O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

22 DE MAIO DE 1950 871

guês algum, por menos patriota que seja, que não sinta vibrar-lhe o peito de emocionado orgulho nacional ao recordar no seu espírito essas figuras ilustres e venerandas de antanho que nos legaram, a par das suas conquistas de espírito, um vasto e precioso património - o património sagrado do ultramar- que vem pesando de há séculos sobre os ombros de Portugal e que importa acima de tudo, na hora que passa, defender a todo o transe das ameaças que rondam de Iodos os lados.

Ora entre essas figuras de antanho, que se sublimaram na história pelos seus brilhantes cometimentos, que os tornaram credores da admiração e orgulho nacionais, destaca-se, como astro' de primeira grandeza, o infante D. Henrique, a quem a tradição distinguiu com o epíteto de Navegador, não porque muito navegasse, porquanto as maiores excursões marítimas que lhe conhecemos não passaram além de Marrocos, mas sim porque, de facto, se reconheceu que à acção heróica e persistente do infante se deve a existência do património ultramarino, que, não obstante as vicissitudes por que passou através dos séculos. Portugal ainda possui nas cinco partes do Mundo e que constitui a sua maior glória.
Todos sabemos quem foi o infante de Sagres. Filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, D. Henrique nasceu no Porto a 4 de Março de 1394.
Dotado de uma vasta erudição e cultura, honesto, estudioso, vivendo o idealismo do intelectual, aliado admiravelmente à energia persistente e activa do realizador intimorato, que não recua nunca perante as maiores dificuldades, empreendedor e audacioso marinheiro, afeito às tempestades do mar, alma nobre, corajosa e generosa, coração magnânimo e generoso de sentimentos, adornado de virtudes cristãs que aprendera a cultivar logo no regaço materno dessa nobre figura de mulher e de mãe que foi D. Filipa de Lencastre, o infante D. Henrique possuía, em admirável equilíbrio, um conjunto de qualidades e dotes invulgares que o colocavam acima do vulgar dos príncipes do seu tempo.
Homem de estudos e ávido de saber, para mais facilmente se dedicar aos seus trabalhos e à contemplação do cosmos, que lhe intrigava o espírito, espicaçando-lhe sem cessar a curiosidade, renunciou voluntariamente ao convívio da corte e às alegrias legítimas do coração humano, porquanto o sonho grandioso que lhe embalava a alma, traduzindo-se para elo na certeza da existência de terras desconhecidas e povos ignaros que importava libertar do jugo islamita e trazer à fé cristã, não se compadecia facilmente com os cuidados da vida familiar.
Na verdade, D. Henrique, forte e casto até à morte, não deixou geração, mas, em contrapartida, legou à Pátria e à humanidade os mais belos e preciosos frutos da sua geração intelectual, que se consubstancia nos descobrimentos portugueses e na descoberta de novos mundos, até então vedados ao conhecimento humano, os quais constituem, por isso mesmo, a posteridade gloriosa,, os filhos legítimos do infante de Sagres.
Metódico e persistente, com uma rapacidade invulgar de notável organizador, de carácter decidido e voluntarioso, próprio de quem sabe' perfeitamente o que quer e paru onde vai, D. Henrique reuniu à sua volta, junto de Sagres, onde se refugiava, a par de ilustres mareantes, cientistas e sábios, eminentes cartógrafos, cosmógrafos e astrólogos, com os quais estudou problemas náuticos e tornou possível abalançar-se à conquista dos oceanos, devotando-se com ardor à expansão ultramarina, que veio a constituir a maior grandeza de Portugal.
Com efeito - escreve Damião Peres - D. Henrique não foi realmente um geógrafo, mas tudo mostra que a sua inteligência se abria à curiosidade geográfica; não foi cartógrafo, mas soube compreender e ulilizar os merecimentos dos que o eram; não foi um missionário, mas promoveu o proselitismo cristão; não fui um cruzado, mas combateu contra os Muçulmanos na conquista de Ceuta e na tentativa de Tânger; não foi um descobridor, mas estimulou as navegações de descobrimento; não foi um mercador, mas impulsionou a exploração mercantil do ultramar português; não foi um economista, mas soube criar o intercâmbio do produções, tão característico da expansão ultramarina do Portugal. Sem ser enorme em um só aspecto -conclui o mesmo autor- foi muito graúdo no conjunto deles.
Embora D. Henrique cedo revelasse uma propensão natural para a ciência náutica e para as coisas do mar, todavia foi após a primeira excursão militar em terras de África, onde recebera a consagração ritual da cavalaria, que no sou espírito teria desabrochado a ideia grandiosa de uma expansão em larga escala, visando não só a destruir o crescente poderio muçulmano, que lhe parecia estender-se sobre toda a Ásia e toda a África, mas. sobretudo, implantar a cruz de Cristo e atrair, como escreve o autor das Décadas, as bárbaras nações ao jugo da religião cristã.
Curioso investigador que era, teria aproveitado os poucos meses de permanência em Ceuta, aonde voltara em 1418 em socorro h cidade, sitiada pelo rei mouro de Granada, acompanhado de seu irmão o príncipe D. João, para tomar contacto com os Mouros e Árabes, colhendo deles elementos preciosos de informação acerca do interior de Marrocos e de Fez. da existência de tribos berberes, que habitavam o continente africano, da vastidão incomensurável do Saara, dos grandes rios africanos, dos grandes mercados do deserto, do ouro de Tiniboctu e do precioso marfim proveniente das terras de Guiné.
Profundamente versado em astronomia e nas ciências exactas, procurando actualizar dia a dia os seus conhecimentos na observação directa da natureza para dela colher informes seguros que o habilitassem a realizar os seus intentos, ao mesmo tempo despido de vaidades e sem ambições pessoais, retirou-se para o seu rochedo de Terçanabal, onde deu início à famosa Escola de Sagres, verdadeiro alfobre de grandes mareantes, ([lie, seguindo a rota por ele traçada, haviam de cruzar mais tarde os oceanos em todas as direcções, desvendando novos mundos ao Mundo.
De facto, foi da escola prática de Sagres, aonde acorriam pressurosos de vários pontos da Europa todos aqueles que quisessem aprender a arte de navegar, que saiu essa plêiade ilustre de marinheiros da envergadura de um Gil Eanes, de um Bartolomeu Dias, do um Vasco da Gama, de um Pedro Alvares Cabral, de um Afonso de Albuquerque, de um Fernão de Magalhães e de tantos e tantos outros.
Foi nessa mesma escola que se formaram os verdadeiros técnicos e peritos da arte de navegar - os pilotos portugueses -, que foram os mestres de toda a Europa durante os séculos XV e XVI na ciência do mar. Porquanto foram eles que depois dos Fenícios se atreveram confiadamente a navegar para o alto mar conhecendo perfeitamente o curso dos ventos dominantes, capazes de determinar a latitude pelo Sol e a posição dos barcos quando estes se encontravam a muitas milhas de distância da terra.
Recolhido no promontório de Sagres, longe rio bulício da cidade e do tumultuar das gentes, passava longos dias e noites de vigília, já debruçando-se sobre os mapas e cartas, já mergulhando o seu olhar inquieto no estendal imenso desse mar profundo, cujas ondas