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2 DE MAIO DE 1960 875

deslumbra a prelatícia veste de D. Henrique, nativo de sangue, filho de soba, e nos alvores de Quinhentos sagrado bispo de Útica em África, por grande rogo que el-rei D. Manuel de Portugal fez ao Papa Leão X. São esses alguns dos inumeráveis exemplos com que começámos há cinco séculos a ensinar o tutano da doutrina, a que hoje, nas assembleias internacionais, se usa chamar dever sagrado.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Era um ensinamento novo, uma lição sem intróito na história pregressa dos povos. Por isso alvoroçou os contemporâneos desse tempo inicial, que lhe entenderam lucidamente o sentido: foi no gesto redentor de guindar um negro desde a treva à claridade que Miguel Angelo pintou Portugal nos tectos do Vaticano.
Nem na história antiga nem na medieva se vira nunca essa eleição de conceitos espirituais como marcas dominantes de algum movimento de expansão. Os sulcos que os bárbaros marinheiros de Creta ou da Fenícia haviam deixado nos mares procediam todos do único propósito do comprar e do vender. Os sangrentos impérios do Oriente foram amassados em despojos, cativeiros, opressões. E até as claridades que, vindas dos montes da Ática, irradiaram pela concha mediterrânea e nela fecundaram a harmoniosa beleza do mundo clássico - até essa expansão foi conduzida na brutal cegueira dos direitos dos povos nativos, e visava não abraçá-los no perímetro nacional, mas tão-somente ocupar-lhes o espaço ou tornar-lhes os recursos; e se o caso grego difere do romano em alguns dos efeitos produzidos, em nada se dissemelha na cúpida intenção que o motivou.
Dir-se-ia que dessa raiz antiga, mais que do próximo exemplo português, brotaram, em tardias vergônteas, os movimentos coloniais europeus dos séculos XVII e XVIII, todos marcados pelo mercantilismo rebuscador do negócio, pela ausência de respeito pelos direitos pessoais e interesses espirituais dos indígenas, e até, em alguns casos, pela destruição das populações nativas, consideradas como vegetação maninha, de que era forçoso limpar a terra, para depois meter nela as sementes da raça branca.
Durante aquelas mesmas centúrias avançavam os Portugueses pelo trilho da sua vocação inicial. Nos recessos íntimos da África ou entre o tumulto das babilónias do Oriente, continuávamos a ensinar a religião dos nossos maiores, única regra nossa conhecida que podia conduzir à igualdade plena entre os homens; carregávamos em nossos navios os primeiros prelos que a Ásia viu funcionar, imprimíamos catecismos, estudávamos os idiomas, publicávamos as primeiras gramáticas de bárbaras falas, disseminávamos a técnica da lavoura e os rudimentos de vário artesanato, ensinando nas senzalas «todo o género de artífices que se vêem em uma república»; construíamos os primeiros hospitais e fundávamos por toda. a parte Misericórdias, mandávamos servir neles os físicos da nossa corte e nunca distinguimos em tanta caridade os filhos dos brancos dos filhos dos negros.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Respeitávamos propriedades e instituições gentílicas, condescendíamos com a autoridade das tribos, mandávamos aos potentados missivas dos nossos reis, onde, em vez de intimações ameaçadoras, se continham mensagens, de paz e de amizade. E sempre afirmámos pelas palavras ditas do alto dos púlpitos, pelo pregão firme das nossas leis e por factos manifestos a unidade carnal do mundo português e a condição de iguais perante a lei de quantos, sem distinção de sangue ou nascimento, nasceram na terra de Portugal. Nós podemos dizer que honrámos nativos com o foro ilustre de cavaleiro fidalgo da casa real; que sempre os aceitámos a aprender e a ensinar nas nossas escolas; que lhes entregámos governos de províncias e chaves de fortalezas. Nós temos documentos que já eram velhos quando o anticolonialismo ainda não tinha nascido ...

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: -... e nos quais se manda pôr a ferros, debaixo de chave na cadeia pública, qualquer pessoa de qualquer estado ou condição que desprezar no trato ou na civilidade os naturais da índia, seus filhos ou descendentes, chamando-lhes negros ou mestiços ou aplicando-lhes outras semelhantes antonomásias odiosas.
Foi essa a maneira de que os Portugueses usaram para merecerem colher agora o prémio da grande paz do mundo lusíada.
Resultado que, por ser único, a alguns aparece como estranho, e que certos se obstinam em não querer compreender, quiçá porque aceitar a Conclusão obrigaria a reconhecer a verdade das premissas, isto é, a legitimidade dos métodos da acção portuguesa no além-mar.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - São esses mesmos os que não alcançam entender também o sentido desta fraterna amizade do Brasil, da grande nação portentosa e orgulhosa, que nas suas horas maiores ajoelha e reza diante da cruz da descoberta ...
Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - ... e que na defesa dos direitos de Portugal aparece a erguer ao céu os seus braços de gigante, que foi sempre livre, para que o Mundo veja que em seus pulsos não ficaram os estigmas de grilhões que nunca usou.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - É esta a experiência, cinco vezes secular, título de que só nós podemos retirar dos livros da história a certidão. Através dela enriquecemos o património moral da humanidade com algumas ideias novas, que se podem cindir na concepção de que colonizar é um dever antes de ser um direito; de que o fundamento moral de tal dever não é o interesse do povo mais adiantado, mas o do povo mais atrasado, e de que se trata efectivamente de um dever sagrado, no sentido de que a responsabilidade pelo seu cumprimento é a mais séria de todas as responsabilidades- nacionais, porque decorre da própria, substância da Nação e da aceitação dos supremos deveres que a obediência da lei de Deus impõe aos povos crentes. Ou, na versão laica desta mesma essencial realidade: porque resulta dos princípios do- direito natural, anterior e subjacente a toda a convenção nascida do engenho humano.
Não têm ainda 100 anos os mais- antigos textos em que nações, só muito depois de nós despertas para a vocação do ultramar, começaram a inscrever, em solenes declarações, alguns dos princípios ínsitos na nossa ética espiritualista, que então a uns apareciam como novidades generosas, a outros como idea-