliás sempre satisfeitas por forma a receber os justos elogios de gregos e troianos.
Sr. Presidente: escusado e inviável se torna abarcar todos os casos dignos de menção para ilustrar quanto se pede a propósito de tão importante assunto. Este o motivo por que escolho, como paradigma, a estrada nacional n.º 1, que liga a capital do País à capital do Norte e é a nossa, principal via rodoviária. Não se mo impou a justificação da sua importância, que é de sobejo reconhecida, quer como elemento de aproximação de populações e via de escoamento de géneros e produtos, quer atentando no movimento de estrangeiros que a percorre diariamente.
Pois, sendo ainda hoje a nossa estrada de maior trânsito, é raro o troço que satisfaz plenamente! Se há um outro em boas condições de piso, considerável parte do seu traçado não oferece largura, que se coadune com o numero de veículos que a cruzam, nem com as dimensões dos mais modernos.
Os caminhos de ferro e as estradas constituem a ossatura da actividade económica e social, em todos os países; no nosso, em que a rede ferroviária não atingiu a expansão compatível com a crescente movimentação de pessoas e mercadorias, finais necessário é estender a rede rodoviária, fazendo-a chegar a todos os pontos do País. Ela tem de ser posta ao serviço do que não pode ser transportado pela via férrea, no caso de locais onde o carril é progresso desconhecido, e das populações e produtos cuja deslocação pelas estradas canais acessível, rápida e algumas vezes mesmo mais económica.
Ciente do anseio dominante do Governo em matéria de valorização do elemento humano, interrogo-me sobre o paradoxal estado de coisas em que nos encontramos,
à primeira vista, pelo menos. Mais explicitamente: é-me difícil conciliar a desejada elevação do nível de vida das populações - que sabemos uma preocupação dominante do Governo - com a morosidade posta à prova na abertura de novas vias de penetração e interligação.
A malha da rede rodoviária continental não é de bitola idêntica de norte a sul, nem do litoral para a raia: apertada junto ao litoral - o que não significa superabundância de estradas, mas sim uma relativa mediania de recursos rodoviários - começa a alargar-se a poucos quilómetros do mar e à medida que caminhamos para o interior. De tal forma que muitas localidades e populações cercadas pela malha só à custa de muitos e duros sacrifícios logram gozar as suas vantagens. Estes locais e povos repartem-se por áreas de considerável extensão e é pensando neles, sobretudo, procurando avaliar da justa medida o quanto de pouco favorecidos têm sido e continuam a ser, lembrando-os e as rudes provações por eles suportadas, que peço para todos em idênticas circunstâncias a chegaria breve do fim do seu sacrifício, a aurora da apregoada elevação do seu nível de vida. E, entre tantas conquistas desconhecidas para eles, a regalia de uma estrada é, sem dúvida, uma das mais prementes e apreciadas.
Por outro lado, não podemos perder de vista que tudo e todos lutam com a estrada. E cada vez pior! O número de viaturas aumenta a ritmo assustador, parecendo elucidativo o número de cerca de 200 000 a que se eleva o total de veículos automóveis registados só no continente. A tonelagem acompanha, proporcionalmente, aquele acréscimo; e, simultaneamente, o total de quilómetros percorridos por cada veículo inscreve-se numa curva ascendente, de que não vislumbramos o máximo, mas que deverá andar, no momento, pelos 3 milhares de milhões anuais.
A luta com a estrada, porém, não se confina aos estragos por ela sofridos e já enumerados; a estrada, ao primeiro sinal de ter sido ferida, agiganta-se nas depreciações do material circulante, ameaça danificar seriamente as viaturas que a utilizam, vinga-se num aumento sensível de combustível. Computando em 50 000 km a duração média de um pneumático, quando rodado num pavimento bom e a velocidade conveniente, ficaremos decepcionados se nos disserem que o mesmo pneumático não suportará, regra geral, os 25 000 km, se for empregue num pavimento medíocre. Contudo, é a verdade! A vida do pneumático sofre a redução de 50 por cento, porque o desgaste ultrapassou o dobro. Quanto às despesas de reparação dos veículos, quando em trânsito por pavimentos medíocres, aumentam de 50 por cento em relação a um pavimento em bom estado; num piso mau sobem aos 100 por cento. E o consumo de combustível eleva-se também, em virtude da frequência com que as mudanças têm de ser feitas.
Não havendo, portanto, o cuidado aturado de reparar dia a dia as estradas, as consequências imediatas do seu mau estado ficarão bem evidenciadas pela simples anotação de que, se fixarmos em $01 o agravamento por quilómetro percorrido - base bastante modesta, saliente-se -, entrarmos em linha de conta com os 200 000 veículos automóveis registados no continente e lhes atribuirmos uma média anual de 15 000 km por unidade, o prejuízo suportado será representado por 30 000 contos em cada ano.
Contudo, este desperdício material, de uma grandeza que não é para ignorar, seria pouco se não houvesse um outro muito mais importante: o desperdício de vidas humanas. Porque uma das consequências, a mais grave de todas, afinal, é o apavorante e sempre crescente número de desastres. Não sejamos carrascos a ponto de descarregar sobro as estradas mal cuidadas